Após um dia de resistência, as jornalistas de TV do Afeganistão sucumbiram às ordens do Talibã e cobriram seus rostos no ar. Apresentadoras e repórteres dos noticiários das principais emissoras de TV afegãs apareceram neste domingo (22/05) com véus ou máscaras que deixavam apenas os olhos visíveis. No dia anterior, muitas delas ainda resistiram à nova regra, anunciada na quinta-feira pelo regime religioso totalitário, e apresentaram as notícias com os rostos descobertos.
“Reagimos, não queríamos usar máscaras”, disse a apresentadora Sonia Niazi, da ToloNews. “Mas a Tolonews foi pressionada”, acrescentou.
Segundo ela, a emissora será obrigada a realocar ou demitir todas as mulheres jornalistas que se recusarem a cumprir a regra. Nos últimos anos, após o fim do primeiro regime do Talibã (1996-2001), a maioria das mulheres passou a aparecer na TV e apresentar programas apenas com lenços cobrindo a cabeça.
“Nós fomos forçadas a cobrir nossas bocas e narizes”, disse Niazi, referindo-se sobre a nova ordem.
O diretor da ToloNews, Khpolwak Sapai, confirmou as declarações de Niazi. “Disseram-nos: ‘Vocês têm que fazer isso. Não há outra escolha’. Isso não aconteceu voluntariamente”.
Segundo a rede ToloNews, as autoridades do Talibã informaram a todas as emissoras de televisão do Afeganistão que a nova ordem é “final e inegociável”. Além disso, por ordem do Talibã, os canais já deixaram de exibir filmes e séries com mulheres como protagonistas.
Pais, maridos ou guardiões masculinos das mulheres que se recusarem a cobrir o rosto também sofrerão penalidades – assim como os executivos de TV.
O Talibã ordenou que as mulheres que trabalham no governo sejam demitidas se não cumprirem o novo código de vestimenta. Os funcionários também correm o risco de serem suspensos se suas esposas ou filhas não o fizerem.
Resistência feminina
Em solidariedade às apresentadoras, jornalistas homens e funcionários da ToloNews também usaram máscaras nos escritórios, relataram correspondentes.
“Continuaremos nossa luta usando nossa voz. Serei a voz de outras mulheres afegãs”, prometeu Niazi. “Vamos trabalhar até que o emirado islâmico nos retire do espaço público ou nos obrigue a ficar em casa”.
“Vamos continuar com nossa luta até o último suspiro”, disse Lima Spesaly, apresentadora da 1TV, alguns minutos antes de entrar no ar com o rosto coberto.
Mohamad Sadeq Akif Mahajar, porta-voz do Ministério para a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício, afirmou que as autoridades não tinham a intenção de forçar as apresentadoras a serem demitidas. “Estamos felizes que os canais tenham exercido corretamente sua responsabilidade”, disse.
Na quinta-feira, ao anunciar a regra, o ministério deu como opção a possibilidade de as apresentadoras usarem uma máscara facial médica, como as utilizadas durante a pandemia de covid-19, para cobrir o rosto.
Em março, o Talibã baniu todos os meios de comunicação estrangeiros, incluindo a BBC e a Deutsche Welle, já que as autoridades não conseguiram regular o conteúdo transmitido, incluindo as roupas dos repórteres, disse um funcionário do Talibã.
Cada vez menos direitos
A nova medida ocorre poucos dias após o Talibã ordenar a volta da burca de corpo inteiro para mulheres em público, em um retorno a uma política do antigo regime de linha dura dos anos 1990. Agora, não cobrir o rosto fora de casa pode resultar no encarceramento ou demissão de empregos públicos do pai ou parente mais próximo do sexo masculino. Além disso, segundo decreto, as mulheres que não tiverem trabalho importante fora “é melhor ficarem em casa”.
A maioria das mulheres afegãs usa lenço na cabeça por motivos religiosos, mas muitas em áreas urbanas, como Cabul, não tem por hábito cobrir o rosto todo. Durante o último governo talibã, de 1996 a 2001, era obrigatório que as mulheres usassem a burca azul.
Quando o Talibã reassumiu o poder, em agosto de 2021, após a retirada das tropas da Otan, os fundamentalistas prometeram não reinstaurar as regras repressivas de seu regime anterior. Nos últimos nove meses, contudo, impôs severas restrições à mídia e reprimiu os direitos humanos, sobretudo das mulheres, no Afeganistão,
Em março, os talibãs proibiram o funcionamento das escolas secundárias femininas. O governo também restringiu as viagens sem acompanhamento masculino, além de proibir que homens e mulheres frequentem parques públicos nos mesmos horários.
A nova onda de repressão despertou indignação da comunidade internacional, levando os EUA a cancelarem encontros programados com o objetivo de aliviar a crise financeira afegã. Desde a retomada do poder pelo Talibã, Washington e outros governos cortaram a ajuda ao desenvolvimento para o Afeganistão e impuseram sanções rigorosas ao sistema bancário, levando o país cada vez mais para a miséria econômica.
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