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Mendonça pede vista e suspende mais uma vez julgamento sobre marco temporal

Sob os olhos de lideranças indígenas, que acompanharam o julgamento no plenário, o Supremo Tribunal Federal (STF) adiou mais uma vez nesta quarta-feira, 7, a decisão sobre o marco temporal.

O julgamento é considerado um dos mais importantes do ano até o momento. A votação foi suspensa após um pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro André Mendonça.

Ele tem 90 dias para devolver o processo. “A temática é complexa, relevante. Não só pela questão fática, mas pela questão histórica, pela questão jurídica, pela questão dos valores que estão em jogo”, justificou Mendonça.

Antes do pedido de vista, o ministro Alexandre de Moraes votou contra a tese do marco temporal. Com a manifestação do ministro, o placar do julgamento está em 2 a 1 contra o marco. Em 2021, antes da interrupção do julgamento, o ministro Edson Fachin votou contra a tese, e Nunes Marques se manifestou a favor.

No entendimento do Moraes, o reconhecimento da posse de terras indígenas independe da existência de um marco temporal baseado na promulgação da Constituição de 1988.

Moraes citou o caso específico julgado pelo STF para justificar a ilegalidade do marco. O ministro lembrou que os indígenas Xokleng abandonaram suas terras em Santa Catarina devido a conflitos que ocasionaram o assassinato de 244 deles, em 1930. 

“Óbvio que, em 5 de outubro de 1988, eles não estavam lá, porque se estivessem, de 1930 a 1988, não teria sobrado nenhum. Será que é possível não reconhecer essa comunidade? Será que é possível ignorar totalmente essa comunidade indígena por não existir temporalidade entre o marco temporal e o esbulho [saída das terras]?, questionou.

Contudo, o ministro votou para garantir aos proprietários que possuem títulos de propriedades que estão localizadas em terras indígenas o direito de indenização integral para desapropriação.

Para o ministro, existem casos de pessoas que agiram de boa-fé e não tinham conhecimento sobre a existência de indígenas onde habitam.

“Quando reconhecido efetivamente que a terra tradicional é indígena, a indenização deve ser completa. A terra nua e todas benfeitorias. A culpa, omissão, o lapso foi do poder público”, completou.

Relator do caso, o ministro Fachin pediu celeridade. “Há povos aguardando uma deliberação há muito mais anos do que os anos que tem a nossa Constituição”, afirmou.

Câmara aprovou projeto
O processo foi pautado em um momento em que o debate sobre o tema avança no Congresso. A Câmara dos Deputados aprovou, na semana passada, um projeto de lei para restringir as demarcações a territórios ocupados antes de 1988 – data da promulgação da Constituição. A proposta seguiu para o Senado.

Ao colocar a ação na pauta, a presidente do STF, Rosa Weber, contrariou a bancada ruralista e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), simpático ao projeto de lei. Deputados e senadores ligados ao agronegócio esperavam dissuadir a Corte de retomar o julgamento.

A ministra espera deixar seu voto no caso antes de se aposentar, em setembro. “Eu espero, e tenho certeza que vai acontecer, que eu tenha condições de votar, porque eu tenho uma limitação temporal para proferir o meu voto”, afirmou a presidente do STF.

O Supremo dobrou a aposta e agora está com a bola na mão. O Estadão apurou que a pressão do Congresso não caiu bem entre uma ala do Tribunal, que identificou uma tentativa de encurralar os ministros. Como adiantou o blog, um pedido de vista era esperado, o que na prática dá tempo para acalmar os ânimos entre os Poderes.

Se os ministros decidirem que a tese é inconstitucional, o projeto de lei será colocado em xeque. O PL trata de outros temas, que podem seguir tramitando, mas o trecho sobre o marco temporal precisará ser revisto, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão.

“Qualquer decisão legislativa incompatível com a eventual decisão do Supremo, especialmente por ser um projeto de lei, tende a não prosseguir e a não ter legitimidade“, explica o advogado Gabriel Sampaio, que acompanha o julgamento no STF como representante da ONG Conectas Direitos Humanos.

Com a mudança de governo e o alinhamento da gestão Luiz Inácio Lula da Silva com a defesa dos direitos indígenas, o tempo passou a correr a favor dos povos originários. O petista prometeu acelerar demarcações.

O advogado Eloy Terena, ex-coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), é uma das principais vozes no Judiciário contra a tese do marco temporal. Ele é hoje secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas, o que reforça a mudança de posicionamento em relação ao governo Jair Bolsonaro (PL). Na gestão do ex-presidente, a Advocacia-Geral da União (AGU) defendeu o marco temporal como uma garantia de “paz social”.

Representantes do movimento indígena viajaram a Brasília e montaram acampamento na Praça da Cidadania para protestar contra o marco temporal. Campanhas com artistas e ambientalistas também foram lançadas nas redes sociais, para tentar mobilizar a opinião pública.

“Se o marco temporal for aprovado, as próprias terras indígenas que já estão demarcadas poderão ser revistas dentro do Poder Judiciário”, alerta o advogado Maurício Terena. “(Edson) Fachin (ministro-relator) fez um voto histórico. Acreditamos que o julgamento será bem acirrado. Se a tese for aprovada, independentemente dos termos, será uma perda para os povos indígenas.”

Votos
O julgamento do marco temporal teve sucessivos adiamentos no STF. Até o momento, três ministros votaram: Fachin, relator do processo, Kassio Nunes Marques e Alexandre de Moraes.

Há duas teses jurídicas em disputa e um voto intermediário, de Moraes. De um lado, Fachin defende o direito dos povos indígenas sobre o território como originário e não depende de um marco temporal.

O ministro argumentou que o arcabouço legal de proteção dos direitos de posse indígena começou a ser construído antes de Constituição de 1988. A posse, na avaliação do relator, deve ser definida pela tradicionalidade e não por um marco arbitrário no tempo.
“No caso das terras indígenas, a função econômica da terra se liga, visceralmente, à conservação das condições de sobrevivência e do modo de vida indígena, mas não funciona como mercadoria para essas comunidades”, destacou em seu voto.

A judicialização das demarcações é um dos principais desafios para os indígenas. Os processos costumam se arrastar por anos na Justiça, o que permite que fazendeiros e garimpeiros continuem nas terras reivindicadas.

Nunes Marques, por sua vez, foi a favor do marco temporal, no que foi um dos seus primeiros votos ao chegar no STF. Ele argumentou que a solução concilia interesses públicos e dos indígenas e garante segurança jurídica na demarcação das terras.

“Por um lado, admite-se que os índios remanescentes em 1988 e suas gerações posteriores têm direito à posse de suas terras tradicionais, para que possam desenvolver livremente seu modo de vida. Por outro, procura-se anistiar oficialmente esbulhos ancestrais, ocorridos em épocas distantes, e já acomodados pelo tempo e pela própria dinâmica histórica”, defendeu.

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