Ministros avaliaram que argumento contribui para a naturalização da violência doméstica e que não poderá ser utilizado em nenhuma fase do processo penal, sob pena de anulação
Carlos Moura/SCO/STF
Relator do caso, Dias Toffoli afirmou que tese é um “recurso argumentativo/retórico odioso, desumano e cruel”
Nesta terça-feira, 1º, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram de forma unanime que a tese da legítima defesa da honra contraria os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero. Dessa forma, a Corte determinou que o argumento não poderá ser utilizado em nenhuma fase do processo penal, nem durante o julgamento perante o Tribunal do Júri, sob pena de anulação. O julgamento foi iniciado em junho e finalizado nesta terça-feira, 1º. O voto do relator, ministro Dias Toffoli, defende que a infidelidade em relações amorosas se insere no âmbito ético e moral, dando o direito de agir com violência. Ele afirmou que a “legítima defesa da honra” não é, tecnicamente, legítima defesa e sim um “recurso argumentativo/retórico odioso, desumano e cruel” utilizado pelas defesas de acusados de feminicídio ou agressões para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões. O ministro apresentou dados estatísticos que atestam o aumento dos casos de feminicídio no Brasil nos últimos anos. Na avaliação de Toffoli, o uso da tese ilegítima é um ranço que contribui para a institucionalização da desigualdade entre homens e mulheres e para a tolerância e a naturalização da violência doméstica.
O ministro Alexandre de Moraes acompanhou o voto e destacou que o argumento da legítima defesa da honra remonta ao Brasil colonial e que tem fortalecido um discurso que considera a honra masculina como bem jurídico de maior valor que a vida da mulher. Luís Roberto Barroso classificou o argumento como a “lastimável e preconceituosa tese”. Já Cármen Lúcia analisou que a tese não tem amparo legal e é “uma forma de adequar práticas de violência e morte à tolerância vívida na sociedade aos assassinatos praticados por homens contra mulheres tidas por adúlteras ou com comportamento que fugisse ou destoasse do desejado pelo matador”. O ministro Fuz considerou que os números em relação à violência contra a mulher comprovam que a cultura machista e misógina ainda impera no país e “coloniza as mentes de homens e mulheres, seja de modo refletido ou irrefletido, consciente ou pré-consciente”. Por fim, Gilmar Mendes também considerou inadmissível a utilização da tese, “pautada por ranços machistas e patriarcais que fomentam um ciclo de violência de gênero na sociedade”. O julgamento foi movido a partir de uma ação do Partido Democrático Trabalhista (PDT) que sustenta que Tribunais de Justiça ora validam, ora anulam vereditos do Tribunal do Júri em que réus processados por feminicídio são absolvidos com base na tese. Segundo a argumentação, a tese passa a mensagem de que é legítimo absolver réus que comprovadamente praticam feminicídio com base nesse fundamento.