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Quem é Viviane Batidão, a rainha do tecnomelody que quer conquistar o Brasil

BELÉM, AL (FOLHAPRESS) – Por volta de 2017, Viviane Batidão decidiu subir suas músicas no Spotify. Sem saber que poderia ser remunerada pelas reproduções no streaming, ela passou três anos sem ver a cor do dinheiro.

 

“Um amigo, que se dizia amigo, subiu as faixas e botou a conta bancária dele. Fui roubada”, diz a rainha do tecnomelody. “Aqui você fazia música, saía soltando, nem em plataforma subia. Quando falo que o Brasil não consome nossa música, é verdade, porque a gente consegue sobreviver do que faz aqui -e vive bem.”

O show que ela fez no festival Psica, em Belém, no sábado (14), não deixa dúvidas. Viviane foi recebida com a pompa de estrela pop que ela tem no norte do país, e apresentou seu repertório de quase 20 anos de tecnomelody com números performáticos e a pirotecnia que o paraense adora, tudo para uma plateia magnetizada.

Mas ela é uma rainha dentro de um ecossistema musical autossuficiente, com códigos e um modo de funcionamento próprio, que não é feito para ser compreendido no resto do país. Mais que isso, sua obra e persona resultam dessa cultura, que ela agora quer levar ao Brasil sem se vender no meio do caminho.

“Eu estava muito conformada em fazer o que faço dentro do meu estado, para o meu público”, diz. “Fui muito clara com o escritório [que a contratou para tentar nacionalizar sua música]. Vamos expandir, mas não quero deixar de ser quem eu sou. Não quero me moldar para encaixar num padrão sulista. Minha missão é tentar levar o que de fato a gente consome aqui. Se não der certo, volto feliz. Mas se der, vai ser muito bom.”

Esse movimento ficou claro no último prêmio Multishow, em que Viviane saiu vencedora da categoria Brasil. Em seu discurso, ela se apresentou como representante “de uma cultura, um gênero e um povo”, posto que ela conquistou a partir de 2007, quando pegou a experiência de cantar na igreja, na escola e em bandas de baile em Santa Isabel do Pará para tentar criar uma música inédita.

“Mesmo sendo de um interior muito próximo à capital, eu era do interior e pobre. Tinha medo até de escada rolante e elevador”, ela diz. “Com uns 7 anos, eu ouvia muita cumbia, merengue, lambada e os ritmos aqui de cima. É diferente da galera do sul e sudeste. Por causa das aparelhagens, eu dormia e acordava ouvindo brega. Não tem como fugir de algo que está entranhado dentro do meu ser.”

Viviane, 40, tinha 20 e poucos anos e trabalhava numa loja vendendo lingerie quando um amigo chegou até ela com uma base instrumental. Ela compôs “Vem Meu Amor”, clássico do tecnomelody, sob os olhares da patroa e em poucos meses a música já era febre no norte.

A cantora estava na loja quando recebeu a ligação de um contratante de Macapá perguntando se ela era a Viviane, e se fazia shows. “Eram três shows por R$ 4 mil. Eu disse sim na hora! Trabalhava um mês para ganhar R$ 350”, afirma. Ela era tão tímida, diz, que contratou um cantor só para fazer a comunicação com o público nesses primeiros shows.

Contagiante, “Vem Meu Amor” é uma canção que poderia servir de definição do que é o tecnomelody. O estilo surgiu como um desdobramento do tecnobrega, que na virada dos anos 1990 para os 2000 transformou o brega paraense com batidas e um modo de fazer eletrônico.

Menos acelerado, com arranjos minimalistas de teclado e temas de romances, o tecnomelody já existia antes de Viviane. E encontrou um terreno fértil para se desenvolver na cidade da cantora, de onde vem Betinho Izabelense, DJ e produtor com quem ela trabalha até hoje, e referência no estilo.

Seu nome artístico veio de uma variante ainda mais específica do tecnomelody feito em Santa Izabel por bandas como AR-15 e Os Brothers, em torno de 2006. “Na época que lançamos essa batida, por ser um pouco mais pesada, os DJs falavam ‘solta o batidão’. Veio daí”, diz.

