InícioNotíciasPolíticaDilema fatal da esquerda (por André Gustavo Stumpf)

Dilema fatal da esquerda (por André Gustavo Stumpf)

Quem viveu no Brasil nos últimos quarenta anos, percebeu uma certa fobia a economistas.  Explico melhor: o país foi o território escolhido pelos especialistas para fazer experiências em matérias de gestão. O governo Sarney produziu o plano Funaro que congelou preços, produziu uma inacreditável tablita para descontar taxas de juros embutidos nos financiamentos e conseguiu desorganizar a economia em poucos dias. As prateleiras dos supermercados ficaram vazias de uma hora para a outra. Desabastecimento chegou pesado.

Vieram depois outros planos, Bresser e Maílson da Nóbrega. Todos em nome de combater a inflação e recolocar a economia no seu melhor patamar. Deu tudo errado, de novo. No final do governo Sarney, o Brasil estava com a inflação superior a 100% ao mês, com as linhas de crédito no exterior bloqueadas, como consequência da decretação da moratória. O país deixou de pagar os juros da dívida externa e recebeu em troca dos bancos internacionais a suspensão de todos seus créditos no exterior. O país quebrou.

A resposta a tudo isso veio na forma do plano Collor, que congelou todos os ativos. Ou seja, quem tinha até cinquenta mil cruzeiros, na moeda da época, poderia no banco sacar em dinheiro. Além disso, a quantia ficava bloqueada para ser devolvida em prestações.  O dinheiro foi efetivamente devolvido, mas o impacto político foi tão forte que o governo Collor caiu. O Partido dos Trabalhadores, que já dispunha de bancada barulhenta, tocou os tambores e ajudou a derrubar o presidente.

O presidente Itamar Franco teve a inspiração de convidar o sociólogo Fernando Henrique Cardoso para o Ministério da Fazenda. FHC não queria o cargo, achava que era uma armadilha política. Mas terminou por aceitar. Montou uma brilhante equipe de economistas, que, trabalhando junto com lideranças do Congresso, conseguiu criar um interessante plano econômico, o plano real. Ao mesmo tempo, seus integrantes renegociaram a dívida externa brasileira com os credores internacionais e tudo se recompôs. Os bancos brasileiros passaram a ter crédito no exterior e o país voltou a ser solvente.

O partido que mais fez oposição ao Plano Real, que institui a nova moeda no Brasil, foi o PT. O partido entendeu que o plano era meramente eleitoreiro, destinado a beneficiar o PSDB na sucessão presidencial. Beneficiou, de fato, porque FHC foi eleito e reeleito para Presidência da República, apesar da palavra de ordem petista, reverberada nos quatro cantos do país “fora FHC”. Essa distância entre PT e PSDB nunca foi superada. Em raros momentos Fernando Henrique e Lula, apesar de correligionários no início das respectivas caminhadas, nunca mais se acertaram.

O PT chegou ao poder três vezes com Lula. Duas contra o PSDB e uma contra a novíssima extrema direita brasileira, representada por Jair Bolsonaro. O ex-presidente, que não guarda coerência nas afirmações que produz, pretende apenas fazer barulho. Agora no Brasil, vai responder como puder às acusações de contrabando e descaminho na questão das pedras preciosas recebidas na Arabia Saudita. De resto, vai acusar como sempre fez seus adversários reais e imaginários.

O PT nunca foi desafiado pela direita. Quem viajar de carro desde o Nordeste até Brasília vai encontrar faixas, na região da soja, saudando o ex-presidente que estava homiziado em Orlando, na Flórida. Se prosseguir na viagem até Foz do Iguaçu pelo interior de São Paulo e do Paraná deverá ver o mesmo ambiente hostil ao governo do PT. A ironia dessa história é que a direção do Partido dos Trabalhadores se encontra agora diante da dificuldade de construir sua política econômica. Seu governo está obrigado a reduzir despesas, investimentos, segurar aumentos de salários para baixar juros e retomar a solvência. Tudo muito parecido com o que aconteceu antes.

Esse é um dilema que perturba todos os governos de esquerda. João Goulart enfrentou a mesma decisão. Respondeu convocando um economista de elite, Celso Furtado, que lhe apesentou o famoso plano Trienal, constituído de objetivos para crescer de maneira equilibrada. Não deu certo porque a política não tolera limitações orçamentárias. No Brasil, só os militares conseguiram impor a restrição necessária para fazer a economia caber dentro do orçamento. Mas foram obrigados a suprimir as eleições. No mundo, os países socialistas que orbitavam a antiga União Soviética, se libertaram do antigo regime quando todos se viram asfixiados por dívidas com bancos ocidentais.

A solução que o PT encontrar para a questão econômica do Brasil atual vai determinar o sucesso ou insucesso da administração Lula. E, de outro lado, vai abrir ou não a brecha para que a oposição avance nas próximas eleições. O futuro do governo Lula está sendo jogado agora.

André Gustavo Stumpf, jornalista ([email protected])

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