Um dos compositores mais conceituados na música baiana, Gerônimo Santana celebra 70 anos de vida e 50 anos de carreira em 2023. Ao longo desses anos, ele sempre primou por compor e cantar músicas de qualidade, nunca apelando para palavrões e nem usando linguagem chula para atingir o público. Não é à toa que nomes como Maria Bethânia e a saudosa Gal Gosta gravaram e cantaram algumas de suas canções.
Apesar de dizer não ligar para o fato de completar sete décadas de vida, a serem celebradas em 26 de junho, Gerônimo não vai deixar a data passar em branco. Nos dias 20 de janeiro e 10 de fevereiro, ele faz duas apresentações no Pátio Viração – ambiente à beira mar do Rio Vermelho – a partir das 22h. No dia 20, o show contará com a participação especial do Cortejo Afro.
Em conversa com o Baú do Marrom, Gerônimo celebra o fato de ter ultrapassado os 50 e os 60 anos, manifestou o desejo de poder fazer um registro audiovisual, descartou a possibilidade de retornar os ensaios na escadaria da Igreja do Paço e disse que o que chamamos hoje de axé music já vem de muitos anos: “Dorival Caymmi é axé music. Como Assis Valente também é axé music”.
BAÚ DO MARROM – Vários artistas da cena axé já ultrapassaram os 50 anos e continuam na ativa a exemplo de Bell Marques (70), Margareth, Brown, Luiz Caldas (60). Em 2023 é você quem chega aos 70, também trabalhando muito. Como é para você comemorar data tão importante?
GERÔNIMO – Eu já ultrapassei os 50, os 60 e estou chegando nos 70 e, para mim, não significa nada, o tempo não existe.
BÁU DO MARROM – Você pretende comemorar de que forma? Algum projeto audiovisual, um show?
GERÔNIMO – Pretender a gente sempre pretende. Agora, se eu obtiver a oportunidade de fazer um trabalho audiovisual é melhor ainda porque é o registro que fica de uma pessoa que está nadando numa correnteza que muitas vezes ela se torna a favor e algumas vezes ela se torna contra. Mas isso, para mim, mais uma vez não significa nada. O importante é estar vivo e operar.
BAÚ DO MARROM – E o projeto que você fazia na Escadaria do Paço? Pretende retornar?
GERÔNIMO – Não, de maneira alguma, porque toda coisa boa não se repete. Se eu voltar a fazer na escadaria tem de ter por trás de um grande apoio, uma pessoa irresponsável, um louco, pensando que aquilo vai acontecer da mesma forma como aconteceu. A escadaria foi um projeto em que eu quis preservar a minha arte, preservar a minha cultura, preservar a música popular baiana porque está deteriorada. Você pode observar que hoje as pessoas só falam em pica, cu e buceta.
BAÚ DO MARROM – Entre tantas composições que você compôs sozinho ou com parceiros estão Jubiabá, Eu Sou Negão, Agradecer e Abraçar, Lambada da Delícia e É D´Oxum. Você acredita que É D´Oxum seja seu maior sucesso?
GERÔNIMO – Sim. É D´Oxum, se ela não fosse sucesso, não seria cantada até hoje. Não só por mim, mas por vários colegas meus, artistas, cantores, compositores. Eu não sei mensurar esta música com uma outra, mas É D´Oxum sempre se destaca, o que eu posso fazer?
BAÚ DO MARROM – Quais os artistas gravaram suas composições? E qual a que mais você gostou?
GERÔNIMO – É difícil dizer, mas a Gal Costa e a Maria Bethânia, essas duas pessoas, divas da música popular brasileira e divas internacionais. Todas as duas, cada uma com o seu valor. Bethânia gravou Salve as Folhas com uma dignidade, com uma honra que só uma mulher como ela faz. E faz o tempo todo. Toda vez que ela canta Salve as Folhas pra mim é sucesso. E Gal Costa, essa pessoa maravilhosa, essa voz inimaginável, que nunca vai aparecer uma voz parecida com a de Gal, cantando É D´Oxum. O que é que eu quero mais?
BAÚ DO MARROM – Como foi sua experiência no cinema?
GERÔNIMO – Eu sou ator desde quando eu nasci. Porque a arte de ser ator para mim é fazer do outro o que você não é. É você colocar um ser humano dentro de você o qual não é você. Ele pode ser triste, pode ser perigoso, ele pode ser chicanista. Então, todos estes elementos estão dentro de mim. E trabalhar no cinema é uma diversão. Se torna às vezes chato porque você repete, repete, repete, repete, mas, no final, fica tudo bonito.
BAU DO MARROM – Um dos pioneiros da cena axé que conquistou o Brasil, que balanço você fez desse movimento que está ai há mais de 35 anos?
GERÔNIMO – Pioneiro no axé começa lá atrás, muito antes de mim. Como Dorival Caymmi, que é axé music. Como Assis Valente, que é axé music. O nome é recente, mas o que se faz, o que se produziu e o que se produz aqui na Bahia, tudo vem da pele negra. O samba, por exemplo. O samba nasceu na Bahia e com Tia Ciata, que foi para o Rio de Janeiro com mais duas mulheres, elas implantaram, elas influenciaram, elas promoveram aquela negritude carioca que não sabia para onde ia. Não que eles fossem ignorantes, mas eles eram velados de fazer qualquer coisa da cultura deles. E Tia Ciata foi quem mais influenciou, mais fez com que a Música Popular Brasileira tomasse força. Então, eu sou uma pessoa que venho do axé deles e o que eu faço talvez um dia seja uma obra prima e isso dê renda para minha família, para meus filhos, meus netos. No momento agora, eu já estou há mais de 50 anos na cabeceira da pista aguardando decolar e eu não sossego, toda hora eu boto gasolina no meu avião e fica a porra da gasolina subindo, e eu fico metendo a gasolina e nada de autorização para decolar. Mas eu vou botar pra fuder.