O que era o forte de Lula – a capacidade de falar de improviso, fazer-se entender pelas pessoas mais simples e tocar nos seus sentimentos –, começa a revelar-se um risco para quem na idade avançada dele aspira a um novo mandato presidencial.
A levar-se em conta o padrão clássico do grande tribuno, Lula sempre ficou devendo. Mas, o carisma e o poder de convencimento compensam suas deficiências. Não importa que cometa erros de português ferindo ouvidos sensíveis.
Para o poeta Manuel Bandeira, a vida vem “da boca do povo na língua errada do povo, língua certa do povo porque ele é que fala gostoso o português do Brasil”. O que os demais fazem, segundo Bandeira, “é macaquear a sintaxe lusíada”.
Em tempos de redes sociais e de feroz polarização política, porém, o improviso e o desejo de arrancar risos com frequência podem se voltar contra os que se valem de tais recursos. É o caso de Lula, para felicidade dos seus críticos.
O teleprompter não faz mal e os grandes líderes mundiais o usam para pronunciamentos importantes – Lula, não, ou apenas raramente. Mesmo as piadas podem ser pensadas e testadas com antecedência, e não ditas no calor do momento.
Dir-se-á que isso tornaria Lula menos espontâneo – duvido que torne; a espontaneidade é uma marca dele, impossível de ser perdida, e uma de suas vantagens sobre os outros. Um Lula menos dado a fazer graça o pouparia de derrapagens.
Derrapou, ontem, mais uma vez e poderá pagar caro por isso. Ao condenar a violência doméstica que sofrem as mulheres, ele disse que “se o cara for corintiano, tudo bem”. Lula torce pelo Corinthians. Nunca bateu numa mulher.
A piada sem graça foi feita em meio a um comentário onde ele criticou a violência de homens contra mulheres e elogiou a presença de nove mulheres em um evento de empresários do ramo de alimentos no Palácio do Planalto.
A certa altura do discurso, Lula observou:
“Hoje eu fiquei sabendo uma notícia triste. Tem pesquisa […] que mostra que depois de um jogo de futebol aumenta a violência contra a mulher. Inacreditável. Se o cara é corintiano, tudo bem, como eu. Mas eu não fico nervoso quando [o time] perde, eu lamento profundamente”.
Outra vez, e como de hábito, Lula atravessou a rua para pisar numa casca de banana. Não se brinca com algo tão grave como o espancamento de mulheres por seus maridos. E logo no dia em que Janja o havia advertido para os perigos do improviso.
O Lula dessa piada infame nada tem a ver com o Lula que já disse que “mulher não foi feita para apanhar”; que invocou sua mãe, que apanhava do marido, para censurar a violência doméstica; e que costuma tratar as mulheres com carinho.
Da mãe, a sábia dona Lindu, ele lembra ter ouvido o conselho:
“Meu filho, se um dia você se casar, tiver problema com mulher, nunca levante a mão para sua mulher. Se não estiver vivendo bem, saia de casa, deixe a mulher cuidar da casa e vá procurar o que fazer, mas nunca levante a mão”.
O governo divulgou uma nota em que afirma que “em nenhum momento o presidente Lula endossa ou endossou” a violência contra as mulheres. Faltou dizer que nem os corintianos estão liberados para bater em suas companheiras.