Os agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) que levaram Genivaldo Jesus Santos à morte depois de prendê-lo em uma viatura e atirarem dentro uma bomba de gás lacrimogênio, em Umbaúba (SE), essa semana, foram afastados das atividades 48 horas depois da ocorrência, divulgou a própria corporação, na sexta-feira (27). O comando da PRF, no entanto, não especificou os detalhes do afastamento dos profissionais e nem detalhou quais serão as punições impostas aos três servidores que participaram da abordagem.
Genivaldo, que morreu asfixiado, foi vítima de uma ação truculenta e agressiva (relembre abaixo), segundo afirmaram as testemunhas que filmaram as cenas e seus familiares. E foi morto com um método inaugurado pelos nazistas durante a II Guerra Mundial (saiba mais no texto abaixo), justamente para eliminar quem consideravam ‘indesejáveis’: pacientes psiquiátricos, doentes crônicos, ciganos, judeus, lgbts. Ironicamente, Genivaldo trazia nos bolsos os remédios contra a doença mental que o afligia quando foi parado pelos policiais.
O Caso Genivaldo tem potencial para se multiplicar, infelizmente, porque a PRF não oferece mais as aulas de formação básica em Direitos Humanos em seu curso de preparação de novos agentes, segundo reportagem publicada na sexta-feira (27) pela BBC Brasil. A morte dele têm semelhanças com o caso do afroamericano George Floyd, morto por policiais nos Estados Unidos também por asfixia, em 25 de maio de 2020, exatos dois anos antes do brasileiro ser ‘abordado’.
A diferença aí, talvez resida no fato de que Floyd teve seus algozes julgados e condenados e, essa semana, ganhou uma estátua em sua memória. O que vai acontecer com os policiais que permitiram a asfixia por gás de uma pessoa que foi fechada em um carro, só a Justiça brasileira sabe.
Investigação
A Polícia Rodoviária Federal mudou o teor de seu discurso inicial após a repercussão da morte de Genivaldo. De acordo com o jornal O Globo, a corporação informou que está comprometida com a apuração “inequívoca das circunstâncias relativas à ocorrência no estado [de Sergipe], colaborando com as autoridades responsáveis pela investigação”.
Inicialmente, porém, a PRF chegou a afirmar que a vítima teve “comportamento agressivo e a equipe usou técnicas de imobilização e instrumentos de menor potencial ofensivo”. Ainda no dia da morte de Genivaldo, os agentes disseram à mulher dele, Maria Fabiana, que o homem seria levado a uma delegacia. Ela só descobriu que o marido tinha sido levado, de fato, para um hospital, quando o procurou na suposta delegacia.
Depois, os agentes disseram que ele foi para o hospital por ter passado mal na viatura e que morreu ao dar entrada na unidade de saúde. Á família, o médico plantonista que atendeu Genivaldo disse que ele já chegou morto ao hospital.
Direitos Humanos
O Curso de Formação de Policiais (CFP) é obrigatório para agentes da PRF e tem duração média de três a quatro meses. Um dos módulos, anteriormente, oferecia aulas sobre direitos humanos que abrangiam temas como proteção de crianças e adolescentes, violência sexual, trabalho infantil, tráfico de pessoas, machismo na corporação e violência policial, conforme enumera a reportagem da BBC Brasil. A duração desse módulo chegava a 30 horas, mas foi extinto.
A PRF justificou que o conteúdo foi diluído pelos outros módulos do CFP. “A disciplina de Direitos Humanos e Integridade – DHI teve a carga horária suprimida. Os encontros presenciais foram suprimidos e temáticas abordadas em sala serão trabalhadas de maneira transversal por todas as demais disciplinas”, diz texto da corporação sobre o atual programa do curso.
A supressão dos temas ligados aos direitos humanos em um órgão de polícia surpreendeu especialistas que estudam o tema. E não é para menos, historicamente, ainda segundo a reportagem da BBC Brasil, a corporação já teve até reconhecimento da Organização das Nações Unidas (ONU) por seu trabalho de mapeamento das rotas de exploração sexual infanto-juvenil. Também ganhou prêmio de direitos humanos pela coerção ao tráfico de pessoas.
No começo deste mês, portaria assinada por Silvinei Vasques, diretor-geral da PRF, revogou o funcionamento e as competências das Comissões de Direitos Humanos dentro da corporação. Pesquisadores da violência e do racismo defendem que essa medida poderá provocar a ocorrência de casos como o de Genivaldo com mais frequência. As comissões revogadas agiam para educar os agentes e não apenas para fiscalização.
No último dia 21, o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) divulgou que 63% das abordagens policiais no Brasil tem pessoas negras como alvo, a mesma cor de Genivaldo, e nem todas acabam bem. Exatamente como a dele.
Relembre o caso:
Parado na Estrada – Genivaldo Jesus dos Santos, 38 anos, pilotava sua moto, na quarta-feira, 25, quando foi abordado por três agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF), na BR-101, na altura da cidade de Umbaúba, no litoral de Sergipe. Segundo a família da vítima, ele atendeu todos os pedidos dos agentes federais durante a inspeção;
Remédios – Ainda de acordo com a família, Genivaldo tinha problemas mentais e levava remédios para sua condição nos bolsos. Rendido e com as mãos na cabeça, ele foi revistado pelos agentes;
Agredido – Enquanto era revistado, Genivaldo levou empurrões e chutes na cabeça, foi deitado no chão com um dos agentes colocando o joelho em seu pescoço e teve as mãos e os pés amarrados. Após ser agredido, Genivaldo, totalmente imobilizado, foi colocado dentro da viatura da PRF e, de acordo com um sobrinho da vítima, os agentes jogaram a bomba de gás lacrimogênio dentro do carro. Ele morreu por asfixia e insuficiência respiratória.
Nazistas já usaram caminhões de gás
O uso de gás para matar ‘indesejáveis’ foi prática corriqueira durante a II Guerra Mundial, adotada pelos nazistas ainda no começo do conflito, em 1939, para eliminar doentes crônicos ou pacientes de manicômios.
A partir de 1941, quando o III Reich adotou a chamada ‘Solução Final’, o nome dado à política nazista de exterminar todos os judeus da Europa, o gás passou a ser usado também para matar essa população nos países invadidos.
Antes de construir as câmaras de gás dos campos de concentração, no entanto, os oficiais de Hitler usavam caminhões e dióxido de carbono. Eles trancavam os judeus nas carrocerias hermeticamente fechadas e ligavam o escapamento para asfixiá-los.