O pós-enchente no Rio Grande do Sul tem sido dramático para os animais sobreviventes do desastre ambiental. Protetores e ativistas que atuaram por meses nos resgates de pets, nas cidades atingidas, apontam redução brusca das adoções e aumento significativo de cães e gatos abandonados nas ruas.
Passada a comoção diante da tragédia vivida pelos gaúchos, a fase atual é de reestruturação, mas a situação dos animais inspira certa urgência. A plataforma on-line do governo do estado, que atualiza os números de pets nos abrigos, apontava nessa quinta-feira (25/7) um total de 8.390, sendo 7.282 cachorros e mais de 1 mil gatos.
A situação coincide, ainda, com um momento em que o número de voluntários atuantes no Rio Grande do Sul também reduziu e os abrigos independentes, que persistem sem auxílio do poder público, se desdobram para corresponder à demanda, que segue alta.
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Trabalho de resgate das protetoras de animais, durante as enchentes no Rio Grande do Sul
Foto: Mari Maria Ramos
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Protetora ao lado de câes resgatados durante a enchente
Foto cedida por Maria Maria Ramos
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Mari Maria Ramos, de Eldorado do Sul, durante trabalho de resgate
Foto: Arquivo Pessoal
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Cães que aguardam para adoção ou identificação de tutores nos abrigos
Foto: Ana Paula Schmitt
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ONG de Ana Paula Schmitt, em São Leopoldo (RS), está com mais de 40 gatos
Foto: Ana Paula Schmitt
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Cachorro resgatado pela ONG Pata Santa, de São Leopoldo
Foto: Ana Paula Schmitt
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Cães na Associação Anjos de 4 Patas
Foto: Eliane Radaelli
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Cachorro resgatado pela ONG Pata Santa, de São Leopoldo
Foto: Ana Paula Schmitt
“Situação muito precária” Há 20 anos atuando na causa animal, Ana Paula Schmitt, da ONG Pata Santa, de São Leopoldo (RS), mais do que dobrou a quantidade de animais sob sua tutela, após a enchente. “Antes, eu estava com 70, agora estou com 170”, revela Ana, que ficou dois meses percorrendo a região de barco, resgatando animais sobreviventes.
“Começava todo os dias às 6h30 e ia até as 18h. Atuei em bairros muito pobres, alguns com presença de facções criminosas. Tive de combinar com as facções para entrar e fazer os resgates dos bichos. Ao todo, só em São Leopoldo, buscamos cerca de 1,8 mil animais, e não tínhamos abrigo para isso tudo. Era uma quantidade absurda. A cada hora, chegavam em torno de 50 a 60 animais no abrigo improvisado. Era cachorro, gato, cavalo, porco, cabrito, passarinho…”, conta Ana Paula.
Hoje, quase três meses após o desastre ambiental, a situação segue precária, segundo ela. “É a pior parte. No pós-enchente, está rolando de não ter onde colocar os animais. As ajudas financeiras pararam e as adoções estão muito mais difíceis. Só este mês, fizemos 300 castrações, com dinheiro de doação, mas os problemas não param. Tem muito animal nas ruas, cadela parindo, cachorro com tumor, ferido, atropelado…”, diz.
Dos animais resgatados na enchente, Ana Paula está com 50 cães adultos, 34 filhotes e 40 gatos, além dos mais de 70 cachorros que ela já tinha na ONG antes do desastre ambiental. Fora isso, segundo ela, existe uma fila de espera de mais de 20 animais que estão abandonados nas ruas e que não são recolhidos pelo canil municipal.
Baixo interesse por cães pretos, caramelos e velhos Os animais restantes nos abrigos são, justamente, aqueles que geram pouco interesse em quem se dispõe a adotar. As protetoras revelam um cenário de preconceito e predileção estética, até mesmo, na hora de escolher um pet.
Entre os que lotam os abrigos, a maioria é de cachorros pretos, caramelos, velhos ou com algum problema de comportamento, ou seja, aqueles que não são adotados rapidamente.
“O que restou, agora, são os que não foram escolhidos. As pessoas querem cachorros brancos e pequenos. Postei na internet dois bebês pretinhos, de 45 dias, mas ninguém quis. Depois, postei um branquinho de olho claro e recebi 40 pedidos de adoção”, conta Ana Paula.
A sensação das protetoras é que a capacidade de adoção de animais no Rio Grande do Sul atingiu o limite, até mesmo porque muitas famílias atingidas pelas enchentes ainda tentam se reestruturar e sequer conseguiram voltar para casa.
“Dos animais que restaram nos abrigos e que têm tutores identificados, a gente já imagina que eles não serão resgatados mais”, aponta Eliane Radaelli, secretária da Associação Anjos de 4 Patas, que fica na cidade de Guaíba, na região metropolitana de Porto Alegre.
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Cães pretos e caramelos à espera de adoção na Associação Anjos de 4 Patas, em Guaíba, no Rio Grande do Sul
Foto: Eliane Radaelli
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Cães pretos e caramelos à espera de adoção na Associação Anjos de 4 Patas, em Guaíba, no Rio Grande do Sul
Foto: Eliane Radaelli
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Cães pretos e caramelos à espera de adoção na Associação Anjos de 4 Patas, em Guaíba, no Rio Grande do Sul
Foto: Eliane Radaelli
Solução: feiras de adoção em outros estados A solução encontrada nesse momento tem sido enviar parte dos animais para feiras de pet em outros estados. O governo do Rio Grande do Sul chegou a discutir a possibilidade de criar um benefício financeiro para incentivar a adoação, mas os abrigos e protetores foram contra, pois nada garantiria que seria uma adoção responsável ou que o dinheiro seria utilizado na recuperação dos bichos.
Em parceria com o Exército e a Força Aérea Brasileira (FAB), o governo gaúcho está levando cães para feiras de adoção em locais como Rio de Janeiro e São Paulo, numa campanha que possui o seguinte mote: “Adote um Pet Gauchinho”. Os abrigos independentes também têm optado por essa alternativa, de maneira autônoma.
Enquanto o processo segue lento, os protetores clamam por uma campanha massiva de castração. Caso contrário, a tendência é aumentar a quantidade de pets e ninhadas nas ruas das cidades atingidas pelas enchentes. “Seria muito importante fazer um mutirão de castração. Hoje é muito difícil para os abrigos custearem isso”, diz Mari Maria Ramos, do grupo S.O.S. Animais da Ilha, de Eldorado do Sul.