A vontade de ser mãe era antiga, mas a sensação era de que ainda não era o momento. A advogada Camila Trabuco, 38, se questionava sobre como conciliaria os cuidados com uma criança e a carreira. Já a publicitária e digital influencer Cris Rocon, 38, vinha de tentativas de engravidar sem sucesso. Por sua vez, a psicoterapeuta Lorena Muniz, 33, sente que não está totalmente certa de que não quer ter filhos.
Em diferentes momentos da vida, cada uma dessas mulheres tomou a mesma decisão: congelar óvulos para uma eventual gestação no futuro. Camila fez o procedimento há poucos meses, enquanto Cris decidiu quando ainda tinha 23 anos. Lorena já fez orçamentos e ainda se prepara para começar o processo.
“Fui deixando o projeto da maternidade para depois e priorizando minha carreira. Acontece que nós mulheres temos questões que envolvem o aspecto hormonal, de qualidade de óvulos”, diz Camila, que também tem um diagnóstico de endometriose. “Eu queria ter a oportunidade de gerar meu próprio filho ou filha e, por isso, sabia que queria um caminho que me permitiria buscar isso com óvulos de qualidade”, acrescenta.
Nos últimos anos, a busca pelo congelamento só aumentou. De 2020 para 2021, o número de ciclos (coletas) de óvulos para congelamento passou de 8,3 mil para 12,7 mil em todo o Brasil – um aumento de 53%, de acordo com o 14° Relatório do Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio), divulgado esta semana pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Em Salvador, a tendência é a mesma. Desde o começo da pandemia, em algumas clínicas, a demanda chegou a quase dobrar, em relação ao período anterior. Para a ginecologista Sofia Andrade, especialista em reprodução humana e professora do curso de Medicina da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), mais mulheres estão conscientes que a vida social e profissional mudou a forma de ver a própria idade.
“A gente está com 40 anos e se sentindo super jovem, ativa, no auge da carreira profissional. Antes, já existia esse foco (no trabalho), mas não existia a consciência de que o ovário não acompanhava isso. Nosso ovário tem um relógio biológico que não acompanha o relógio da sociedade”, explica ela, que é médica das clínicas Cenafert e Insemina.
À medida que a idade avança, tanto a qualidade quanto a quantidade de óvulos vai diminuindo. Aos 35 anos, por exemplo, cerca de 50% dos óvulos já foram alterados geneticamente e não vão ser capazes de gerar uma gestação. Além disso, na hora da divisão celular para a formação do embrião, as chances de ocorrer erros que levam à síndromes ou a má formação também crescem.
Idade
Mas quando é o melhor momento para congelar óvulos? Existem alguns cenários que podem indicar melhores momentos para passar pelo processo. Uma das recomendações dos médicos é quando uma paciente tem entre 30 e 35 anos e não tem perspectiva de uma gestação próxima.
É nestes casos que a maioria dos profissionais têm percebido aumento da demanda. Na IVI Salvador, que existe há 12 anos, a diretora médica Genevieve Coelho conta que essa busca se intensificou, principalmente, nos últimos quatro anos. “Como a mulher tem um papel cada vez maior no mercado de trabalho, quer se livrar do fardo de ter que decidir entre a maternidade ou o trabalho”, diz.
A própria médica conta que passou por isso: foi morar fora do país aos 29 anos e voltou quando já tinha 34. Naquele momento, decidiu pelo trabalho e congelou os óvulos.
“Fui mãe depois dos 35. Sei o que é isso na pele. Quando falo com minha paciente, falo me colocando no lugar dela. Todas nós que somos mulheres ativas no mercado de trabalho, com aspirações profissionais, devemos pensar seriamente”, reforça.
Há outras indicações como a de pacientes que tiveram o diagnóstico de câncer ou de pacientes com quadros de endometriose ou problemas ovarianos. No caso de pacientes oncológicas, a idade não importa tanto, porque considera-se que a radioterapia e quimioterapia são tratamentos que podem potencialmente afetar o status reprodutivo.
