São Paulo — Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer, são estimados 73.610 novos casos de câncer de mama em cada ano do triênio entre 2023 e 2025. No estado de São Paulo, são estimados 20.470 novos casos nesse período. Para além da reconstrução da mama, muitas das mulheres que enfrentam a doença optam por fazer tatuagens de desenhos no seio ou até mesmo micropigmentação de aréola após a cirurgia.
Artista plástica, Stella Nanni decidiu fazer, em 2015, um curso de tatuagem ao lado de seu filho. Juntos, os dois montaram um estúdio em Campinas, no interior de São Paulo. Vinda de uma família com muitos médicos, ela sempre quis descobrir um meio de ajudar as pessoas por meio da arte. “E a gente [ela e o filho] se encontrou nesse projeto de cobertura de cicatriz”, contou.
“Não é só uma sessão de tatuagem, é uma transformação de vida”, relatou a tatuadora ao Metrópoles.
O estalo que a fez focar também em mulheres com câncer de mama veio depois de uma tia, que teve a doença e, após muitos anos, quis fazer uma reconstrução dos seios.
“Ela deu um relato falando que nunca imaginou como uma tatuagem ia mudar a vida dela e, nesse momento, eu e meu filho nos olhamos e falamos: ‘é isso, faz todo o sentido agora’”, disse, se referindo à tia.
Além do estúdio que fica em Campinas, Stella e o filho também criaram um projeto móvel. Com o “Truck”, eles conseguem viajar e atender um número maior de pessoas. Os dois chegaram a fazer uma turnê pela América do Sul, que passou por São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis, Curitiba, Porto Alegre, Punta del Este e Colonia del Sacramento, no Uruguai, e Buenos Aires, na Argentina.
Em 2022, mãe e filho fizeram uma viagem que passou por São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Salvador. “A gente tatuou mais de 90 mulheres só nessa turnê”, revelou. Após o tour, eles foram convidados a dar um seminário sobre reconstrução de aréola e mamilo na Escola Europeia de Tatuagem, em Barcelona.
Como funciona
Stella explicou ao Metrópoles que a maioria das mulheres que tiveram câncer de mama perdem um pouco a sensibilidade, então é possível que a dor seja mais tranquila. Ela e o filho criaram um método chamado “Nanni Ink”, no qual observam exatamente como aplicar a tinta em cada um dos casos. Ela contou que, por exemplo, uma pele que recebeu muita radioterapia fica um pouco mais fibrosa, então é mais difícil de fazer a aplicação.
Nos casos em que as mulheres que tiveram câncer de mama fazem a tatuagem para a reconstrução do mamilo, há um processo para fazer acertar a cor da aréola. Algumas mulheres só tiram um lado do seio, então a tatuadora “imita” a cor do outro lado, com tintas em cores em variados tons de pele. Quando não há aréola nem mamilo em nenhum dos lados, ela cria a cor com base na tonalidade da pele da pessoa.
Só se pode fazer a tatuagem um ano depois da reconstrução e de todas as cirurgias necessárias. Além disso, a mulher não pode estar mais em tratamento médico.
Relatos
Stella contou ao Metrópoles sobre os dois casos que mais a marcaram entre os trabalhos que já realizou. Ela contou sobre uma mulher que, logo após ter feito a reconstrução, saiu do estúdio e a primeira coisa que fez foi comprar um espelho. “Ela não tinha espelho em casa, fazia cinco anos que ela não conseguia se olhar no espelho”, contou a tatuadora. “Para a gente, é super emocionante imaginar a mudança na vida [das pessoas]”, relatou.
Outro caso que foi marcante foio de uma mulher que, ao chegar no estúdio, estava toda fechada, mal falava, não quis dar depoimento nem falar nada. Ela fez tatuagens florais nas duas mamas da mulher, com desenhos que deixavam mais harmônico e amenizavam a diferença de altura entre um seio e outro. Segundo Nanni, a moça estaria pensando em tirar sua vida, não conseguia se olhar no espelho, não tinha mais alegria, nem autoestima ou autoconfiança.
“Na hora que acabou a tatuagem, quando ela se viu no espelho, abriu os braços, sorriu e ficou outra pessoa completamente, ela disse que estava se sentindo linda e que queria viver”, contou a profissional. “Se a gente consegue fazer a diferença em uma vida de um jeito tão fundo que a pessoa volte a ter alegria de viver, isso não tem preço. Isso compensa tudo.”
Dermopigmentação
Formada em administração de empresas, a esteticista Aline Maris decidiu mudar de carreira em 2022 e se tornou especialista em dermopigmentação paramédica. Com muitos parentes que fazem tratamento para câncer e por ela própria conviver com nódulos mamários, a esteticista relata que sempre teve uma “conexão” com a doença.
“Quando conheci e aprendi a técnica de reconstrução e harmonização das aréolas, senti que poderia transformar essas vivências pessoais em algo poderoso e positivo para outras mulheres”, disse ao Metrópoles.
