O mundo está de luto pela morte da rainha Elizabeth II, ocorrida nesta quinta-feira (8/9). Todos clubes da Premier League prestaram homenagens à monarca em suas redes sociais. Uma publicação, entretanto, gerou polêmica. Boa parte dos torcedores do Liverpool não ficaram satisfeitos com a homenagem prestada.
A relação entre o Liverpool com o restante da Inglaterra sempre foi um caso à parte. A terra dos Beatles tem identidade própria: cultura local, sotaque e culinária, por exemplo. Muitos outros fatores históricos contribuem para que a torcida repita sempre a frase “We are not english, we are scouse” – em tradução direta “não somos ingleses, somos scouse (nome dado aos moradores de Liverpool)”.
Em termos políticos e sociais, os moradores sempre se sentiram deixados de lado pela Coroa e Parlamento ingleses. Liverpool foi e ainda é uma cidade operária, da indústria e do porto, que teve, no início do século XIX, alguns acontecimentos que serviram para moldar sua formação social.
Durante o período chamado Grande Fome, ocorrido na Irlanda entre 1845-1849, vários imigrantes irlandeses chegaram a Liverpool e foram acolhidos pelos ‘scousers”, o que não repercutiu bem no restante do país. Os moradores locais passaram a ser rotulados como “traidores da nação”.
MARGARET THATCHER
Em 1979, com a chegada da “Dama de Ferro” Margaret Thatcher no Parlamento, a relação entre Liverpool e o resto da Inglaterra atingiu seu ápice de divergência. Para muitos nativos da cidade, a figura de Thatcher representou um dos maiores pesadelos.
Isso aconteceu porque todas as raízes de imigrantes, operários e sindicalistas que existiam na cidade naquele período – e ainda existem – iam na contramão do que a ex-primeira-ministra defendia. E era óbvio que a cidade não deixaria suas origens de lado.
Durante o tempo que ficou no poder, Thatcher cumpriu suas promessas e travou batalhas vitoriosas contra os sindicatos, privatizou inúmeros setores da indústria, o que causou desemprego e uma revolta gigante na população local.
Em 2011, foram divulgados documentos que afirmavam que pessoas do governo de Thatcher a aconselharam a deixar Liverpool “em declínio” e “não gastar recursos muito escassos com a cidade.”
Para a cidade dos Reds, os anos de Thatcher foram marcados por desemprego, repressão policial intensa e um distanciamento cada vez maior do resto da Inglaterra.
TRAGÉDIA DE HILLSBOROUGH
Outro fator determinante para relação entre o Liverpool e o resto do país foi a tragédia ocorrida no Estádio Hillsborough, em Sheffield, quando, em abril de 1989, 96 torcedores dos Reds morreram e mais de 800 ficaram feridos durante a partida entre Liverpool x Nottingham Forest válida pela semifinal da Copa da Inglaterra daquele ano.
Uma série de erros das autoridades causaram essa que foi uma das maiores tragédias da história dos esportes. Mas, durante muito tempo, o Liverpool e seus torcedores foram apontados como culpados e punidos pela mídia e autoridades, e atacados pelo resto da sociedade.
Segundos relatórios oficiais do caso, várias provas e documentos foram alterados para que não se achassem os reais culpados e a responsabilidade do acontecimento continuasse sob o LFC e sua torcida.
Em acordos feitos entre autoridades e repórteres, o jornal The Sun publicou, naquele mesmo ano, uma capa repleta de mentiras e alegações perigosas sobre o que os torcedores do Liverpool teriam feito durante a tragédia.
Fato que, mesmo após o jornal ter reconhecido o erro e pedir desculpas ao clube, fez com que o The Sun (um dos principais tabloides ingleses) parasse de ser vendido na cidade inglesa.
O descaso das autoridades, como Margaret Thatcher, em procurar os reais culpados pela tragédia foi a gota d’água para que a cidade de Liverpool passasse a se sentir diferente das outras cidades inglesas
Ainda que estes fatos tenham ocorrido há algum tempo, ainda é comum ocorrerem situações onde a torcida e o clube levantam a bandeira ‘scouser’. Um exemplo foi na final da Supercopa da Inglaterra deste ano, em que a torcida do Liverpool vaiou o hino nacional inglês antes do jogo.
O incômodo dos torcedores do Liverpool com a homenagem à rainha não diz somente sobre o que eles pensam a respeito da Família Real, mas sim sobre uma cidade que não se vê como parte da Inglaterra e que não deseja, mesmo com o passar dos anos, abandonar suas origens e esquecer de seu passado.