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Decisão do STF sobre marco temporal irrita bancada do agro e faz Congresso protocolar PEC

A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de rejeitar a tese do marco temporal para demarcação das terras indígenas esvazia o Projeto de Lei 2903/2023, que tramita na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado Federal e propõe, em sentido oposto à Corte, fixar na legislação um parâmetro de áreas a comunidades originárias. Por 9 votos a 2, o plenário do Supremo descartou na última quinta-feira, 21, o entendimento de que comunidades originárias só podem reivindicar terras já ocupadas em 5 de outubro de 1988. Com o resultado, fica vencida a proposta do Parlamento antes mesmo de o PL ir para votação em plenário, cenário que impõe uma derrota significativa para defensores do marco temporal e membros da bancada do agronegócio, que prometem ir “às últimas consequências” para reverter a decisão do STF. Entre as alternativas está a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre o tema, apresentada logo após a conclusão do julgamento no tribunal.

Na quinta-feira, 21, o senador Hiran Gonçalves (PP-PR) protocolou uma PEC para retomar o marco temporal. De acordo com o parlamentar, a “emenda não visa negar o direito dos povos indígenas às suas terras, mas sim oferecer uma base sólida para a demarcação, evitando conflitos e incertezas que prejudicam tanto as comunidades indígenas quanto outros setores da sociedade”. Segundo apurou o site da Jovem Pan, até a noite da sexta-feira, 22, a iniciativa de Hiran Gonçalves havia recebido a assinatura de outros 26 senadores. Com isso, chega-se ao número mínimo de 27 signatários para que a matéria seja numerada e comece a tramitar na Casa. Entre os parlamentares que endossam o texto estão o senador Marcos Rogério (PL-RO), que relata o PL sobre o marco temporal, Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Hamilton Mourão (Republicanos-RS), Jorge Seif (PL-SC), Luis Carlos Heinze (PP-RS), Sergio Moro (União Brasil-PR) e Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura do governo Bolsonaro.

O senador Hamilton Mourão, inclusive, divulgou uma nota na qual afirma que a PEC é uma “reação” à decisão do STF, em mais um indício de que o julgamento na Suprema Corte contrariou uma ala do Congresso Nacional. “A PEC é uma reação dos parlamentares de oposição ao recente julgamento do Supremo Tribunal Federal pelo fim do marco temporal”, resume o ex-vice-presidente da República. Embora um grupo de senadores esteja defendendo a tramitação da proposta de emenda à Constituição, membros da bancada do agronegócio no Senado argumentam que a decisão do STF não inviabiliza a tramitação do PL relatado por Rogério, já que a matéria trata de outros assuntos além do marco temporal. “O que não podemos aceitar é que o STF ultrapasse os limites dos Poderes. Temos a bancada mais forte do Congresso, que tem a melhor articulação política. Vamos continuar trabalhando pela aprovação”, disse Pedro Lupion na quinta.

Os governistas, por outro lado, avaliam – ao menos por enquanto – que a proposta não deve prosperar. Segundo líderes de partidos da base de Lula na Casa ouvidos pela reportagem, há duas razões para isso. Em primeiro lugar, porque o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que se reuniu com as ministras do Meio Ambiente, Marina Silva, e dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, quando o projeto de lei chegou à Casa, já havia se comprometido em dar ao PL do marco temporal uma tramitação mais longa. Além disso, argumentam os aliados do presidente da República, o Palácio do Planalto possui uma base de apoio mais sólida no Senado e, neste caso, não haveria votos suficientes para que a PEC fosse aprovada – por se tratar de uma emenda à Constituição, são necessários, no mínimo, 49 votos, em dois turnos de votação.

A reação do Congresso Nacional ao julgamento do STF estava precificada. Após a Corte declarar inconstitucional a tese do marco temporal, o deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), disse, em coletiva, que o Supremo está se colocando como “legislador, usurpando competências do Congresso”. “Avançar em uma matéria em fase final do Parlamento, que impacta as relações sociais de brasileiros e brasileiros, é expor que a Constituição privilegiou indígenas em detrimento de todos os demais”, afirmou. “O STF tem se colocado como legislador, usurpando competências do Congresso. Não existe a mínima possibilidade de aceitarmos isso calado”, acrescentou. Apesar de Lupion afirmar que o Judiciário invade competências do Legislativo ao decidir sobre o tema, advogados constitucionalistas ouvidos pelo site da Jovem Pan explicam que, uma vez que não existe uma definição sobre os critérios para a caracterização das terras indígenas para a demarcação e muitos casos na Justiça, cabe aos ministros interpretarem a Constituição. “Pode-se dizer que o Legislativo ‘demorou’, por isso foi necessária a intervenção do Judiciário sobre o tema, o que geralmente ocorre em casos onde há lacunas legais e disputas entre partes com interesses contrários. Sendo assim, ao julgar o marco temporal o STF cumpre seu papel, vez que o Congresso demorou a cumprir o seu”, explica o advogado constitucionalista Antônio Carlos Freitas Júnior à reportagem.

Em entendimento semelhante, os advogados Fábio Santana e Acácio Miranda também defendem que é legítima a manifestação do Supremo. Para Santana, embora a relação entre os Poderes da República seja sempre “muito polêmica”, neste caso, a análise reside menos no campo da competência constitucional do STF e mais na segurança jurídica. “Em razão de uma aparente mudança de entendimento em relação ao posicionamento adotado no caso Raposa Serra do Sol”, resume. Por sua vez, Miranda aponta uma omissão do Congresso de discutir temas mais complexos. “O papel de legislar é do Congresso? É. Mas uma vez que o Congresso não exerce [esta prerrogativa], acaba sobrando para o Supremo essa função e esse tem sido o problema. Se estivesse o Parlamento debatendo essas questões antes de chegar à pauta do STF, não teríamos este tipo de problema”, conclui.

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