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Não precisa pânico: entenda riscos da varíola do macaco no Brasil

Antes mesmo que o mundo começasse a se recuperar dos traumas da covid-19, um novo susto: a ameaça da varíola do macaco, uma ‘prima’ da varíola humana, conhecida por ter sido a única doença já erradicada no mundo. Desde o último dia 13, anúncios de que mais de 90 casos foram detectados em ao menos 12 países, seguidos das fotos de pessoas com lesões após serem infectadas pelo vírus, ajudaram a acender o alerta. 

No Brasil, ainda sem casos confirmados, especialistas acreditam que o vírus está se aproximando. Na última sexta-feira (27), a vizinha Argentina confirmou o primeiro caso no país. Apesar dessa movimentação, a virologista Clarissa Damaso, chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Vírus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que a situação está longe de ser tão grave quanto a da covid-19. 

“Não há motivo nenhum para pânico. Não tem a gravidade nem o desconhecimento que a gente tinha da covid-19 no começo. A varíola do macaco é uma doença conhecida pelos pesquisadores, pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e a gente sabe como combater. Tem vacina, tem antivirais”, diz ela, que é o principal nome da pesquisa sobre varíola no Brasil e orienta que as mesmas estratégias usadas há 40 anos podem ser aplicadas agora. 

Esta semana, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reforçou a recomendação para o uso de medidas que já são adotadas contra a covid-19, como o uso de máscaras, assim como a Secretaria da Saúde do Estado (Sesab) deu orientações para evitar o contágio. Ainda não há certezas sobre o que provocou esse surto, mas é possível que, em algum momento, tenha começado com uma transmissão zoonótica – ou seja, com o contato com animais infectados ou com a carcaça deles. 

“Apesar da varíola dos macacos levar esse nome, é pouco provável que os macacos estejam participando da transmissão atual. Ela foi primeiro descrita nos macacos, mas não só neles. Tem se levantado a possibilidade de transmissão por roedores, que já tiveram participação em um surto nos Estados Unidos, no passado”, pondera a biomédica e neurocientista Mellanie Fontes-Dutra, coordenadora da Rede Análise. 

Transmissão
Uma das hipóteses sobre a origem do surto ficou conhecida essa semana, quando um conselheiro da OMS, David Heymann, ex-chefe do departamento de emergências da entidade, afirmou em entrevista à Associated Press que é possível que o contágio tenha sido a partir de duas raves na Espanha e na Bélgica. Nesses eventos, considera-se que contato físico ou sexual pode ter facilitado a transmissão. 

No entanto, não se trataria de uma transmissão por sêmen ou outros fluidos corporais ligados ao sexo. Como explica a virologista Clarissa Damaso, da UFRJ, a varíola do macaco é uma infecção que ocorre por contato ou por via respiratória próxima. 

“Tem que estar em contato com secreções da cavidade oral ou do trato respiratório ou em contato com a pele do indivíduo infectada. Outra forma de contato é através dos materiais da pessoa infectada, como roupas e roupas de cama”, diz. “Um ato sexual tem muito contato de pele. Se está havendo essa transmissão entre pessoas que fizeram sexo é através do contato, a princípio. Isso faz toda a diferença no estudo”, acrescenta. 

As especialistas ouvidas pela reportagem reforçaram que, neste momento, não é possível afirmar ou avaliar se foi mesmo através de raves. Além disso, é preciso ter cuidado com esse tipo de afirmação. 

“Esse é um assunto que requer extrema cautela, porque pode acabar fazendo com que pessoas tenham ideias totalmente erradas dessa transmissão e pode acabar estigmatizando pessoas por sua orientação sexual. Isso não deve ser feito de forma nenhuma”, reforça a biomédica Mellanie Fontes-Dutra, citando, como exemplo, o caso do HIV. No passado, foi disseminada uma falsa crença que associava a doença à população LGBTQIA+, criando um estigma que precisa ser combatido até hoje. 

