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Falta de políticas públicas e de suporte emocional contribuem para aumento de ataques em escola

Mais um caso de ataques em escolas brasileiras ganhou grande repercussão no país. O episódio desta semana aconteceu na segunda-feira, 27, na Escola Estadual Thomazia Montoro, no bairro da Vila Sônia, na Zona Sul da cidade de São Paulo, quando um adolescente de 13 anos invadiu a instituição com uma tesoura e uma faca e atacou professores e colegas. A professora Elisabete Tenreiro, 71, foi morta durante o ataque. Outras três docentes e um aluno foram esfaqueados e encaminhados para unidades de saúde próximas ao local. Uma sexta vítima ficou em estado de choque, mas foi atendida pelos médicos e liberada. O ataque só parou depois que uma professora conseguiu imobilizar o aluno e outra o desarmou. O menor foi apreendido pela polícia logo após o ataque. Por ser um menor de idade, a identidade do autor não foi divulgada. Nas redes sociais, usando um perfil sem seu nome, o responsável pelo ataque antecipou o crime, dizendo que esperou pelo momento por sua “vida inteira” e que desejava conseguir “alguma kill” (morte em inglês). O episódio se junta à lista de ataques recentes a escolas brasileiras. Ao todo, foram contabilizados 13 ataques nos últimos 20 anos, sendo sete entre 2018 e 2023. O mais emblemático foi o massacre de Suzano, quando dois homens, Guilherme Taucci Monteiro, 17, e Luiz Henrique de Castro, 25, invadiram uma escola estadual e mataram oito pessoas, além de deixarem 11 feridos. Os dois também morreram no episódio.

O autor do ataque desta semana, inclusive, utilizava Taucci, sobrenome de um dos responsáveis pelo massacre de Suzano, como seu nickname (apelido, em tradução livre). Em entrevista ao portal da Jovem Pan, Aline Mizutani Gomes, pesquisadora do Núcleo de Estudos de Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), disse que o uso do sobrenome de Taucci não é uma coincidência e que ataques como o de Suzano podem servir como inspiração para outros jovens em fóruns e páginas da deep web. “Não é coincidência. Acredito que, assim como o massacre de Columbine deve repercutir até hoje nesses fóruns da deep web, o mesmo ocorre com o que ocorreu em Suzano, ‘inspirando’ outros adolescentes. Pouco se sabe sobre o que rola nessas comunidades, nas quais não há os freios sociais que poderiam barrar atitudes de apoio à violência e os discursos extremistas”, analisa Aline. A pesquisadora também comenta que os ambientes que fomentam casos de violência são multi-causais e variam de caso para caso, mas reconhece que ambientes “autoritários e violentos”, nos âmbitos escolar e familiar, podem gerar episódios de violência física e psicológica, além de apoio a discursos de ódio. “A violência é um fenômeno multi-causal, mas ambientes autoritários e violentos, tanto em casa como na escola, nos quais os adolescentes não são vistos nem ouvidos em suas necessidades específicas, são tratados de forma agressiva ou negligente, não se sentem acolhidos nem respeitados, tornam-se mais propícios a fomentar atitudes de desconfiança interpessoal, desengajamento moral, deslegitimação das autoridades. Isso pode levar a comportamentos de quebra de regras, apoio a discursos de ódio e atos de violência física e psicológica”, analisa Aline.

Suporte emocional

Ainda segundo Aline, o Brasil vive um “aumento assustador” de ataques em escola nos últimos anos, especialmente nos últimos seis meses. Para ela, uma série de fatores contribui para esse aumento, como “a disseminação desses fóruns extremistas na internet, a facilitação do acesso a armas de fogo, a radicalização dos discursos polarizados e os problemas de saúde mental, que têm aumentado bastante também”. Ao citar questões emocionais e relacionadas à saúde mental, a pesquisadora disse que os alunos não enxergam a escola com um ambiente seguro para compartilhar o que sentem. Além disso, em sua visão, é necessário criar políticas para discutir valores como respeito e oferecer suporte emocional aos docentes e alunos. “Sabemos que as questões emocionais ainda são pouco trabalhadas nas escolas, muitos estudantes não sentem que a escola é um espaço seguro para compartilhar seus medos e sofrimentos, pelo contrário, muitos vivenciam vitimizações no ambiente escolar. É preciso implementar políticas que estabeleçam espaços permanentes no cotidiano escolar para a discussão de valores como ética, empatia, respeito, inclusão, direitos humanos e que ofereçam suporte emocional a alunos e professores”, diz.

Falta de políticas públicas

Outro ponto citado pela pesquisadora é a ausência de políticas públicas voltadas ao combate da violência dentro do ambiente escolar. “Embora o tema da violência nas escolas venha sendo debatido há muito tempo, não vemos essa discussão se desdobrar em políticas públicas voltadas à prevenção. Há diversas iniciativas por parte de professores para trabalhar os conflitos entre alunos, a indisciplina em sala de aula, projetos voltados a temas como bullying, racismo, violência de gênero, mas isso acaba perdendo sua força quando fica centrado na figura de um professor específico, que já precisa dar conta de inúmeras demandas pedagógicas, e não é tratado como prioridade pelo sistema educacional”, pontua a especialista. 

Sala de Aula

Especialista diz que força de projetos de suporte aos alunos perde força quando concentrada na figura do professor, que já tem que lidar com as necessidades pedagógicas | FOTO: WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO

A presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP), deputada estadual Professora Bebel (PSOL), afirmou nesta semana que a ausência de políticas voltadas à prevenção de casos de violência se reflete no crescimento do número de casos. A parlamentar defende ainda que as unidades de ensino devem ter psicólogos atuando ao lado dos professores para identificar possíveis agressores e estabelecer diálogo com eles. “O programa de mediação escolar, criado em 2009 pela secretaria da Educação a partir de proposta da APEOESP, em que professores trabalhavam na solução de conflitos e harmonização do ambiente escolar, foi praticamente abandonado. As consequências se fazem sentir no crescimento do número de casos. […] É necessário que existam nas escolas psicólogos capacitados a realizar um trabalho preventivo junto a esses jovens. É verdade que os professores têm sensibilidade para identificar potenciais agressores e até mesmo para dialogar com eles, dissuadindo-os, muitas vezes, de ações violentas. Porém, os professores são responsáveis por diversas classes com 35, 40 ou mais estudantes e não lhes cabe atuar nesse campo”, disse Bebel. A fala foi divulgada ao lado de um relatório da APEOESP que mostra que 48% dos estudantes da rede estadual de São Paulo já sofreram algum tipo de violência, com bullying tendo a maior incidência entre os alunos. 

Exposição midiática

Por fim, a especialista analisa a cobertura da mídia de episódios como o de Suzano e o da Vila Sônia, dizendo que, muitas vezes, as notícias tornam o agressor “famoso”, o que resulta em fama em fóruns da deep web sobre o assunto. É o que se chama de “glamourização da violência”. A pesquisadora do Núcleo de Estudos de Violência da USP diz, ainda, que, ao expor imagens das agressões, os veículos de mídia podem gerar gatilhos em jovens que vivem situações similares a do agressor. Por essa razão, argumenta, é necessário ter cuidado na maneira de denunciar episódios, visando não estimular comportamentos agressivos. “A grande exposição desses casos, especialmente de imagens das agressões, pode funcionar como gatilhos para adolescentes que se identificam com a situação vivida pelo agressor. Isso não quer dizer que não devemos falar a respeito, mas ter cuidado na forma de noticiar para evitar estimular esses comportamentos extremistas ou julgamentos preconceituosos por parte da sociedade em geral”, concluiu. 

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