O pleito a se realizar neste domingo será o mais simbólico da era de transição em que vive o país. O imenso volume de significados que as eleições presidenciais exprimem colocam o país diante do dilema: se não der o passo adequado, o Brasil tende a perder o bonde da história, que, mais uma vez, passará em sua frente.
Perder o bonde da história quer dizer: tende a se isolar no contexto das Nações; ameaça romper com os ditames de seu sistema democrático; sinaliza um direcionamento na trilha do autoritarismo, de viés conservador e sob a égide do estamento militar; esfrangalha a moldura partidária; embaralha as cartas sobre a mesa e, sobretudo, alarga o fosso entre as bandas da sociedade, destilando ódio e apregoando vingança, entre outros impactos.
Este cenário, com fortes sinais de devastação ciclônica, não quer dizer, por sua vez, que Luis Inácio Lula da Silva, ex-presidente da República e líder populista, seja a salvação da Nação, o ente providencial que desce dos Céus trazendo a bandeira da felicidade. Não.
Certamente, porém, ele tem noção do significado maior de eventual vitória: uma espécie de pacto de bom senso, um acordo que permitirá conciliar os contrários, mãos estendidas para partidos e entidades, enfim, um traço de união que se faz necessário para irrigar o país com as águas da paz social.
Para tanto, urge interpretar que Lula da Silva não terá a votação que as pesquisas indicam apenas pelo fato de ser petista. Densos contingentes eleitorais estarão lhe dando carta de endosso, sob a crença de que não faça do governo uma redoma, a preservar quadros e líderes, nem transforme a administração federal numa igrejinha, cujos fiéis pertençam à seita petista.
Este foi um dos maiores erros do ciclo do PT no centro do poder. Não poderia ter construído uma muralha dividindo a comunidade entre os grupos do “nós e eles”, abrindo cisões e buracos na teia social. Não poderia fazer do provérbio de Mateus o lema de sua conduta: “primeiro os meus, depois os teus”.
Por isso mesmo, o país não conseguiu, nas últimas décadas, dar firmeza aos seus pilares institucionais, puxando um cabo de guerra que desestabiliza vãos e desvãos do edifício democrático. Os partidos também levam sua parcela de culpa por terem aceito um jogo com regras inspiradas nas sandálias de São Francisco: é dando que se recebe. O Brasil está a merecer uma cartilha democrática que seja imune às pressões e contrapressões e que afaste qualquer ameaça de índole ditatorial.
Enquanto não se firmar um pacto republicano, ancorado no ideário das liberdades e da livre iniciativa, estaremos navegando em águas revoltas, que podem jogar a nau sobre rochedos.
Esse é o desenho da moldura representada pelas eleições de domingo. Não pense o eventual vitorioso do processo que poderá jogar no lixo a lista de compromissos que a sociedade lhe impõe. Não pense em restaurar a sombra de um lulopetismo que acolheu mazelas e construiu cantos e recantos para os comensais do poder.
É hora de arquivar as velhas clivagens – a luta de classes, por exemplo -, e passar a usar uma nova linguagem. Que tal a expressão do profeta Zaratustra, a quem Nietsche conferiu a ideia de anunciar um novo tempo? “Novos caminhos sigo, uma nova fala me empolga; não quer mais o meu espírito caminhar com solas gastas”.
Aos líderes e figuras eminentes da representação institucional, que se alinharam a essa corrente de pensamento e cujos compromissos são publicamente anunciados, resta o dever de cobrar do futuro Chefe de Estado e comandante da máquina administrativa, o cumprimento do lema que deve inspirar a nova ordem: resgatar a credibilidade do Brasil.
Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista e professor titular da USP
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