Nesta terça-feira (21), foi celebrado, pela primeira vez, o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, instituído pela Lei 14.519/23. Por isso, o terreiro Ilê Oba L’Okê, em Lauro de Freitas, região metropolitana de Salvador (RMS), promoveu, o 1º Café das Nações, um encontro entre representantes de diversas religiões. Além do café da manhã, cânticos e danças deram tom à ocasião.
Fizeram parte da programação, ainda, uma caminhada pelo município e um evento na reitoria da Universidade Federal da Bahia (Ufba), em Salvador. “Esse primeiro momento teve o objetivo de reunir as pessoas e membros do governo, pra falar o quanto essa data é importante pra gente e sensibilizá-los, pra nos ajudar a pensar políticas públicas”, explicou o antropólogo Vilson Caetano, babalorixá do Ilê Oba L’Okê.
Sancionada em janeiro, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a legislação visa celebrar a diversidade religiosa existente no Brasil e prestigiar os valores constitucionais de liberdade e inviolabilidade de crença, de credo e de seu exercício, estimulando, assim, o combate ao racismo religioso. “Embora nós falemos que o racismo é algo que atinge, de maneira geral, a população negra, nós homens e mulheres negros participantes das religiões de matriz africana somos duplamente fragilizados”, acrescentou o babalorixá.
Integrante do Acé Jitolu, localizado no bairro do Curuzu, Hildelice Benta, mais conhecida como Doné Hildelice, é candomblecista há quase metade de seus 62 anos. Ela, que tem na religião uma herança de família, considera a celebração do Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé uma conquista. “Estou muito feliz. É mais uma vitória pra gente que é adepto das religiões de matriz africana. Que venham mais por aí”, disse.
Sacerdote do centro umbandista Paz e Justiça, no Luís Anselmo, há 28 anos, Pai Raimundo de Xangô ressaltou que, na ocasião, devem ser celebradas todas as religiões de matriz africana, e não só o candomblé. “Essa lei veio pra bater o carimbo de que nós existimos e merecemos respeito, assim como nós respeitamos a todas as outras religiões”, afirmou ele, que é membro do Conselho Inter-religioso da Bahia.
A mensagem do umbandista é compartilhada por outro integrante do conselho, o padre Lázaro Muniz, da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Apesar de ser católico, ele também marcou presença no encontro. “Para a Igreja Católica, nós entendemos que cada religião precisa ter o seu espaço. […] Uma pessoa não é minha inimiga porque pertence a outra religião”, destacou Muniz. “Cada religião precisa ser respeitada, e não tolerada. Vamos romper com a ideia de tolerância”, defendeu o cristão.
A primeira-dama da Bahia, Tatiana Velloso, esteve no encontro. Para ela, o momento simbolizou não só a celebração das religiões de matriz africana mas também a importância de combater o racismo decorrente do período da colonização. “Isso não é passado; é presente e é materializado nas violências e nas violações de direitos”, declarou Velloso, presenteada com uma joia de crioula e uma imagem de Iemanjá em metal.
Racismo religioso em números
Dados oficiais da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, mostram que, apenas em 2021, das 571 denúncias de violação à manifestação da fé de diversas religiões, mais da metade estavam relacionadas às de matriz africana.
Outro dado vem do Relatório da Rede Nacional de Religiões Afro-brasileiras e Saúde (Renafro), ‘Respeite O Meu Terreiro’: dos 255 líderes religiosos em todo o território nacional entrevistados, cerca de 99% afirmaram já ter sofrido algum tipo de ofensa.
Escolha da data
Originalmente, o projeto previa a comemoração no dia 30 de setembro. A data foi alterada para 21 de março por sugestão do senador Paulo Paim (PT-RS), para coincidir com o marco escolhido pelas Nações Unidas para instalar uma rede intercontinental de conscientização pelo Dia Internacional Contra a Discriminação Racial.
Essa data, por sua vez, remete ao Massacre de Sharpeville, na África do Sul, em 1960. Na ocasião, 20 mil pessoas protestaram contra a Lei do Passe, que obrigava a população negra a portar um cartão que continha os locais onde era permitida sua circulação. O protestou resultou em 69 mortos e 186 feridos.