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Indígenas precisam mais do que o perdão da Comissão da Anistia, diz presidente da Funai

Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação/Arquivo

Indígenas clamam por reparação 20 de abril de 2024 | 07:28

O pedido de perdão concedido pela Comissão da Anistia aos povos indígenas é uma reparação histórica, mas precisa vir acompanhado de medidas concretas que visam corrigir os danos sofridos pelos povos indígenas, afirma Joenia Wapichana, presidente da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).

No dia 2 de abril, o colegiado concedeu dois pedidos inéditos de perdão coletivo aos povos guarani-kaiowá e krenak, pela violência que sofreram do Estado durante a ditadura militar e em outros períodos (de 1946 a 1988). A Comissão Nacional da Verdade estimou que pelo menos 8.350 indígenas foram mortos naquelas décadas em decorrência da ação de agentes do governo ou da sua omissão.

“[São necessárias] medidas de reparação ambiental, territorial e social. Além de mostrar para a sociedade brasileira tudo que ainda não se conhece, porque não foram apenas 8.350 vítimas da ditadura militar, existe muito mais. Precisamos conhecer a verdade relacionada aos povos indígenas”, diz Joenia em entrevista à Folha.

A atual presidente da Funai é a primeira mulher indígena a se eleger deputada federal no país, pela Rede-RR, em 2018.

Durante sua passagem na Câmara dos Deputados, seu primeiro projeto aprovado foi a mudança do Dia do Índio para Dia dos Povos Indígenas —celebrado nesta sexta-feira (19).

“Para nós [a mudança do nome] tem uma importância muito grande, porque índio é uma figura individual. É como os portugueses nos chamaram quando chegaram aqui no Brasil achando que estavam na Índia”, afirma.

Segundo Joenia, a terminologia muitas vezes foi motivo de zombaria. Além disso, não há somente um povo indígena. A correção do nome, diz, é relevante para mostrar a diversidade entre os indígenas, que hoje são mais de 300 povos.

Na Câmara, Joenia apresentou propostas ligadas ao combate ao garimpo ilegal e ao plano de enfrentamento à pandemia da Covid relacionado aos povos indígenas.

“Costumo até brincar. Hoje eu sou presidente da Funai, mas quando eu era deputada federal fiz várias recomendações para eu mesma cumprir agora”, diz ela, que critica a pauta parlamentar.

“A gente vê dentro do Congresso Nacional que avançam os projetos anti-indígenas, como aconteceu no ano passado com a aprovação do PL 490 [lei do marco temporal].”

A entrada de Joenia na política se deu depois que voltou de um mestrado nos Estados Unidos.

Em 2016, lideranças indígenas de Roraima discutiam a falta de uma representação política do Estado em Brasília. Depois de uma assembleia regional, Joenia foi convidada a se candidatar.

“Foi unânime a minha indicação por todas as regiões do estado. Eles me chamaram para ser candidata. Não fui eu que decidi entrar na política, mas fui chamada pelas regiões, pela necessidade de ter uma representação política.”

Em 2018, ela se filiou à Rede, concorreu nas eleições e venceu. Quando assumiu o cargo parlamentar, Joenia já tinha em seu histórico uma bagagem de atuação como advogada e ativista.

“Eu já estava terminando a faculdade de direito, e, todo dia batiam lá no meu trabalho em busca de orientações jurídicas”, diz. “Buscavam orientações sobre casos de violência —mulheres, principalmente—, questão de destruição de patrimônio e demarcação das terras indígenas relacionada à Raposa Serra do Sol.”

Depois que se formou, foi apresentada para o conselho de lideranças indígenas e passou a atuar com mais intensidade como ativista.

“Eu acompanhei a maior parte da demarcação da terra indígena no meu estado de Roraima, pelo Conselho Indígena de Roraima. A organização que eu considero que é uma outra universidade, porque direitos indígenas a gente não aprende em uma faculdade de direito.”

Outro momento emblemático de sua carreira como advogada foi quando fez uma sustentação oral no STF (Supremo Tribunal Federal), em 2008, em defesa da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

Joenia foi a responsável por falar sobre a importância da terra para a vida das comunidades. “Era uma coisa bem mais fácil para mim, sensibilizar os ministros daquela decisão que eles iriam tomar”, disse.

“Os pajés vieram até mim, pintaram o meu rosto e disseram de uma forma bem simples que eles não poderiam falar no tribunal, então eu seria a voz deles.”

Joenia recorda que iniciou sua sustentação falando em wapichana. “Comecei dizendo que os nossos ancestrais estavam presentes e que aquele dia também era uma luta dos nossos ancestrais.”

A causa defendida por Joenia foi vencedora, e o STF determinou a saída imediata dos não indígenas que ocupavam a região.

Priscila Camazano/Folhapress

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