Uma manhã no bairro do Comércio pode revelar um pouco mais de Salvador e das pessoas que nela vivem. Nos prédios da época da colônia e rastros de histórias em ruínas, é possível enxergar as transformações urbanas e sociais da primeira capital do Brasil. Durante quase duas horas, na tarde deste sábado (29), um grupo de 65 pessoas passeou pelas ruas da região, como parte de um projeto que quer incentivar a valorização do bairro e intensificar o sentimento de identificação dos soteropolitanos com aquele território.
O propósito da aula guiada foi mostrar por meio da arquitetura como o bairro do Comércio é o retrato de vários tempos. A ação teve os apoios do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB) e da Historart Consultoria. Os participantes foram alunos do curso “Salvador e a Bahia: Iconografia & História”, do IGHB, e estudantes trabalhadores do Comércio, o bairro onde Salvador começou.
Foi no Comércio, por exemplo, que desembarcou a família real que aportou no dia 22 de janeiro de 1808, fugida da Europa. Até hoje, a região é onde está o principal porto de mercadorias e pessoas da capital baiana. Mas o protagonismo, enquanto bairro, ficou no passado.
Rafael Dantas, de branco, e alunos (Foto: Bartolimara Souza Daltro) |
Nos anos 60, Salvador viveu um novo processo de descentralização, a partir da criação do Centro Administrativo da Bahia (CAB) e a migração de órgãos governamentais para o Norte da cidade. Na década seguinte, a expansão da cidade, com a consolidação da região conhecida como Iguatemi, também causou impacto direto no bairro.
“O Comércio é um lugar de encontros, que mostra a evidência de Salvador com o mar. Exatamente onde temos, por exemplo, a Praça da Inglaterra, tínhamos o mar, tudo foi aterrado depois. O Comércio é um lugar que une o antigo com o novo, une diversos exemplos da arquitetura e mostra a potência da cidade no turismo. Essa atividade é uma tentativa de estimular o pertencimento dele para todas as pessoas”, explicou Rafael Dantas, criador da Historart.
Rafael, que também mestre em História pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), foi o guia do grupo de alunos e entusiastas. A aula teve início na sede da Associação Comercial da Bahia, às 9h30 do último sábado. A Polícia Militar (PM) acompanhou o trajeto.
Ao todo, 65 pessoas completaram o percurso, que seguiu para a Praça da Inglaterra e a Ladeira da Montanha. A professora aposentada Fátima Sales, 67, foi uma das alunas.
Para ela, olhar uma cidade, reconhecer-se nela no presente, requer uma atenção às marcas do passado. E o bairro do Comércio pode ser fundamental nessa busca, acredita ela.
“O Comércio precisa ser mais cuidado, mas ainda assim vislumbramos toda uma riqueza do passado e do quanto, no presente, precisamos nos sentir pertencentes a este lugar”, disse ela, que é aluna do curso do IGHB.
Durante o passeio, ficou emocionada ao ver uma obra de Portinari, aberta ao público na Associação Comercial da Bahia. “Costumo estimular também as pessoas para verem de perto nossas riquezas e conhecerem nossa história”, contou.
O prédio onde Fátima se emocionou já em uma aula em si. Inaugurado em 1817, em estilo neoclássico com projeto do arquiteto português Cosme Damião da Cunha, o edifício sedia em exposição permanente a Maquete de Salvador (idealizada pelo arquiteto Assis Reis, a obra está em processo de tombamento como patrimônio cultural e histórico).
No próximo sábado, dia 6 de maio, acontecerá mais uma edição do projeto, a partir das 10h, na Biblioteca Pública da Bahia. Os passeios seguem nos dois sábados seguintes, no Centro Administrativo da Bahia e, por último, na sede do IGHB. Não há necessidade de inscrição, é só chegar.
3 PONTOS PARA CONHECER MELHOR O COMÉRCIO
Associação Comercial da Bahia: O prédio onde se abrigou a Associação Comercial da Bahia foi inagurado em janeiro de 1817, em um terreno cedido pela Corte portuguesa. Projetado pelo arquiteto português Cosme Damião da Cunha, tem estilo neoclássico. O palácio possui duas portadas em mármore, com inscrições em memória a D. João VI.
Prédios da subida da Ladeira da Montanha (1912 e 1920): A Ladeira da Montanha possui exemplares de estruturas arquitetônicas no início do século 20. Naquela época, a ladeira ficou conhecida pelos cabarés locais, onde os marinheiros aportavam quando chegavam na capital baiana, pelo porto.
Prédios do século 19: Pelas ruas do Comércio, há tanto exemplares da época do império português no Brasil. Para Rafael Dantas, são “peças de resistência para entender as transformações da cidade de Salvador”. Um dos marcos é o casarão em frente à Praça do Conde dos Arcos onde funcionou, por 107 anos, o tradicional (e fechado desde 2021) Restaurante Cólon.