Ministro da Fazenda afirmou que a taxa de juros no Brasil está totalmente ‘fora de propósito’; manifestação do petista endossa críticas do presidente Lula e de parlamentares contra mandatário do Banco Central
GABRIELA BILÓ/ESTADÃO CONTEÚDO – 07/08/2019
Primeira reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) sob o novo governo está marcada para quinta-feira, 16
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), participou nesta segunda-feira, 13, do encontro do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores, em Brasília, e aproveitou para endossar as críticas realizadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e à condução da política monetária da instituição. Em uma fala de aproximadamente 40 minutos, o ex-prefeito de São Paulo disse que o Brasil é o único país do mundo com taxas de juros tão altas – atualmente, a Selic está em 13,75% ao ano, patamar que desagrada aos petistas. O comandante da pasta econômica sugeriu que a meta de inflação seja revista para cima, proposta que também conta com a aprovação do presidente Lula, para que o Planalto tenha viabilidade em ampliar os gastos públicos. A cúpula do governo busca uma revisão da meta em torno de 4,5%, acima da atual objetivo de 3,25%. As declarações de Haddad ocorrem na véspera da reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN), em que participarão também Campos Neto e Simone Tebet (MDB), ministra do Planejamento. Por fim, o petista pediu apoio para propostas que serão formalizadas pela pasta e que terão o objetivo de estabilizar a economia.
A mudança no tom das declarações de Haddad, que na última semana havia dito que a ata divulgada pelo Comitê de Política Monetária (Copom) era “mais amigável em relação aos próximos passos que precisam ser tomados”, ocorre na esteira de manifestações de outros integrantes ou aliados do governo Lula 3. Também nesta segunda-feira, 13, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho (PT), aproveitou um evento com a diretoria da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) para endossar as críticas contra a atuação de Campos Neto à frente do BC. Segundo Marinho, nem mesmo o mercado financeiro considera que a decisão de manter a taxa de juros em alta “está certa”. “A mão [de Campos Neto] está pesada demais. Juro, de fato, atrapalha”, disse o petista. O titular do Trabalho explicou que há um movimento de sensibilização da direção do Banco Central para que a Selic seja reduzida, a fim de auxiliar o crescimento econômico do país. “Banco Central autônomo para quê? Acho que para poder garantir que não tem influência indevida de governo no processo de estabelecimento das políticas, e não ao contrário”, resumiu. Presidente da Fiesp, Josué Gomes seguiu o entendimento de Marinho e afirmou que, “da mesma forma que o Banco Central talvez tenha errado quando a taxa [de juros] esteve em 2%, hoje há um reconhecimento nas mesas de empréstimo dos grandes bancos de que 13,75%, como dizem no jargão do mercado, faz com que o BC esteja atrás da curva. Ou seja, já era para estar cortando mais rapidamente”, disse o empresário, filho do ex-vice-presidente José Alencar, que compôs a chapa de Lula nos primeiros governos.
Atos contra Campos Neto Dentro do Parlamento, as críticas a Campos Neto também encontram ressonância. Líder do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara, o deputado Zeca Dirceu (PT-PR) divulgou nas suas redes sociais uma manifestação do Sindicato dos Bancários contra o presidente do Banco Central. Agendado para a terça-feira, 14, um ato está previsto para ocorrer frente ao prédio do BC em Brasília, a partir das 12h, e outro em frente à sede do banco na Avenida Paulista, em São Paulo. “Bancários do Brasil farão atos amanhã pela redução da taxa Selic, com palavras de ordem ‘Fora Campos Neto’!”, declarou Dirceu em seu perfil. Na imagem anexada, há a convocação de cartazes que demandem a redução da taxa de juros. Na Câmara, há três requerimentos para que Campos Neto seja convidado para prestar esclarecimentos sobre a condução da política monetária. Um dos pedidos foi apresentado pelo deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ), que afirma que o presidente do Bacen deve explicar “a decisão de manutenção da taxa Selic em 13,75%, a mais alta de juros real do mundo, em um cenário de grande desaceleração da economia”. No Senado, segundo relatos feitos ao site da Jovem Pan, existe a expectativa de que a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) aprove um convite após o Carnaval.
Críticas presidenciais Os petistas subiram o tom após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) passar a criticar a decisão do Copom de manter os juros em 13,75% no início deste ano. Trata-se da quarta manutenção da taxa desde a última alteração, que ocorreu em setembro de 2022. À época, a Selic foi de 13,25% para 13,75%. Na terça-feira, 7, de fevereiro, Lula participou de um café da manha com jornalistas no Palácio do Planalto e aproveitou a oportunidade para cobrar “responsabilidade” de Campos Neto. “Ele deve explicações não a mim, mas ao Congresso Nacional, que o indicou”, iniciou. “Esse cidadão, que foi indicado pelo Senado, tem a possibilidade de maturar, de pensar e de saber como é que vai cuidar desse país. No tempo do [Henrique] Meirelles no Banco Central, era fácil jogar a culpa no presidente da República. Agora não. Agora a culpa é do Banco Central, porque o presidente não pode trocar o Banco Central”, seguiu. Anteriormente, na cerimônia de posse de Aloizio Mercadante como presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), o chefe do Executivo federal classificou a manutenção da Selic em 13,75% como “uma vergonha”. “Quando o Banco Central era dependente de mim, todo mundo reclamava. O único dia em que a Fiesp falava era quando aumentava os juros. No meu tempo, 10% eram muito, hoje, 13,5% é pouco”, afirmou. Apesar do embate e da crise gerada pelas declarações, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, responsável pela articulação política do Planalto, assegurou que o governo federal não discute rever a independência do Banco Central. Campos Neto tem mandato até dezembro de 2024 e, só após esse período, o governo federal poderá indicar um nome diferente para compor o cargo, que deverá passar pela aprovação do Senado.