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Conheça a idosa de 96 anos que é louca por São João e famosa por fazer festão em Seabra

Quem chegar na noite de 23 de junho na casa de Maria Amélia Barreto e estiver atento aos detalhes, vai encontrar uma bacia de louça cheia de água em algum canto do quintal. Nada acontece por acaso na residência da matriarca da família em Seabra, no centro-sul baiano. Na manhã seguinte, no dia de São João, é tradição que parentes e agregados tentem ver seus rostos refletidos no espelho d’água. Para quem acredita na simpatia, não enxergar o reflexo é sinal de que não estará vivo no próximo ano. Esse é um dos costumes que dona Amélia, de 96 anos, repassa para as novas gerações da família que não seria a mesma se não fossem as tradições juninas. 

Não importa a época do ano, se Maria Amélia conversa por telefone com os netos que estão distantes, lança a pergunta: “E no São João, vai vir para cá?”. A paixão da senhora pela festa junina remete a época em que seus pais, devotos de São João Batista, decoravam a casa e recebiam os parentes na casa da família em Ipupiara, no centro-sul do estado. 

“Na minha terra, quando eu era pequena, meu irmão fazia as flores de tecido e eu aprendi. A gente enfeitava a cidade toda porque ele era muito religioso. Aqui na minha casa até hoje é um festão. É a festa mais bonita que existe”, conta Maria Amélia emocionada. O encantamento pela festa é nítido no olhar da senhora, que se enche de lágrimas quando relembra os momentos do passado. 

Aos 96 anos, a matriarca segue ativa nos festejos

(Foto: Acervo Pessoal)

O tempo fez com que a vida de dona Amélia tomasse outro rumo e ela se mudou para Seabra, na década de 60. Na bagagem, ela levou as tradições e o amor pelo São João. O mês de junho marca uma espécie de êxodo urbano da família Barreto. É neste período que filhos, sobrinhos e netos retornam a casa da avó e se reúnem para dançar forró e comer pratos típicos da festa. Ao redor da fogueira que fica acesa do dia 24 até a celebração de São Pedro (29) na frente da casa, os familiares contam as novidades e relembram os velhos tempos. 

A música também é garantida, com os acordes das sanfonas dos netos Adriane, 26, e André Barreto, 34, ecoando pela vizinhança. “A família sempre chamou um trio de forró para se apresentar no São João e, nesse contexto, eu fui pegando os instrumentos e toquei sanfona pela primeira vez. Fui aprendendo tocando na casa de vó e fazemos todo ano o forró”, conta Adriane. A médica levou a tradição para o trabalho na UTI, onde toca o instrumento para os pacientes internados em estado grave. 

Mas, antes da casa ficar aberta para receber os convidados, uma longa preparação é colocada em prática. Pela idade avançada e restrições de mobilidade da matriarca, quem toma à frente da decoração e da cozinha é a filha, Míriam Barreto, de 55 anos. Um mês antes do São João, ela começa a fazer os licores, pendurar as bandeirolas e costurar as flores de tecido. Tudo isso, é claro, com a supervisão atenta de dona Amélia. A ansiedade da senhora é tamanha, que nesses dias, acorda mais cedo, se senta na sala e opina em todos os detalhes.

Parte da decoração da casa da família

(Foto: Acervo Pessoal)

Festa
A tradição fez a casa da família ser referência na cidade de 40 mil habitantes. Quem passar por lá durante a novena junina, certamente vai encontrar as chamas ardentes da fogueira e muita comida. “Aqui tem mesa posta todo o dia. A casa da cidade que estiver com a mesa posta recebe todo mundo que chegar. Nossa celebração compete com a festa da praça, tem um monte de gente que prefere vir para cá”, brinca Míriam. A religiosidade também não é deixada de lado e a família faz orações para São João Batista, santo de devoção dos pais de Amélia.

A decoração da casa chama a atenção de quem passa pelas ruas de Seabra

(Foto: Acervo Pessoal)

Entre os costumes, além da fartura, está a simpatia da bacia de água para comprovar se, quem enxergar seu reflexo, vai estar vivo no ano seguinte. Aos 96 anos, Maria Amélia não se intimida e é a primeira da fila a observar seu rosto refletido no espelho d’água. “Tem uns que não olham, por medo, mas eu olho todo ano. Sou a primeira”, conta a senhora.

Durante as restrições da pandemia, a matriarca sofreu sem a presença dos convidados no período junino. O filho Marialvo Barreto, de 69 anos, conta que Maria Amélia sempre gostou da casa cheia e de agregar pessoas ao seu redor. “Ela parece que fica com 60 anos quando tem gente dentro de casa. É só alegria e, se deixar, passar a noite acordada vendo a festa”, revela. 

Músicas de forró e danças são garantidas na festa

(Foto: Acervo Pessoal)

Além da festa, dona Amélia é figurinha conhecida na cidade pela história de vida. Numa época em que ser mulher era ainda mais difícil do que atualmente, ela se separou do marido, com quem teve seis filhos. Para sustentar a família, comprou uma máquina de costura e se tornou comerciante conhecida em Seabra. Maria Amélia ainda se desdobrava nos cuidados de três filhas que, devido à uma doença rara, tinham paralisia nas pernas e não estão mais vivas. 

Continuidade
Se quem está em Seabra, sede da festança, conta os dias para o São João, os parentes que estão distantes também não vêem a hora do reencontro regado a muito forró e licor. Para o neto André, de 34 anos, o momento é de voltar à infância e adolescência, quando levava os amigos de Brasília, onde morou, para conhecer a festa familiar. “A gente relembra o período das bombinhas, quando nos encontrávamos nas férias. Até hoje tem esse sentimento e é muito bom estar junto com a avó e contar as histórias”, diz.

Maria Amélia e a bisneta

(Foto: Acervo Pessoal)

Se o que faz uma tradição é a passagem de ensinamentos para as futuras gerações, o São João da família Barreto está garantido por um bom tempo. Anderson Barreto, 36, um dos netos de Maria Amélia, deu à filha de 3 anos o nome da avó. No último São João, a pequena ganhou um vestido feito por Míriam, filha de Amélia e mãe de Anderson, como manda mais uma tradição da família. 

“Ela nasceu na pandemia e ainda não viu a festa de verdade por causa das restrições. Agora, com a situação melhor, vai ser o primeiro São João de verdade da pequena e vamos preservar a tradição”, promete Anderson.

*Com orientação de Perla Ribeiro.

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