“Ela pode ter 16 anos, 24 anos ou 38. Se ela não teve filhos ou teve e gostaria de ter mais, antes de iniciar o tratamento oncológico, pode fazer o congelamento”, explica a ginecologista Sofia Andrade.
Não há idade limite para fazer o congelamento. Porém, numa paciente de 41 anos, por exemplo, a taxa de sucesso da mesma quantidade de óvulos de uma com menos de 35 cai para 45%. “Tem muitas pacientes de 40, 41 anos que já não têm nem cinco, dez folículos. Tem que pesar o risco e o custo benefício, então a paciente vai fazer essa escolha”, completa Sofia.
Acesso
Para a advogada Camila Trabuco, pesaram dois fatores – além da idade, o quadro de endometriose. Ela acredita que optar pelo congelamento foi uma decisão para que se sentisse “em paz” com a maternidade, sem se preocupar tanto com o limite etário do corpo.
Como o tema ainda é desconhecido de muita gente, mesmo na família, houve quem não entendesse bem. A avó, que tem 82 anos, ficou preocupada: significaria que a neta seria mãe solteira? “Uma das perguntas que considero mais forte foi que, se eu tivesse um filho por inseminação de doador anônimo e o filho me perguntasse quem era o pai, o que eu ia responder. Eu prontamente respondi que seria o amor o grande pai daquela criança”, conta.
A advogada Camila Trabuco fez o congelamento de óvulos este ano e se sente “em paz” com a maternidade (Foto: Acervo pessoal) |
Camila acredita que essa autonomia é uma revolução para a vida de muitas mulheres. Ela lamenta, porém, que ainda seja um procedimento pouco acessível para muitas.
“O Judiciário, através de liminar, já deferiu algumas medidas judiciais em relação à possibilidade de congelamento de óvulos pelo plano, todavia em casos que tem justificativa legal para isso, como de uma pessoa com câncer ou com infertilidade. Mas tivemos, recentemente, muitas alterações com relação à cobertura dos planos de saúde”, pondera.
Em junho, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou que o rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde (ANS) é taxativo, o que significa que as operadoras de saúde não estão obrigadas a cobrir tratamentos não previstos nesta lista. Também não há opções pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Hoje, o congelamento de óvulos fica em torno de R$ 10 mil a R$ 17 mil, em média. No entanto, algumas clínicas contam com programas de redução de custo. Há desde possibilidades como descontos de até 30% para pacientes sem condições financeiras até casos em que é possível fazer doação de parte dos óvulos para casais que não conseguem engravidar por óvulos próprios. Assim, em alguns centros, o valor final pode ficar em torno de R$ 5 mil e R$ 6 mil.
Há opções de parcelamento. Fora isso, há uma taxa de manutenção anual, que é uma espécie de ‘aluguel’. Para manter os óvulos, as pacientes pagam cerca de mil reais por ano enquanto quiserem mantê-los congelados.
Reserva
Outra indicação é das pacientes que têm reserva ovariana baixa. Quanto mais jovem uma mulher, maior o número de óvulos. Isso acontece porque mulheres já nascem com todos os óvulos que terão ao longo da vida. A cada mês, cerca de mil óvulos são perdidos, já que apenas um único é selecionado para a ovulação mensal.
O congelamento tenta aproveitar alguns desses que seriam desprezados naquele mês. É possível medir a reserva ovariana de uma mulher através de exames como o anti-mulleriano (a partir de coleta de sangue) ou de um ultrassom transvaginal para contagem de folículos.
Por isso, a médica Genevieve Coelho recomenda que todas as mulheres façam uma consulta de aconselhamento reprodutivo a partir dos 30 anos. Ela costuma, inclusive, ministrar cursos a médicos ginecologistas para que tenham esse olhar mais cuidadoso com as pacientes mais jovens.
“Tem mulheres que já têm uma reserva ovariana mais baixa a partir dos 30 anos, mas o grande problema da ginecologia tradicional é que muitos só começaram a abrir o olho para essa área agora. Muitas mulheres vão ao ginecologista e, lá, o médico nem toca no assunto. Não pergunta se tem filhos ou se quer ter filhos, embora tenha alguns ginecologistas que sejam totalmente à frente”, pondera.
