Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF/Arquivo
O ministro Alexandre de Moraes em sessão plenária do STF 19 de abril de 2024 | 13:17
As decisões do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes divulgadas por uma comissão do Congresso dos EUA reforçam a discussão sobre os parâmetros legais para um juiz bloquear perfis em redes sociais.
Atualmente, não há nas leis brasileiras regras e critérios a respeito da suspensão de contas nas plataformas.
No mundo jurídico, há divergência entre uma visão que alega ser necessário haver uma permissão explícita na lei para esse tipo de restrição e outra que defende a possibilidade de maior subjetividade nas decisões.
No mundo político, parlamentares aliados de Jair Bolsonaro (PL), principais alvos desses bloqueios, tratam a medida como censura prévia. Já na esquerda predomina a avaliação de que as decisões se justificam frente às ameaças ao Estado democrático de Direito.
O debate envolve questões complexas que abrangem os limites da liberdade de expressão.
O tema ganhou tração na direita nas últimas semanas, a partir de postagens do empresário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), que chegou a questionar Moraes quanto ao porquê de “tanta censura no Brasil” e defendeu o impeachment do ministro.
Ele disse inclusive que descumpriria decisões judiciais brasileiras, que publicaria tudo o que é exigido pelo ministro e “como essas solicitações violam a legislação brasileira”.
Investigado no STF sob suspeita de tramar um golpe, Bolsonaro está usando o episódio como combustível para conclamar apoiadores para um ato no próximo domingo (21) no Rio de Janeiro.
Após a divulgação do relatório baseado em despachos fornecidos pelo X, Musk afirmou em sua rede que “a lei quebrou a lei”.
No documento, há ordens que partiram tanto do STF, em inquéritos e petições criminais, quanto do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
No caso dos bloqueios por desinformação eleitoral, o TSE aprovou resolução prevendo a suspensão temporária de perfis em caso de “publicação contumaz de informações falsas ou descontextualizadas sobre o processo eleitoral”.
Questionada pela PGR (Procuradoria-Geral da República), à época sob Augusto Aras, a regra foi validada pelo plenário do STF no final de 2023.
Existe, entretanto, um debate sobre a amplitude das resoluções aprovadas pela corte eleitoral. Isso porque, em tese, ela estaria limitada a regulamentar e detalhar o que está na lei. Mas, diante da inação do Legislativo em criar regras para lidar com os novos desafios impostos às eleições pelas dinâmicas virtuais, o TSE vem ocupando esse espaço.
Uma segunda camada de discussão é quanto a quais critérios precisariam estar presentes para justificar não a remoção de posts específicos que teriam infringido a lei, mas a suspensão completa de um perfil. Hoje não há parâmetros legais para fazer esta avaliação, seja quanto à gravidade, reiteração ou prazo para a restrição.
O Código de Processo Penal prevê as chamadas medidas cautelares diferentes da prisão. Entre elas estão o uso de tornozeleira eletrônica, comparecimento periódico em juízo, suspensão do exercício de função pública, proibição de acesso a determinados lugares para evitar o risco de novas infrações e proibição de manter contato com pessoas determinadas.
A professora de direito penal da FGV e advogada Raquel Scalcon explica que há quem entenda, como ela, que a lista prevista na lei é fechada, não sendo possível ao juiz aplicar alguma outra restrição. Essa linha tem como premissa que no processo penal não há um poder geral de cautela para o juiz.
De outro lado, há quem avalie que ela é apenas exemplificativa. Neste último caso, um argumento é o de que seria melhor para o réu ter a possibilidade de sofrer uma medida alternativa, ainda que não prevista, do que uma prisão preventiva.
Raquel defende a primeira posição e avalia ser importante haver uma autorização explícita na lei para o bloqueio de perfis, com os requisitos de quando podem ser usados.
“Alguém hoje pode até concordar ou ser simpático às medidas que têm sido tomadas, mas é preciso lembrar que o poder muda de mão e de orientação”, diz. “Como limitar então esse poder que pode ser sempre um risco?”, reflete ela.
A discussão se aplica, por exemplo, aos diferentes inquéritos criminais relatados por Moraes, como o das fake news, das milícias digitais, dos atos antidemocráticos e dos ataques do 8 de janeiro.
O professor de direito do Insper Ivar Hartmann considera necessário haver uma previsão legislativa aprovada pelo Congresso, não, por exemplo, via resolução do TSE, por este tipo de medida envolver restrição à liberdade de expressão.
“É mais difícil decidir sobre esse direito. E porque é mais complexo e mais difícil é mais fácil de existir abuso”, diz.
Clarissa Maia, que é advogada e doutora em direito constitucional, avalia ser possível determinar a suspensão em caso de publicações reiteradas que atinjam direitos fundamentais ou sejam contra o Estado democrático de Direito.
“O direito não pode permitir um vazio normativo”, diz ela, que discorda de quem entenda que este tipo de atuação seria um ativismo do Judiciário. Ela cita a possibilidade de aplicação por analogia de outras regras legais e o poder geral de cautela como argumentos.
Outro aspecto em debate no caso das decisões de bloqueios por Moraes é a frequente aplicação de sigilo, dificultando um escrutínio público sobre a motivação das ordens.
Em nota nesta quinta (18), a assessoria de imprensa do STF afirmou que os documentos reproduzidos no relatório da comissão parlamentar norte-americana não tratam “das decisões fundamentadas que determinaram a retirada de conteúdos ou perfis, mas sim dos ofícios enviados às plataformas para cumprimento da decisão”.
“Fazendo uma comparação, para compreensão de todos, é como se tivessem divulgado o mandado de prisão (e não a decisão que fundamentou a prisão) ou o ofício para cumprimento do bloqueio de uma conta (e não a decisão que fundamentou o bloqueio)”, disse o tribunal.
Renata Galf, Folhapress