Uma decisão judicial acelera as etapas para retomada do programa Mais Médicos no Brasil. Isso porque permite que os 1.789 médicos cubanos demitidos em 2018 sejam recontratados e tenham que retornar ao Brasil. A decisão assinada pelo desembargador Carlos Augusto Pires Brandão, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, atende a um pedido da Associação Nacional dos Profissionais Médicos Formados em Instituições de Educação Superior Estrangeiras e dos Profissionais Médicos Intercambistas. A decisão determina que a União apresente em um prazo de dez dias um plano de contratação de profissionais, e a medida deve ser cumprida pelo governo federal. No início do mês, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, afirmou que a prioridade dos primeiros 100 dias de sua gestão na pasta é a retomada do programa. “Nossa meta é reverter esse quadro e ter como ação prioritária, mantendo as linhas básicas do programa, e pensando incentivos para os médicos brasileiros”, disse Nísia. O objetivo do Mais Médicos é destinar efetivo de profissionais da saúde para regiões remotas, de alta vulnerabilidade, como acontece em periferias de grandes cidades, além de ajudar na crise humanitária e de saúde.
Ao mesmo tempo, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) diz que nunca esteve de acordo com o programa, que não segue os trâmites legais para a atuação regular dos médicos estrangeiros no país. Segundo Angelo Vattimo, primeiro secretário da instituição, o registro junto à entidade de classe e a revalidação do diploma por meio do Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos (Revalida) são etapas fundamentais para que médicos de outros países atuem de forma regular no Brasil, garantindo a prática da boa medicina. De acordo com Vattimo, apenas 4% dos médicos conseguem passar no exame. “Temos que desconstruir qualquer narrativa político-ideológica. O problema é técnico. É um problema a ser analisado do ponto de vista técnico e também da regulação. Quem vai fiscalizar esses médicos? Eles não se submetem aos órgãos de fiscalização. O problema não é porque é cubano. Se alguém se formar em Havard vai ter que revalidar o diploma”, defende. Como solução à falta de médicos para determinadas regiões do país, Vattimo defende a criação de uma carreira de Estado para fixar o profissional. “O médico não fica. Por que o promotor fica? Por que o juiz fica? O médico fica desde que tenha uma carreira”, argumenta.
O projeto de cooperação com Cuba trouxe um maior número de médicos para o Brasil. No primeiro ano do programa, foram oferecidas 18 mil vagas. Cerca de 15 mil eram ocupadas por profissionais estrangeiros, sendo mais de 80% da ilha caribenha. A infecto-pediatra e tutora do Mais Médicos no Piauí Dotas Costa explica que há um equívoco das pessoas em achar que o programa foi criado para médicos estrangeiros. Segundo ela, a maior dificuldade é fazer o médico brasileiro aderir ao programa: “De qualquer forma, a cidade pequena não é atraente para o médico brasileiro. O médico cubano vem só. Raramente traz a família dele. Então, ele não tem essa problema da educação. Os filhos dele continuam em Cuba e são educados em Cuba. Então, ele aceita, ele vai para qualquer lugar. Ela ainda relembra sua experiência com profissionais estrangeiros e ressalta o que a presença deles no Brasil trouxe à população dos municípios: “O programa deu muitos indícios de que seria um programa bastante vitorioso. Os médicos tinham uma empatia muito grande pela população. A aceitação da população, apesar da barreira do idioma, foi muito grande. E, para muitas comunidades, foi a primeira vez em que havia um médico residindo no local”.
No final de 2018, os médicos cubanos tiveram de retornar a seu país após Cuba decidir romper o contrato com o Brasil. A saída deles do Mais Médicos foi reflexo da relação entre os governos dos dois países, após a eleição presidencial daquele ano, que colocou Jair Bolsonaro (PL) no comando do Executivo brasileiro. Na época, Bolsonaro queria promover uma reformulação das regras do programa, alvo de críticas de entidades internacionais pelo cubanos serem obrigados a repassar a maior parte do dinheiro recebido ao regime comunista de Cuba. “Entre outras coisas, 80% do salário ia diretamente para Fidel Castro, e o pessoal ficava com aproximadamente 20% aqui”, comentou Bolsonaro naquele período.
*Com informações da repórter Soraya Lauand