Não é incomum que ela receba pacientes de 37 ou 38 anos no consultório que apenas nesta idade estão pensando sobre isso. “Elas estão chegando agora porque tiveram a informação de forma tardia e, às vezes, as jovens de 32, 22, ainda não pensam sobre esse assunto. Entendo que algumas estão começando a carreira e acabam não dando a prioridade financeira por não ter o recurso para investir. Mas não é uma coisa tão cara”, pondera. Na IVI Salvador, especificamente, o custo é do congelamento é de R$ 7,9 mil, enquanto as medicações variam de R$ 2 mil a R$ 4 mil.
Técnica
Na verdade, o congelamento é uma vitrificação, em que os óvulos ficam como ‘vidro’, mas em nitrogênio líquido e congelados em um contêiner. Essa técnica começou em 2006 e chegou ao Brasil entre 2009 e 2010. “Existia a tecnologia, mas os resultados eram ruins, porque os óvulos não sobreviviam. Com a vitrificação, conseguimos a sobrevivência de até 95% dos óvulos. O grande segredo é descongelar e, com essa técnica, a gente tem segurança”, explica Genevieve.
A captação dos óvulos, em si, acontece em um único dia. A paciente fica sedada e tudo leva em torno de 20 a 30 minutos. A preparação, porém, começa antes – em geral, logo quando a paciente menstrua. Após uma avaliação do ciclo por ultrassom, ela começa a receber medicações subcutâneas que usam hormônios já produzidos pelo corpo, mas em doses maiores.
Depois de 10 a 12 dias, a maioria delas entra no período fértil, que é quando os folículos já estão maiores e volumosos. Neste momento, considera-se que os óvulos já estão maduros o suficiente para serem coletados.
“O procedimento acontece no centro cirúrgico, com a paciente sedada. Não precisa de intubação, não dói. É só uma sedação para ela dormir, como numa endoscopia digestiva”, afirma a ginecologista Sofia Andrade.
É como um ultrassom transvaginal, mas, no equipamento, fica uma espécie de agulha que dá acesso aos ovários. Ela vai puncionando os folículos e aspira o conteúdo líquido dos ovários. O conteúdo líquido é, então, aspirado dos ovários. Em tubos de ensaio, esse líquido é encaminhado ao laboratório, onde um profissional chamado embriologista vai contar quantos óvulos estão ali.
Esse total – quantos óvulos serão coletados – vai depender de cada paciente, mas o cenário ideal é sempre de ter o máximo possível para coleta. Ainda assim, pesquisas ajudam a ter uma noção de alguns cenários ideais para a média. “Quando eu tenho uma paciente de 30 a 34 anos, que diria que é a paciente exemplar, se ela congelar em torno de 20 a 30 óvulos, vai ter uma taxa de sucesso média de 75% de gestação através daqueles óvulos”, explica.
O ideal, nessas pacientes, é tentar preservar pelo menos de 11 a 15 óvulos. Mesmo nos melhores cenários, uma taxa de sucesso de 100% de chance de gravidez é impossível.
Limite
Uma vez congelados, esses óvulos podem ser utilizados até os 50 anos – que é a idade limite, segundo a legislação brasileira -, por fertilização in vitro. No dia em que eles forem descongelados, o homem – que pode ser um parceiro ou um doador – irá à clínica para uma coleta de sêmen. Dessa amostra, serão selecionados os melhores espermatozóides para serem inseminados naqueles óvulos.
Após cinco dias, os que tiverem se desenvolvido para se tornar embriões podem ser selecionados para ir ao útero. Se, ao final, houver cinco embriões, a paciente vai decidir, com a equipe médica, quantos vai receber.
Uma mulher com menos de 38 anos pode receber até dois embriões, enquanto uma com mais de 38 anos pode receber até três. “Mas a recomendação médica é de um por vez, porque é o menor risco. Os embriões excedentes vão ficar congelados e podem ficar por tempo indeterminado. Transferir para o útero é mais tranquilo, às vezes não precisa nem usar hormônio”, completa Sofia.