Segundo a pesquisadora, a transmissão de humano para humano é menos facilitada do que de animais para humanos, mas acontece. “Além desse contato, o vírus pode se transmitir por gotículas, por isso a recomendação da Anvisa. A gente está lidando com vários vírus que podem ser transmitidos pela via respiratória”, diz, citando o Sars-cov-2, da covid-19. “Mas não podemos subestimar essa transmissão humano-humano porque pode acontecer alguma adaptação”, completa. 

Proximidade
Boa parte do conhecimento sobre a varíola do macaco vem justamente da experiência com a varíola humana. Mas, enquanto a doença mais conhecida foi erradicada em todo o mundo em 1980 – desde 1977, não há ocorrências de casos naturais -, sua ‘parente’ próxima ainda é endêmica em alguns países da África. 

“Eles são vírus parecidos, próximos, tanto que a vacina que se usava para a varíola é a mesma que se usa para a monkeypox (varíola do macaco)”, explica a virologista Clarissa Damaso. A vacina pode ser usada como estratégia para os contatos dos infectados, assim como o isolamento de quem estiver doente. 

De acordo com ela, há dois subtipos de varíola do macaco no continente africano: um, que circula na África Central, e tem letalidade de até 10%; e outro que circula no Oeste africano, com letalidade em torno de 1%. Todos os casos identificados até agora são desse segundo subtipo, menos letal. 

Por ser um vírus de DNA, o vírus da varíola de macaco é considerado mais estável a ponto de nem se falar tanto em ‘variantes’, como no caso do Sars-cov-2 ou da Influenza. Além disso, até o momento, não houve nenhum óbito. A varíola de humanos, por sua vez, podia matar até 40% dos infectados. 

Em geral, a transmissão da varíola do macaco também é menor do que a doença comum. A taxa de transmissão, chamada de R0 e que indica quantas pessoas podem ser infectadas por um único infectado, costuma ficar abaixo de 2 ou 1. Na varíola comum, era em torno de 6. 

“Pelo subtipo que está circulando, ela tem menos lesões e lesões mais brandas do que a varíola”, explica a virologista da UFRJ. 

Tratamento
Em geral, a pessoa se cura sozinha, depois de um período de duas a quatro semanas. Os primeiros sintomas da varíola do macaco parecem com uma gripe. Depois, vêm aumento dos linfonodos e, em seguida, o quadro de pústulas (as lesões). É preciso esperar que toda a crosta das lesões saía, porque essas ‘casquinhas’ na pele ainda têm vírus. Somente após isso a pessoa pode sair do isolamento. 

No entanto, existem dois antivirais potentes que ainda não existem no Brasil, mas já são licenciados para a varíola do macaco na Europa. 

“Eles foram licenciados há pouco tempo, pensando já em termos de biodefesa. O vírus da varíola tem potencial para ser arma biológica, por isso a OMS controla muito bem, estuda muito. Justamente por essa preocupação, os antivirais foram construídos com essa finalidade mas, por enquanto, não houve necessidade”, acrescenta a pesquisadora. 

A vacina da varíola, por sua vez, protagonizou episódios importantes desde que foi criada, em 1796. Para começar, foi a primeira vacina de vírus atenuado já criada no mundo. Foi ela o alvo da Revolta da Vacina, em 1904, no Rio de Janeiro, por exemplo. Na época, parte da população se recusava a se vacinar na campanha de imunização obrigatória coordenada pelo sanitarista Oswaldo Cruz. As pessoas tinham medo de efeitos colaterais, graças a mentiras e informações falsas na época. 

Desde meados da década de 1970, porém, ninguém mais foi vacinado contra a varíola no Brasil e no mundo, com exceção de grupos específicos. Esse foi o caso de alguns militares, nos Estados Unidos, depois do 11 de Setembro, por exemplo.

Agora, a vacina contra a varíola também pode ser uma estratégia contra a varíola do macaco. Ela chega a ser 85% eficaz contra a doença. 

“A vacina provavelmente vai ser indicada para determinados grupos da população. Não tem necessidade para a população como um todo, mas para pessoas de laboratório, pesquisa e diagnóstico; pessoal da linha de frente nas emergências e urgências e, principalmente, para os contatos de risco e pessoas imunossuprimidas”, lista. 

 

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