InícioEntretenimentoCelebridadeMartinho da Vila se arrisca na tristeza e entrega ótimo disco

Martinho da Vila se arrisca na tristeza e entrega ótimo disco

A orquestra regida pelo maestro Leonardo Bruno impera durante os primeiros quatro minutos do álbum. Até esse tempo passar, quem estiver ouvindo desavisado não fará ideia de quem é o nome que assina o trabalho. A música foi batizada de Zumbi dos Palmares e seria quase toda instrumental se não fosse a voz familiar surgindo no final e dizendo a graça da canção: “Zumbi dos Palmares, Zumbi”.

A voz macia é facilmente reconhecida. É Martinho da Vila. Mas que história é essa de Martinho no meio de uma ópera? É o novo disco dele, Negra Ópera, lançada no último dia 13 – data que marca Abolição da Escravatura.

Martinho diz que está feliz com o resultado de seu trabalho. Aos 85 anos, conta que pensou muito antes de tomar a decisão de fazer algo novo . “Eu fiquei pensando: fazer mais um disco, o que eu vou fazer? Vou fazer uma coisa diferente e pensei numa ópera. Pensei em fazer um disco dramático, não tenho nenhum desse jeito. Fui trabalhando e consegui fazer”, contou o sambista em entrevista ao CORREIO, por videoconferência.

 “A ópera é um espetáculo dramático, bem forte, mas é bonito. A história é linda, sabe? Luz, cenário, canto, orquestra, é bonito demais. Queria fazer uma coisa dramática e bonita”, completou. O álbum com 12 canções não conseguiu tirar a leveza da presença de Martinho, sorridente durante toda a conversa.

Depois da abertura, o disco ganha samba em  homenagem aos Heróis da Liberdade, lançado no álbum Voz e Coração, de 2002. A música, no entanto, foi samba-enredo da Império Serrano no Carnaval de 1969. O trabalho tem somente três músicas autorais inéditas: Exu das Sete, Dois de Ouro e Diacuí. É completado com regravações de bambas do samba como Zé Kétti, Wilson Baptista e Adoniran Barbosa.

Presença da morte

Ópera Negra é o nome de um livro que Martinho escreveu em 2001 e que conta a história de um ex-bandido tentando se ressocializar. Essa busca por justiça social aparece em momentos como quando ele faz dueto com Chico César em  Acender as Velas (1964), de Zé Kétti. Chico grava com revolta, se colocando contra, por exemplo, a violência policial.

 Apesar da voz mansa de Martinho durante quase todo o álbum, o trabalho tem uma tristeza profunda em suas linhas. ”A Negra Ópera é um disco musical, com certeza, inspirado nas óperas. É um disco diferente do que eu tenho feito, sempre com muito mais ritmos, arranjos, esse é mais intimista. Tem uma definição de ópera dizendo que, quanto mais feia a história, mas bonita é a ópera. Eu falei que precisava de uma coisa bonita, dramática. A morte está muito presente no disco”, afirma Martinho.

O trabalho tem produção assinada por Celso Filho, Martinho Antônio e Pretinho da Serrinha. Os sambas regravados transitam entre São Paulo e Rio de Janeiro. Apesar disso, Martinho diz que é um grande fã da Bahia e reconhece a importância do Recôncavo para o ritmo no Brasil. ”O estado mais falado nos sambas é a Bahia, se quiser fazer um disco sobre compositores do Rio que falaram da Bahia teria que ser uma infinidade de discos. Eu mesmo fiz um monte quando nunca sequer tinha ido a Salvador”, recorda. 

Negra Ópera é, por fim, um trabalho extremamente contraditório. Um homem com aura de felicidade como Martinho da Vila consegue fazer um disco muito triste – e ao mesmo tempo reconfortante. Com oito décadas e meia de vida, além disso, o cantor mostra a atualidade de sambas escritos há muitos anos. Vale a pena conferir.

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