Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a ministra Cármen Lúcia pautou a urgência em defender os regimes democráticos e os principais desafios impostos aos países da América Latina durante o Seminário Internacional “O Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul: relevância e perspectivas”, nesta sexta-feira (8), em Brasília.
Em sua fala, a ministra destacou a questão climática, a criminalidade transnacional organizada e a desinformação como fatos que se impõem como fortes ameaças ao princípio democrático e à própria humanidade.
Ao destacar que o ano de 2024 foi aquele com o maior número de eleições em todo o mundo, Cármen Lúcia indicou um cenário contraditório. “O que nós temos é um mundo com muitas eleições, mas com riscos democráticos efetivos pelo populismo demagógico e principalmente, um populismo que avança em termos de desinformação a contaminar as liberdades. Portanto, poderia parecer mesmo que se nós temos eleições, seguramente teríamos democracia, se mostra que é preciso um processo eleitoral democrático em todos os lugares”, pontuou.
Para mudar tal cenário, a presidente do TSE falou do princípio da fraternidade como ferramenta para assegurar a integração entre os países do Mercosul. Ainda citou a possibilidade da estruturação das democracias como um elo entre os Estados da região. “A história latinoamericana nos aproxima pelas atrocidades e é preciso que a gente construa, e o próprio Mercosul foi uma tentativa de nos reconstruirmos com um fraternidade que faz com que o sangue seja mesmo um elo de humanidade entre nós permanentemente”, disse.
“Neste sentido nós temos nas democracias latinoamericanos desafios enormes, a começar porque o nosso país, o Brasil, que é o mais extenso em termos territoriais e com um poder vigorosíssimo nesse espaço, teve um processo de colonização completamente diferente dos demais Estados latinoamericanos”, continuou. “O desafio da democracia de forma integrada é realmente uma invenção política que se impõe de forma racional, objetiva a partir de proposições constitucionais ou de normas constitucionais”, frisou.
Para combater o retorno de regimes ditatoriais, Cármen Lúcia defendeu a ideia da construção de uma cultura democrática a partir de processos eleitorais eficientes como o que ocorre no Brasil.
“Este é um exemplo de Brasil que dá certo e não é nem porque eu estou lá, porque o ministro Gilmar esteve e que antes de mim esteve o ministro Alexandre de Moraes, e antes o ministro Fachin e a ministra Rosa, porque não é nenhum de nós que faz eleição nenhuma. Eleição é um processo no qual há registro de candidatos, há uma campanha dos candidatos voltada ao eleitorado, o eleitorado é que faz a eleição e apenas nós, servidores da Justiça Eleitoral, apuramos, totalizamos e proclamamos, ponto. Isto é a democracia, a parte da democracia que realmente tem funcionado e cuja experiência, que vem de um trabalho feito de muito tempo com a sociedade porque a urna não foi criada dentro de um só gabinete”.
“Portanto, o processo eleitoral brasileiro, a partir de uma cultura eleitoral brasileira que se tem, pode ser um dado que no Mercosul ajude não apenas o compartilhamento das experiências, das boas práticas, mas, principalmente, a partir da adaptação que cada um faz em respeito à soberania nacional, mas com vistas a essa integração”, reforçou.
Na visão da ministra, a ditadura “é um vírus perigoso que pode contaminar instituições e destruir, e adoecer até as sociedades”, porém a “democracia também pega”. “Quando o vento da democracia sopra em geral nós temos pelo menos um respiro para reconstruir a sociedade em novas bases e em bases nas quais as liberdades sejam devidamente asseguradas”, analisou.
Na fala de Cármen Lúcia ainda teve espaço para falar sobre o ambiente virtual, quando a ministra teceu crítica ao uso das redes sociais e demais ferramentas digitais para atacar a liberdade individual e da humanidade, e propagar fake news. “Algoritmo tem dono, algoritmo sabe de onde vem, sabe para onde vai e principalmente sane atropelar cidades inteiras no sentido da destruição das liberdades”, indicou.
“A desinformação faz que a gente não entenda como ele entra, as telinhas dominam todos os olhares e de repente nós temos uma sociedade na qual a democracia é carcomida como cupim que a gente nunca vê. Mas neste caso ele entra pelos olhos de todos nós”, ilustrou.
Mais um ponto tocado pela presidente do TSE foi a violência política de gênero, que segundo a ministra, infelizmente, não é uma exclusividade do Brasil e nas eleições deste ano foram inúmeros os relatos nos mais diversos países da América Latina. “É preciso que isso seja superado, porque nós não podemos ter saído da idade média para a idade mídia e voltar a uma idade média mídia. Isto realmente é inaceitável, porque é um retrocesso total”.