Aline faz trabalhos voluntários para mulheres que passaram pelo câncer de mama. Ela participa da ONG Vilma Kano, em São Paulo, e do Instituto Doses de Amor, em Guarulhos, na região metropolitana. Através dos procedimentos que realiza, Aline busca ajudar mulheres a recuperar sua autoestima e confiança.
Como funciona
A profissional explicou que o processo de dermopigmentação das aréolas começa com uma avaliação detalhada da história clínica da paciente. É solicitado que a mulher informe sobre seu tratamento oncológico, dados das cirurgias, tipos de tratamentos realizados e o estado de saúde atual. Assim como no caso da tatuagem, é preciso que ela tenha finalizado completamente o tratamento contra o câncer de mama.
É preciso também entender como a pele cicatrizada está atualmente. Aline observa detalhes como a textura e a espessura do local, para determinar se fará uma reconstrução completa ou a harmonização das aréolas já existentes. No dia do procedimento, é preciso medir as mamas, verificar o estado das aréolas, a presença de mamilos, ranhuras e tubérculos de Montgomery.
Além disso, no dia da dermopigmentação, é feita a escolha das cores que serão utilizadas durante o procedimento. “Esse é um dos momentos mais importantes do processo, pois é aqui que definimos o tamanho, a forma e os detalhes estéticos que o paciente deseja”, explicou Aline.
Para a esteticista, a escolha das cores é um ponto crucial. Ela utiliza a colorimetria para definir as tonalidades exatas que serão aplicadas. Se uma paciente ainda possui uma aréola existente, ela se baseia na cor natural dela para reproduzir a tonalidade. Nos casos em que não há nenhuma aréola original, a paciente pode escolher a cor que mais lhe agrade, optando por tons mais claros, mais escuros, tonalidades mais marrons ou rosadas.
Segundo ela, o processo é fundamental para criar um efeito natural e realista na reconstrução das aréolas. A etapa envolve uma mistura de diversas cores de pigmentos de tatuagem para alcançar a cor desejada, levando em conta o tom de pele da paciente e as sutilezas que uma aréola natural possui, como as variações de tons mais rosados, amarronzados ou até acinzentados.
“Em muitos casos, utilizo mais de cinco tonalidades diferentes de pigmentos, já que cada aréola é única e tem sua própria identidade, temos muitas variações de cores e nuances e por isso o estudo de cores é imprescindível para realizar este procedimento”, revelou.
Aline explicou que o processo da dermopigmentação areolar pode causar desconforto, mas é muito menos dolorido do que uma tatuagem tradicional. Ela também ressalta que, em grande parte das vezes, há perda de sensibilidade nas pacientes que passaram por cirurgias mamárias.
Apesar de parecer um procedimento simples, a profissional explica que existem pré-requisitos que precisam ser observados antes de uma mulher com câncer de mama realizá-lo. Além de não estar mais em tratamento e ter completado um ano da última cirurgia, é necessário ter certeza de que o organismo cicatrizou perfeitamente.
Aline também informou que, para realizar o procedimento, as mulheres não podem possuir doença autoimune e, se tiverem diabetes ou hipertensão, as condições devem estar controladas. O médico que acompanha a paciente também deve estar ciente da vontade dela de fazer a dermopigmentação e liberá-la para fazê-lo.
Cirurgia de reconstrução
Sabrina Khalil é cirurgiã plástica desde 2011 e, desde o início de sua carreira, se especializou na reconstrução mamária para mulheres com câncer. Para ela, a possibilidade de restaurar a autoestima e qualidade de vida dessas mulheres sempre a atraiu. “É uma área que vai além da estética, tem um impacto emocional e psicológico profundo”, afirmou.
A médica realizou sua primeira reconstrução de mama em 2014 e relatou que foi um momento marcante em sua carreira, por ver o impacto positivo no bem-estar da paciente e por poder proporcionar a ela a chance de se sentir completa novamente.
“Uma paciente, ao se olhar no espelho após a reconstrução, disse que finalmente se reconhecia novamente. Isso me lembrou do impacto que essas cirurgias têm, não apenas no físico, mas na alma de quem passa por esse processo”, contou ao Metrópoles.
Como funciona
Segundo Sabrina, o processo envolve diferentes técnicas, que podem variar conforme o caso. Com o avanço da medicina, ela afirma que os métodos de hoje são menos invasivos e o desconforto é minimizado. Porém, como qualquer cirurgia, há o período de recuperação, que não é fácil.
Após fazerem a cirurgia de reconstrução da mama, muitas pacientes optam por fazer a micropigmentação da aréola, que é um procedimento simples e que traz ainda mais naturalidade ao resultado. “Isso ajuda na recuperação emocional e na sensação de normalidade”, disse.
Para realizar o procedimento, cada caso precisa ser avaliado individualmente. É preciso considerar o tipo de câncer, o estágio da doença e as condições de saúde da paciente. Khalil sempre faz questão de discutir todas as opções com a paciente para garantir a escolha mais adequada.
Ela ressaltou que a reconstrução não restaura a função original da mama, como, por exemplo, a amamentação, mas que o procedimento vai muito além da estética. Para Sabrina, ele tem um papel crucial na recuperação emocional e psicológica das mulheres que travam a batalha contra o câncer de mama.