Como as médicas reforçam, nada disso quer dizer que a paciente seja obrigada a engravidar – nem que precisam ter uma gestação fruto de fertilização in vitro. Esse foi o caso da publicitária e digital influencer Cris Rocon, 38, que deu à luz à pequena Iany no ano passado, em uma gestação natural, mais de dez anos depois de ter congelado os óvulos.
Quando decidiu fazer o congelamento, aos 23 anos, ela estava casada havia três anos e não tinha conseguido engravidar depois de algumas tentativas. Começou o tratamento na clínica de reprodução assistida e chegou a fazer três tentativas de fertilização in vitro que também prosperaram. “Na última tentativa, eu optei por congelar metade dos óvulos coletados. Naquela época, não se falava muito sobre isso, e mesmo assim eu decidi congelar”, lembra.
Cris se separou pouco após as tentativas de engravidar, mas sentia que o fato de ter congelado os óvulos lhe dava segurança e liberdade.
“Eu nunca ficava buscando um pai para ter um filho. Eu aproveitei a minha vida, viajei muito, fiz a minha carreira. Não fiquei presa a limitação de idade”.
Até que, em 2020, em meio à pandemia, ela engravidou. “Eu engravidei naturalmente, como eu sempre soube que eu poderia engravidar. Sou mãe solo, mas foi por vias naturais”, explica Cris, que ainda mantém ainda hoje nove óvulos congelados.
A publicitária sabe da possibilidade de engravidar novamente até os 50 anos, mas não pensa nisso por enquanto. Se acontecer, porém, será com os óvulos que estão congelados.
“Realmente, as pessoas não sabem. Acham que precisam gastar fortunas e não é isso. Fazer a punção dos óvulos e congelar é um valor muito menor pelo que vale a nossa liberdade, a nossa paz”, acrescenta.
Ter mais opções foi o que motivou a psicoterapeuta Lorena Muniz, 33, a pensar no congelamento quando completou 30 anos. “Penso que seja uma boa opção porque eu não estou 100% certa de que não quero ter filhos, então o congelamento me dá a possibilidade de fazê-lo caso no futuro eu decida que é o que desejo”, explica.
Ela já fez orçamentos e se programa para passar pelo procedimento em dois ou três anos. Por enquanto, só pensa em engravidar a partir dos 40 anos. “Tem a questão de como a questão do congelamento de óvulos é trazida para a mulher. Não é de maneira leve, como uma opção que ela tem dentre tantas. Acaba sendo de uma maneira super opressora, que coloca na mulher uma tarja de prazo de validade e faz ela sentir que se ela não congelar os óvulos ‘a tempo’, irá se arrepender para o resto da vida”, critica.
Disponibilidade
Escolher passar por um congelamento, no fim, exige disponibilidade não apenas física, mas também psíquica, como explica a psicóloga Maria Clara Brandão, que desenvolve grupos terapêuticos para gestantes.
“É importante que toda mulher ao se submeter a esse procedimento procure um profissional experiente e que a acolha. Muitas dúvidas surgem nesse momento e é necessário o fornecimento de orientações claras, capaz de conscientizar a paciente de todo o processo que envolve essa decisão”, opina.
Para ela, a possibilidade de engravidar até os 50 anos envolve formas de ressignificar a maternidade que passam por entender o significado para cada mulher. Ela defende a desconstrução da ideia de uma maternidade juvenil.
“Outra ferramenta para auxiliar essas mulheres a ressignificarem, é apresentar outras pessoas com histórias semelhantes para aproximar essas realidades, promovendo assim uma identificação”.
O cenário em que elas também não teriam filhos também deve ser considerado, na avaliação da psicóloga Anna Victória Magalhães. Muitas vezes, imaginar o abstrato pode gerar emoções ambíguas.
“A melhor forma de se preparar nesse momento, é considerar a presença dos sentimentos envolvidos, medos, anseios etc. Indica-se acompanhamento psicoterápico onde haverá uma escuta ativa com o objetivo, também, em acolher essas emoções”.