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Lula triunfa na economia e treme na diplomacia (Por João Ruela Ribeiro

Quando, no primeiro dia de 2023, subiu a rampa do Palácio do Planalto, em Brasília, pela terceira vez na sua vida, Luiz Inácio Lula da Silva tinha consciência de que o seu terceiro mandato presidencial seria o mais exigente e, muito provavelmente, aquele pelo qual será avaliado nos livros de História no futuro. Mas ninguém poderia prever que, ao fim de apenas oito dias no cargo, Lula teria pela frente uma crise sem precedentes desencadeada pela invasão das sedes dos três poderes por centenas de apoiantes de Jair Bolsonaro.

O primeiro ano do terceiro mandato de Lula começou com um choque de frente com os resultados concretos de quase uma década de polarização política no Brasil que criou as condições para que uma fatia considerável da sociedade recusasse reconhecer a legitimidade da vitória do antigo Presidente. Mas, entre avanços e recuos, a normalidade política foi ganhando espaço, e a ameaça de um levantamento antidemocrático ou de um clima de desestabilização permanente parecem agora uma memória. Poucos diriam, depois de assistir às cenas de 8 de Janeiro, que a grande história da política brasileira em 2023 seria a aprovação histórica de uma reforma tributária.

É difícil dizer, no entanto, se o Brasil é hoje um país mais pacificado, um ano depois da tomada de posse de Lula, que prometeu um governo de unidade nacional para resgatar a democracia. “O 8 de Janeiro foi um facto muito marcante e que também marcou uma derrota do grupo bolsonarista”, observa a politóloga Maria Hermínia Tavares, em entrevista ao PÚBLICO.

Durante o último ano, a figura de Bolsonaro, tão dominadora ao longo dos quatro anos anteriores, foi-se apagando, com o seu nome a ser envolvido em inúmeros processos judiciais. O golpe de misericórdia para o grande líder da extrema-direita brasileira foi a declaração de inelegibilidade por oito anos pelo Tribunal Superior Eleitoral, em Junho.

“O país está mais unido?”, pergunta a investigadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), para responder de imediato: “Não necessariamente.” Tavares recorda que o apoio à extrema-direita no Brasil ainda é sólido e cristalizou-se entre os 25 e os 30% do eleitorado.

O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Cláudio Couto diz identificar uma “atenuação da polarização”, mas considera que a radicalização política continua a marcar o cenário brasileiro. “Se olharmos para os núcleos duros do que chamamos ‘petismo’, de um lado, e ‘bolsonarismo’, do outro, ainda existe uma polarização bastante estabelecida”, afirma, embora especificando que não se trata de uma “polarização simétrica”, uma vez que o nível de agressividade por parte da extrema-direita não tem paralelo à esquerda.

Vitórias e soluços

Ao contrário do que se poderia esperar, tendo em conta as tradicionais dificuldades de negociação no Congresso, ainda para mais num panorama em que a direita está em franca maioria, foi precisamente na Câmara dos Deputados e no Senado que o Governo alcançou as suas vitórias mais importantes no primeiro ano do mandato. E ambas foram no domínio económico.

Em Abril, foi aprovado o chamado “arcabouço fiscal”, uma lei que limita os gastos públicos para evitar défices excessivos e a acumulação de dívida pública. Já este mês, a Câmara dos Deputados aprovou uma reforma tributária histórica, que vem reformular o sistema fiscal e que era debatida praticamente desde a redemocratização, há mais de três décadas. “Era uma coisa reclamada por todo o mundo, mas conseguida por ninguém”, explica Cláudio Couto.

As duas reformas legislativas têm a marca do ministro das Finanças, Fernando Haddad, visto como o grande artífice das negociações em Brasília que abriram caminho às aprovações. Couto destaca a “preocupação do ministro das Finanças com o equilíbrio das contas, mesmo contra o seu próprio partido”, o Partido dos Trabalhadores (PT), que criticou algumas cedências que o Governo teve de fazer ao longo do processo. A subida da avaliação do rating da dívida brasileira por duas agências de notação financeira no final do ano parece atestar as credenciais de Haddad e do Governo no âmbito da disciplina orçamental.

