Roberto de Oliveira Campos (1917-2001) foi um dos mais brilhantes pensadores da intelectualidade brasileira. Do grego à matemática, acumulou uma vastidão de conhecimentos que lhe proporcionava solidez lógica da argumentação, polemista exuberante com o tempero ardente e impiedoso da ironia.
Na legislatura de 1991-1994, a sorte me proporcionou exercer o mandato de Deputado Federal no mesmo quadriênio e admirar, nas comissões temáticas, o parlamentar que defendia, com destemor, teses malditas pelo atraso ideológico que o ofendia, no mínimo, como “entreguista”, versão rastaquera, de BOB FIELD.
No campo das ideias, jamais usou a falsa modéstia. Devolvia ao adversário a elaborada dialética do saber consistente. Ao reconhecer a necessidade de “abandonar a chupeta das utopias – confessou – fui um bom profeta. Pelo menos, melhor que Marx. Ele previra o colapso do capitalismo; eu previ o contrário, o fracasso do socialismo”
Com rara coragem cívica afirmou: “Cometi o único pecado que a política não perdoa: dizer a verdade antes do tempo: no Brasil a Res Publica é cosa nostra”.
De fato, o maior de todos os bens – a democracia – construída e bravamente defendida pelos brasileiros, correu o grave risco de ser capturada pelo populismo autocrático associado à profanação patrimonialista. A sociedade e as instituições democráticas responderam à altura a ameaça concreta.
Restou um cansaço social. O povo mergulhou na catarse momesca e, enquanto as avenidas se banhavam de alegria, ainda que efêmera, a política voraz disputava nacos de poder: a dimensão fisiológica da “mamãe eu quero”; e, de outra parte, nunca se tocou tanto: “ei, você aí, me dá um dinheiro, aí”, a dimensão do destino ideológico do Banco Central.
Se vivo fosse, o fleumático Roberto Campos estaria contrariado. Passou a entender que “neto é filho com açúcar”, uma teoria muito mais simples de ser compreendida do que as teorias jovens e antigas sobre as relações entre moeda, crédito, taxa de juro, metas de inflação, teto de gastos, cambio flutuante, Banco Central autônomo, Nova Matriz Econômica e o grito raivoso “neoliberal” – a aplicação da malvadeza ilimitada dos ricos contra os pobres.
O Neto não quer briga. É discípulo de Lula no quesito: “quando um não quer dois não brigam”. Mas a turma da pesada quer eleger um inimigo do povo, o rentista o juro alto e vários bodes expiatórios a exemplo de baixo crescimento, desemprego, inflação alta, em permanente atrito.
Não entendo do assunto, mas se houvesse uma reunião com Lula (sem a chibata da Selic na mão), Roberto, o avô, Haddad e Campos, o Neto, eles chegariam ao primeiro consenso do governo: tem que dá certo, senão a extrema-direita volta.
Gustavo Krause foi ministro da Fazenda