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Governo obtém aval a medidas de receita, mas ceticismo sobre meta permanece

Foto: Divulgação

Ministro Fernando Haddad (Fazenda) 16 de dezembro de 2023 | 19:06

Apesar de ter conquistado o aval do Congresso à maior parte de seu pacote fiscal, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) encerra o ano sem eliminar o ceticismo dos economistas sobre a meta de zerar o déficit do governo em 2024.

As alterações feitas pelos parlamentares nas propostas reforçam o questionamento sobre o potencial arrecadatório das medidas e a incerteza sobre a trajetória das contas públicas nos próximos anos.

Mesmo sem acesso a projeções atualizadas do Ministério da Fazenda sobre o ganho potencial com as medidas aprovadas, especialistas em contas públicas afirmam que os números divulgados originalmente não serão alcançados.

O cenário fica ainda mais prejudicado pela esperada desaceleração da economia no ano que vem, que deve limitar a expansão natural das receitas.

Haddad, por outro lado, diz que novas medidas poderão ser lançadas. A interlocutores, ouvidos pela Folha, o ministro tem reiterado que continua em sua agenda de recomposição da base fiscal do Estado brasileiro -que, em sua visão, foi dilapidada nos últimos anos.

A estratégia está alinhada com a ministra Simone Tebet (Planejamento), que tem mencionado “cartas na manga” a serem usadas em caso de necessidade.

A IFI (Instituição Fiscal Independente, órgão do Senado que monitora as contas públicas) calcula em seu cenário-base que o conjunto de medidas legislativas lançadas pelo governo neste ano para equacionar o Orçamento de 2024 deve render R$ 48,6 bilhões no ano que vem. O número representa menos de um terço dos R$ 168,5 bilhões projetados pelo governo inicialmente.

A diferença para a projeção oficial é explicada pela posição mais conservadora da IFI, que leva em conta tanto as modificações feitas pelo Congresso como possíveis questionamentos no Judiciário sobre algumas das medidas -como a recuperação de créditos no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). Só com essa medida, o governo disse esperar R$ 97,9 bilhões (enquanto a IFI calcula R$ 30,3 bilhões).

Em setembro, enquanto muitas das medidas do pacote estavam ainda em discussão, os analistas consultados pelo Banco Central diziam confiar em metade das receitas necessárias para zerar o déficit em 2024, incorporando R$ 80 bilhões extras.

Vilma da Conceiçao Pinto, diretora da IFI, vê a possibilidade de o governo seguir três caminhos diante desses números.

O primeiro é a mudança da meta, que ela considera ruim por configurar uma fuga das regras do arcabouço logo no primeiro ano de vigência.

O segundo cenário é o de descumprimento da meta, o que acionaria gatilhos para limitar despesas a partir de 2025. Esse caminho vem sendo defendido pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).

O texto do arcabouço veda um conjunto de iniciativas (como reajustes para servidores públicos e medidas que gerem crescimento real de gastos obrigatórios) caso o resultado do ano fique abaixo do limite inferior do objetivo traçado.

Para 2024, é permitido um déficit de até 0,25% do PIB (ou R$ 28,7 bilhões, considerando os dados projetados no envio das diretrizes orçamentárias).

A terceira alternativa considerada pela economista é pensar em outras medidas de ajuste fiscal, como tem reforçado Haddad nos últimos dias. Para ela, no entanto, será preciso expandir a discussão ao planejar as próximas iniciativas.

“A melhor direção seria essa última [novas medidas]. Mas é importante notar que não dá para deixar todas as fichas nas receitas. Será preciso avançar na agenda de eficiência e qualidade dos gastos primários”, afirma ela.

Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, também trabalha com números mais conservadores para a arrecadação. “Entendemos que, no conjunto, será possível arrecadar algo como um terço do total previsto [pelo governo] em receitas novas”, afirma.

Ele projeta um déficit primário no ano que vem de 0,73% do PIB, mas diz que o número poderá se aprofundar caso prospere o movimento do governo para limitar o contingenciamento em 2024 a pouco mais de R$ 20 bilhões -o que, para ele, contraria a lei complementar do arcabouço.

Atualmente, o mercado estima déficit primário de 0,76% do PIB em 2024. O dado consta no boletim Focus, pesquisa semanal do BC com analistas do mercado, divulgado na última segunda-feira (11).

Quanto ao bloqueio, economistas têm calculado a necessidade real de ao menos R$ 40 bilhões.

O contingenciamento de gastos durante o ano é uma exigência da legislação e deve ser aplicado quando for verificado risco ao cumprimento da meta. O governo Lula (PT), no entanto, manobra para blindar recursos ligados a investimentos no ano que vem.

Para Salto, a articulação e iniciativas do Congresso que comprometem as contas públicas podem levar o rombo a 0,95% do PIB. Ele ressalta que, mesmo assim, seria um déficit menor que o de 2023 (previsto pelo governo em 1,7% do PIB).

“O fundamental é manter a meta zero para o ano que vem porque ela é uma âncora, não um número mágico. O arcabouço tem gatilhos próprios a serem acionados tempestivamente. Mudar a meta é jogar isso pelos ares”, diz.

Ele defende que o governo não abandone a meta do ano que vem. Em sua visão, isso significaria piorar a trajetória de dívida, juros, câmbio e inflação.

“Foi uma vitória o Haddad conseguir preservar a meta mesmo diante das pressões.

No ano que vem, essas mesmas pressões vão voltar, provavelmente nos idos de março”, afirma, em referência ao mês em que o primeiro relatório bimestral de receitas e despesas precisa ser publicado pelo governo, indicando o montante a ser contingenciado para cumprir a meta do ano.

O economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e colunista da Folha, também cita como negativa para as contas a articulação do governo para limitar o contingenciamento. Para ele, o movimento e a sede do Congresso e do Executivo por aumento de despesas fará o cumprimento das metas de 2024 a 2026 deixar de ser uma possibilidade.

“A tendência será a de aprofundar o movimento que já começou. Toda vez que o arcabouço representar dificuldade para a implementação de uma política, muda-se o arcabouço”, diz.

Além da articulação para limitar o contingenciamento, ele cita como exemplos de manobras em andamento a exceção das despesas da nova bolsa para alunos do ensino médio, a tentativa de transformar parte das despesas com precatórios em despesas não-primárias e a classificação de receitas não-primárias do PIS/Pasep como primárias. “Isso vai virar rotina daqui para frente. Assim como as mudanças de metas”, diz.

Ele chama atenção para outro ponto, no lado das receitas. Boa parte da arrecadação adicional projetada pelo governo será não-recorrente e entrará apenas em 2024, como os pagamentos retroativos de impostos devidos no âmbito da MP (medida provisória) do ICMS e parte dos pagamentos no âmbito do Carf.

“Ajuda a fechar a conta de 2024, mas não é um reequilíbrio fiscal para os anos seguintes.”

Fabio Pupo / Folhapress

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