“O sistema [político brasileiro] exige muita negociação e exige que o Governo escolha as brigas que quer ganhar”, explica Maria Hermínia Tavares. “O Governo escolheu a agenda económica e foi vitorioso.”

Ao mesmo tempo, Lula não tem ignorado os problemas sociais do Brasil, sobretudo a fome, flagelo contra o qual prometeu uma guerra sem quartel assim que tomou posse. Estima-se que haja mais de 30 milhões de brasileiros a sofrer com carência alimentar e muitos mais perto do limiar da pobreza. Não se conhecem novas estatísticas sobre o estado da pobreza no Brasil no último ano, mas é possível que a situação tenha melhorado.

O Governo reactivou vários planos de assistência social, como o Bolsa Família, que foi aprimorado, e subiu o salário mínimo, algo que já não acontecia há muito tempo. “Há uma queda da inflação que é importante e é um factor fundamental para que os mais pobres tenham acesso a comida”, explica ainda Cláudio Couto.

Em 12 meses, Lula passou, ao todo, o equivalente a dois meses fora do país. A frequência das viagens do Presidente faz parte dos esforços do Governo em reconstruir as relações diplomáticas do Brasil, após quatro anos muito turbulentos com Bolsonaro. “O bolsonarismo tinha produzido uma política externa que nos levou à condição de pária internacional, de forma deliberada”, afirma o professor da FGV.

A diplomacia frenética de Lula levou-o a viagens aos EUA e à China, mas também a aliados tradicionais como a Argentina e Portugal, assim como a África, Ásia e Médio Oriente. De uma forma geral, os especialistas ouvidos pelo PÚBLICO consideram que o objectivo de recuperação da credibilidade internacional proposto pelo Itamaraty foi alcançado, embora não sem alguns percalços.

Os principais reparos feitos neste âmbito estão invariavelmente ligados a comentários públicos feitos por Lula a propósito de assuntos internacionais, como a guerra da Ucrânia, em que chegou a dizer que tanto a Rússia como o país invadido têm responsabilidades pela guerra em curso. Ou como quando o Presidente brasileiro se predispôs a receber o Presidente russo, Vladimir Putin, no Brasil, apesar de ser alvo de um mandado de captura emitido pelo Tribunal Penal Internacional – esta semana, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Mauro Vieira, voltou a dizer que Putin será bem-vindo ao Brasil para participar na cimeira do G20 no próximo ano.

Para Maria Hermínia Tavares, no âmago dos problemas que mancharam o percurso de Lula na esfera internacional ao longo do ano está uma divisão dentro do próprio Itamaraty entre uma ala que considera que “o Brasil é uma potência em ascensão e pode falar de tudo” e outra que vê o país como “uma potência média e portanto tem de escolher as suas agendas para influenciar”. “Acho que o Brasil se fortalece quando avança numa agenda em que o país tem algo com que contribuir, como a agenda ambiental, por exemplo”, declara.

No entender da politóloga do Cebrap, a nível internacional, “os gestos foram adequados, o discurso nem sempre”.

Instado a escolher uma área em que as coisas tenham corrido pior, Cláudio Couto aponta para a segurança pública como “o calcanhar de Aquiles” do Governo Lula. Há décadas que o Brasil se debate com crises de criminalidade violenta, mas os últimos meses têm sido particularmente mais duros. Vários casos, como o da execução de três médicos na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, em Outubro, vieram aumentar o sentimento de insegurança generalizado. Várias sondagens mostram que a segurança pública é a principal preocupação dos brasileiros e a avaliação do Governo federal neste campo é má.

A esperança de Lula é que a saída do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, que foi nomeado para o Supremo Tribunal Federal, permita uma eventual separação da pasta para dar mais atenção ao assunto já a partir do próximo ano.

(Transcrito do PÚBLICO)

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