A morte de Gal Costa (em minha opinião, a maior cantora do Brasil) impactou tanta gente e vai continuar impactando durante muitos anos. Assim que soube da notícia, vários filmes me passaram pela cabeça. Apesar de não ter a mesma proximidade que tenho com os outros Doces Bárbaros (Caetano, Gil e Bethânia), nem por isso minha admiração por ela é menor. Inclusive, sou muito amigo de seu irmão paterno, Guto Burgos.
Eu não assisti ao show Doces Bárbaros em 1976 porque ainda era um garoto (rs), mas vi vários espetáculos da artista no Teatro Castro Alves, na Concha Acústica, no Vila Velha, entre outros espaços. No Rio de Janeiro, tive o prazer de ver o badalado Gal Tropical e, em 2017, na mesma cidade, o Trinca de Ases, com Gilberto Gil e Nando Reis, que virou DVD e especial exibido pelos canais Multishow e Bis.
Este, digamos, foi o ultimo grande show que acompanhei com amigos. No dia 11 de agosto fomos à casa de espetáculo KM de Vantagens Hall para ver e ouvir Trinca de Ases, cujo material promocional enviado à imprensa falava: “A moça, o rapaz maduro calejado pela idade e o menino impetuoso e viril”. Assim Gal Costa, Gilberto Gil e Nando Reis eram apresentados com o mesmo nome da música que abre o show. A estreia se deu em São Paulo nos dias 4 e 5 de agosto no Citibank Hall.
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Na verdade, esse show era o reencontro de uma homenagem ao centenário de Ulisses Guimarães, realizado em 2016, em Brasília, idealizado pelo saudoso jornalista Jorge Bastos Moreno, de O Globo, que terá brevemente um documentário produzido por Flora Gil e Letícia Muhana. O encontro deu tão certo que eles resolveram montar esse show que foi um sucesso. Martelo batido, escolheram um repertório e montaram uma banda com reforço do baixista pernambucano Magno Brito e do percussionista baiano Kainan do Jêjê, que toca com Ivete Sangalo.
A Trinca de Ases no palco (Foto: Divulgação) |
Durante mais de um hora o que se viu foi um entrosamento e uma leveza entre os artistas, como se já tocassem juntos há muito tempo. E ficou bem clara a reverência que Nando e Gil faziam a Gal. Apesar de formarem uma trinca, a presença de Gal e sua voz marcante davam o tom do espetáculo. Uma noite emocionante com canções que levantavam a plateia.
Cantaram sucessos de Nando Reis como All Star, Espatódea, Segundo Sol. Gil entrou com Esóterico, Barato Total, Meu Amigo Meu Herói, A Gente Precisa Ver o Luar, Palco, Retiros Espirituais. Do amigo em comum, Caetano Veloso, entrou Baby. Luiz Melodia foi homenageado com Pérola Negra e um dos grandes momentos foi quando Gal cantou Nada Mais, a versão para Lately (Nada Mais), de Stevie Wonder, com versão em português feita por Ronaldo Bastos. Após cantar essa música, a plateia aplaudiu de pé e Nando e Gil também reverenciaram a bela interpretação ao vivo dessa gravação que ela já tinha feito em estúdio no ano de 1984.
Nessa trinca, Nando era a novidade, uma espécie de filho mais novo. Com Gil a relação é musical e afetiva: Gal é madrinha de Preta, filha de Gil com Sandra Gadelha (Drão). Gil e “Gaúcha”, como ele chamava Gal, se conhecem desde o show o show Nós, Por Exemplo (1964), em Salvador, no Teatro Vila Velha. Estiveram juntos também no manifesto tropicalista que resultou no disco disco Tropicália ou Panis et Circensis (1968), na turnê dos Doces Bárbaros (1976) e no show em Londres, gravado em 1971 quando Gil estava no exílio e lançado em 2014.
Gal Costa num momento do show Gal Tropical (Arquivo pessoal) |
Outro episódio que tive envolvendo Gal Costa foi relativo ao Show Gal Tropicalp que foi um grande sucessos tanto de publico quanto de crítica. A ponto de render muitas matérias e capa da Revista Veja. Inclusive, cheguei até a fazer um Baú sobre o assunto – o tema eram os segredos da misteriosa encomenda que Gal Gosta recebeu no RJ.
Ao saber que eu estava indo para o Rio de Janeiro assistir o show, Guto Burgos, irmão por parte de pai da cantora, me pediu um favor. Que eu fosse ao camarim e entregasse uma encomenda para Gal. Ele disse que avisaria à produção. Lógico que eu nem pestanejei. Cheguei no Rio, fui ver o show, fiquei embevecido com o que vi. Depois fui lá falar com a estrela.
No Camarim do Trinca de Ases: Priscila Dantas, Dão Tourinho, Bebete Martins, Letícia Muhana, Nazaré Darbra e Nilton Simões Filho (Foto: Acervo pessoal) |
Ela já sabia que chegaria um portador da Bahia com a tal encomenda. Todo tímido, cheguei no camarim lotado de artistas e celebridades. Me apresentei e entreguei a encomenda a Gal Costa. Era um pacote contendo um par de sapatos que ela esquecera em Salvador e pediu a Guto que levasse para o Rio. Como Guto não ia viajar por esse tempo, porque estava trabalhando, a minha viagem caiu como uma luva.
Muito simpática, Gal procurou saber quem eu era e como estava seu irmão. Eu disse que era jornalista e amigo dele. Tudo isso em meio a um burburinho dos convidados da artista. Entre os quais As Frenéticas, que estavam no auge. Feita a entrega, cumprida a missão, me retirei. Como naquele tempo não havia celular nem redes sociais só me restou guardar aqueles momentos na memória.