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Dois lados de um bloco: a união das ‘famílias’ e o tumulto nas Muquiranas

Jato d’água para todo lado, armas de brinquedo apontadas para cima, confusão e assédio. Um resumo curto do que muitos pensam, de primeira, ao ouvirem o nome do bloco As Muquiranas. Curto e justo, se considerarmos a aparição das ‘Muqui’ no Carnaval deste ano e nos anteriores. Porém, apesar de certeiro, o resumo não é único. Há quem curta de boa no bloco enquanto outros aprontam.

E parece até que o nível de sossego dos foliões é proporcional a distância do trio. No sábado e na segunda-feira, quando o bloco saiu no Circuito Osmar (Campo Grande), ao som de Pagodart e, depois, com o Psirico, quem estava mais distante das cordas curtia sem aquela agonia tradicional e as interações forçadas.

Rodrigo Sampaio, 46, que sai há 20 anos no bloco, não titubeia ao decretar que se trata do “melhor bloco do Carnaval de Salvador”. ‘Armado’ com sua pistola d’água e rodeado de amigos, ele brinca em um ritmo diferente. Tiro? Só em quem está com ele. Toque? Apenas em quem o conhece. “As Muquiranas são uma família, e festa que nem essa ninguém faz. Olha para isso aqui!”, apontando para a rua lotada de foliões.

“A gente dá tiro d’água, brinca e joga até essas tintas aí em quem quer fazer isso. Tô com meus amigos, gente que sai comigo há anos e é a melhor interação possível porque a energia bate muito. Eu venho para cá encontrar e curtir com as mesmas pessoas todo ano, como uma família mesmo”, afirma ele.

Uma postura que não se repete muito em outros integrantes do bloco. Mais próximos do trio e das cordas, ‘a banda toca diferente’ para os foliões das Muquiranas. Tanto é que, antes mesmo que estes se aproximem, já tem gente saindo de perto para evitar incômodos. “É Muquiranas aí, é? Eu que não vou ficar”, falou uma senhora ao se deparar com a concentração do bloco, que, neste ano, veio com o tema ‘As Doutoras da Alegria’, em homenagem aos profissionais de saúde.

Banho
Apesar de fazer uma festa como poucos blocos conseguem, alguns integrantes, mais uma vez, protagonizaram cenas de desrespeito. “Não respeitam ninguém, nem adianta pedir para não jogar água. Eu tô com uma criança, disse que ele não podia ficar recebendo água assim. Adiantou de nada”, contou Joseli Santana, 35 anos, que estava com o afilhado no Circuito Osmar e recebeu um banho de ao menos cinco foliões.

Como ela, muitas outras mulheres na rua, nos camarotes, em outros trios e até na janela de casa foram alvos dos insistentes disparos d’água, mesmo que pedissem para que não jogassem o líquido. A ação contra as mulheres foi repreendida pelo cantor Flavinho, que comandava a folia com o Pagodart no sábado. “Se ela disser não, é não. Respeite e parta a mil”, pediu ele.

Ao comentar o problema, o folião Gabriel de Souza, 31, disse que alguns dos integrantes não sabem curtir da forma correta. “Tem uma galera nova que chegou aí e não sabe o que é ser Muquiranas. Não se brinca com quem não quer brincar, tem que ter respeito pelas mulheres e por todos. Curtir sem prejudicar ninguém”, ponderou.

Quem não prejudicou ninguém foi Alecsandro Ramos, que caminhou de leve o percurso inteiro para integrar o filho de 6 anos ao bloco. “Trouxe para conhecer o que é o bloco e entrar na tradição de sair com ‘As Muquiranas’ todo ano.” Ele não foi o único: algumas ‘Muquis’ foram para a avenida acompanhadas de filhos pequenos. Por precaução, todos vistos pela reportagem curtiam na frente do trio, afastados das cordas e do movimento pesado.

Aperto e muvuca: a passagem do bloco na avenida (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO)

Os foliões do fluxo mais forte, colado no trio, não economizavam na bagunça tanto dentro como fora do bloco. Enquanto seguiam, eles foram para as laterais da avenida e subiram em portões, portarias de prédio, cabines de caminhões, banheiros e até em pontos de ônibus.

Um deles foi advertido pelo cantor Flavinho, de cima do trio, por conta do perigo que representava para as pessoas que estavam embaixo. “Desça daí rapaz, não vai aguentar você. Todo mundo que está embaixo sai para não se machucar”, pediu o cantor.

Essa não foi a única vez que ele precisou parar de cantar para repreender excessos causados por quem acompanhava o trio.

Equipamentos de som e vídeo da banda estavam sendo alvos constante dos jato d’água. “Estamos voltando de dois anos sem Carnaval. Se joga água no material de som e imagem, queima e acaba nossa festa. Vou pedir a compreensão de vocês todos para nós curtirmos na boa”, voltou a alertar Flavinho.

Se não faltou bagunça, o que não se viu foi briga. Nos dois dias em que a reportagem acompanhou o bloco, não houve qualquer confronto físico entre os foliões. No máximo, uma discussão curta por um empurrão ou outro. Em geral, As Muquiranas seguiram na paz, sem quebra-quebra com quem estava dentro do bloco e muito menos com os que estavam do lado de fora, como os demais foliões, ambulantes e outros trabalhadores.

Homenagem
Quem viu o bloco na rua este ano percebeu uma onda rosa na fantasia. Com coletes, boinas brancas com a cruz vermelha e até estetoscópios como acessórios, os foliões homenagearam os profissionais da saúde que trabalharam durante a pandemia da covid-19.

Na rua, quem comentou a fantasia fez questão de ressaltar que se tratava de um gesto positivo e não deboche. “Falam que a gente tá tirando onda, mas isso aqui é uma homenagem a quem fez com que essa festa fosse possível. Uma forma de agradecer pelos serviços prestados”, opinou um folião, sem querer se identificar.

Questionado se a fantasia não sexualiza a profissão, ele respondeu que As Muquiranas não estão imitando os profissionais de saúde. “A roupa curta, a saia e tudo mais aqui são da Barbie do nosso bloco. Somos sempre esse personagem, que, dessa vez, está homenageando os profissionais de saúde. Aqui não é uma imitação deles porque é claro que eles não se vestem assim”, afirma ele. 

O Correio Folia tem patrocínio da Clínica Delfin, apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador e apoio da Jotagê e AJL

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