Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
O sistema de inteligência é chamado de GI2 e é vendido pela Verint 27 de abril de 2024 | 14:53
O Exército comprou uma maleta espiã que permite interceptar ligações, ativar remotamente o microfone de celulares e bloquear comunicações sem a necessidade de autorização judicial para executar as tarefas.
O sistema de inteligência é chamado de GI2 e é vendido pela Verint (atualmente conhecida como Cognyte) como um complemento ao FirstMile -software espião cujo uso ilegal por integrantes da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) é investigado pela Polícia Federal.
Segundo documentos da Verint repassados por um ex-funcionário da empresa à Folha de S.Paulo, a venda casada dos produtos é sugerida a clientes pelo menos desde 2013.
Na época, a empresa usava no lugar do FirstMile outro produto, chamado SkyLock, que possui o mesmo princípio do sistema investigado pela PF -obter acesso à localização aproximada de celulares por meio de brechas nos serviços de telecomunicações.
“Um exemplo disso (uso combinado dos sistemas) é utilizar o SkyLock em conjunto com o ENGAGE GI2 para primeiro identificar a localização de uma célula alvo e, em seguida, usar o GI2 da Verint para identificar a localização precisa desse alvo”, diz trecho do material de divulgação do produto.
O GI2 foi comprado pelo Exército durante a intervenção federal no Rio de Janeiro, no final de 2018. A informação foi relatada pelo vendedor da Verint Caio Santos Cruz, em depoimento à Polícia Federal obtido pela Folha.
Santos Cruz disse ainda que o Exército comprou, no mesmo pacote, os sistemas FirstMile, WebAlert e FaceDetect ao custo de cerca de US$ 10,8 milhões (R$ 56 milhões na cotação atual).
O Exército afirmou, em nota, que a legislação brasileira a impede de comentar assuntos de inteligência. Procurada, a Abin disse que a informação é sigilosa para “preservar capacidades operacionais”.
Em portfólio apresentado a clientes, a Verint detalha as funcionalidades do GI2. Entre elas, estão “localizar com precisão o alvo usando um dispositivo dedicado de busca sem desativar a capacidade de comunicação do alvo” e “extrair as coordenadas GPS do telefone móvel do alvo em redes GSM e UMTS”.
Outras utilidades do equipamento são “ouvir, ler, editar e redirecionar chamadas e mensagens de texto de entrada e saída”, “ativar remotamente o microfone de um telefone móvel”, “identificar a presença de telefones móveis alvo” e “bloquear comunicações celulares para neutralizar IEDs (Dispositivos Explosivos Improvisados, em inglês)”.
A maleta espiã possui um sistema intricado. Na prática, quando o GI2 é acionado, ele passa a funcionar como uma antena de telecomunicação, e todos os celulares em um raio próximo de 1 km se conectam a ela.
Dessa forma, o operador do GI2 consegue aplicar suas funções contra todos os celulares próximos à região em que se encontra.
Uma função do sistema, porém, permite que o operador da maleta espiã selecione um celular-alvo –e, assim, todos os demais telefones voltam a se conectar com a antena mais próxima.
Após definir o celular-alvo, a maleta consegue extrair os dados e acessar remotamente somente os dados do telefone monitorado, permitindo ao operador ouvir ligações e ativar o microfone do aparelho.
O Parlamento Europeu concluiu em 2023 uma investigação sobre a utilização de softwares espiões entre os países-membros da União Europeia. Parte do documento é destinado a relatar as negociações e suspeitas envolvendo as empresas Verint e Cognyte.
O relatório final do inquérito destaca que a empresa vendeu produtos espiões para governos repressivos, como Mianmar, Azerbaijão, Indonésia e Sudão do Sul. “Neste último caso, o Serviço de Segurança Nacional do Sudão do Sul utilizou equipamento de interceptação da Verint contra ativistas dos direitos humanos e jornalistas entre março de 2015 e fevereiro de 2017.”
O documento ainda diz que a tecnologia GI2, da Verint, foi enviada a uma filial da empresa na Polônia para “fins de demonstração”. “A tecnologia GI2 permite acessar um determinado dispositivo e fazer-se passar pelo proprietário e enviar mensagens falsas através desse dispositivo”, completa.
A reportagem procurou a Verint por ligações, emails e mensagens a funcionários da empresa, mas não teve resposta.
Cézar Feitoza e Thaísa Oliveira / Folhapress