No dia que a Sesab decidir fazer uma campanha de conscientização contra a mononucleose, sugiro mostrar imagens da pipoca da BaianaSystem. Por lá, beijo na boca é coisa do passado – algo de folias tão remotas como esse funk empoeirado. Ao perceber o clima de ‘desapegação’ na galera que seguia o Navio Pirata, no Campo Grande, sábado de Carnaval, me pus na missão de encontrar casais se chupando, para perguntar o que estavam fazendo ali, de que planeta band vieram.
Achei uns pombinhos aqui, outros acolá, pulando de pertinho, mas nem essas benças! Sem bitocas. Não havia clima? Perguntei à administradora Cláudia Lima, 27 anos, e ao seu paquera, o servidor público Márcio Fontes, 29, por que não tinha ninguém se beijando – nem os próprios, desde a hora que os vi. “Nessa agonia? Não tem como”, justificou Márcio. “Tem sim”, retrucou Cláudia, roubando-lhe um pitoque molhado. Nessa hora temi pela continuidade dos dois no bloco, afinal, parecia que era proibido beijar.
Sem desautorizar Cláudia bagunceira, encontrei um amigo folião que tentou definir o que, de fato, está em jogo na Baiana: “O foco ali não é a pegação, mas sobreviver”, comentou o jornalista André Uzêda, meu parceiro na coluna Baianidades, aqui do CORREIO. Está certo ele? Até pensei que sim, se não tivesse lá no bolo sem tanta dificuldade para continuar vivo. (Volto ao tópico da chupança mais adiante).
A ver (sem ouvir) Navio
Pra quem um dia teve medo de multidão, e fugia dessa embolação, achei bem ok seguir a Baiana, na maioria do tempo a uma distância regulamentar. Isso quer dizer até conseguir ouvir melhor a música, o que deu um certo trabalho – a cerca de 50 metros do trio é mais fácil você acompanhar o som por quem ouve melhor e repete, do seu lado, o que Russo Passapusso canta. Nem Vandal salva.
Para se ter uma ideia, na concentração, demorei de entender que a banda já tava tocando. Só vi que tinha começado quando passou da descida do Vale do Canela, mas assim que o Navio Pirata entrou na passarela Nelson Maleiro, o som naufragou. O jeito foi dançar “700 Galinhas”, que Filipe Escandurras cantava lá da entrada do Corredor da Vitória, em seu esquente.
Antes da descida do Vale, inclusive, foi o único momento em que vi um empurra-empurra mais agoniado, deixando a vendedora de cerveja da esquina preocupada. “Nem a pipoca do Kannário é assim. Calma gente”, ouvi, me acalmando na autossugestão de que era apenas um mau começo. E fora.
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Na passarela, galera até mais calibrada, rodas formadas, todo mundo se batendo no meio, euforia pura, naquele pique flagrado pelas câmeras de cima. Não dói e nem mata, mas ainda tava achando o som um tanto fraco. Na saída da passarela, ruas mais largas, repórter perto do trio, e o som seguia como o instrumento que Marcelo Seko tocava: baixo.
Foto: Arisson Marinho/CORREIO |
Voltando aos beijos
Ano passado, show de Cascadura no Pelourinho, eu e uma peguete da época olhamos em volta e percebemos que ninguém se beijava, só a gente. Estranhando, ensaiamos uma tese: “a maioria aqui é ‘mais 40’, alguns casais juntos há muitos anos, talvez tenha a ver”.
Corta pra Carnaval, festa historicamente marcada pela pegação: o foco de alguns emocionados(as), especialmente os mais jovens, era ver quem beijava mais, quem voltava pra casa com mais sapinhos ou colares de Gandhy. Não era assim? Que aconteceu? Catei uns sociólogos aqui pra tentar analisar, todo mundo de recesso – e quem não tava, preferiu não opinar.
“Os espaços públicos parecem ter deixado de ser espaços de sedução. (…) As pessoas mais jovens tendem a usar as redes sociais e aplicativos como forma de escolher os parceiros. (…) É o primeiro Carnaval pós-pandêmico”, foi o máximo que consegui tirar, mas as declarações são iguais vaias de bêbado. Inválidas.
Foto: Arisson Marinho/CORREIO |
Porém, vale dizer que Russo não fala de abraços e beijinhos, e carinhos, mas de crítica social, de revolução. Taí a explicação, ou teria mais a ver com a diminuição do assédio no Carnaval? Questões.
E para aliviar ainda mais a barra dos baianers, também não vi tanta pegação na pipoca pela Barra e em outros lugares que passei. O beijo no Carnaval vai acabar? Que antes acabe o Navio Pirata, que já tá na hora de virar peça de museu, igual a Fobica. Com todo respeito, um beijo!
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