Lançando música atrás de música, e inserida no circuito das aparelhagens, Viviane ganhou atenção nacional em programas de auditório. Participou das atrações de Faustão, então na Globo, e do programa de Marcos Mion no SBT, mas nunca explodiu de fato no resto do Brasil.

Àquela altura, e na verdade até hoje em alguma medida, Viviane sequer se considerava uma grande cantora. “Acho que sou esforçada”, ela ri. “Sou cantora, mas vejo várias outras com muita técnica, e não consigo, tenho minhas limitações. Sou contralto, tenho uma voz mais básica, não consigo brincar muito de melisma.”

Por volta de 2012, já estabelecida, ela teve uma conversa com o produtor Carlos Eduardo Miranda, morto em 2018, que se tornou uma das pontes da música paraense com o resto do Brasil. O papo foi um divisor de águas para a construção de Viviane enquanto artista.

“Tem gente que canta muito bem e não consegue ser consumido. O teu problema de desafinar, isso você aprende com aula de canto”, disse Miranda, ela recorda. “Você tem algo que nem gente que canta bem tem, que é estrela. Isso você nasce, não aprende.”

Depois dessa conversa, Viviane correu para a aula de canto, e hoje é perceptível o domínio que tem dos microfones no palco, ainda que não faça tantas estripulias. Sua dedicação foi direcionada ao desenvolvimento estético de sua música e visual.

Parte do apelo da cantora é fazer versões em português de sucessos gringos na linguagem do tecnomelody. Viviane nunca faz tradução das músicas, e nem mesmo os arranjos se parecem com os originais. De certa forma, é quase como compor uma canção original, ainda que a partir de um esqueleto melódico já existente.

“Eu procuro nem ler tradução no Google. Quando fazia versão, queria entender aquela sonoridade, achar algo que se parecesse com uma palavra em português. A partir daquilo eu começava a montar a música. Só descobria a letra da música depois que a minha já estava estourada.”

Ela diz que sempre deu os créditos aos criadores, que incluem de Rihanna à cantora americana LP -no caso dessa última, transformou “Lost on You” no hit “Olha Bem pra Mim”. Viviane diz que não faz versões das músicas em espanhol que fazem sucesso no norte do país, e nem de músicas nacionais.

Abriu uma exceção para “Envolver”, de Anitta, que apesar de brasileira é quase toda cantada em espanhol. “Em castelhano, falam muito parecido com a gente, para mim fica muito cópia”, diz. “Já não vou ter muito trabalho, deixa eu pelo menos criar a letra.”

Ser uma artista pop no estilo de Beyoncé ou Madonna, ela diz, é seguir uma tradição paraense. “Para mim, Joelma é a maior artista pop do Brasil”, afirma. “Sou fã da Ivete, da Anitta, da Ludmilla, mas a Joelma vem do Norte e sabemos que existe um preconceito com o que fazemos aqui. Ela se manteve sendo respeitada, com identidade visual única -cabelo loiro, bota, coreografia, dançarinos. Poderia ter se rendido ao que vem de fora ou está na tendência, mas se manteve firme à identidade dela.”

A inspiração não está só nas botas gigantes que Viviane usou em seu primeiro show. Quando o tecnomelody entrou num momento de baixa, há cerca de dez anos, ela não abandonou o gênero. “Quase todas as bandas de tecnomelody começaram a gravar arrocha. Ficamos eu e AR-15”, diz. “Os cachês estavam desvalorizados, não tinha show.”

Ela não só atravessou a maré baixa como renasceu maior. Foi só depois da pandemia que a cantora aceitou a coroa de rainha -que, ela diz, foi dada pelo povo, e não por ela mesma.

Para ganhar o Brasil, Viviane precisa enfrentar também a maneira de distribuir música. No Pará, entrar no repertório de uma aparelhagem é fundamental para ter sucesso nesse segmento.

“Quando surgi, era o auge das aparelhagens. Eu e Betinho tínhamos uma demanda de 15 músicas por mês. A gente fazia, o dono da aparelhagem pegava e não subia em nada. Ficou tudo disperso.”

Hoje, Viviane calcula que possui um terço das cerca de 1.000 músicas que gravou na carreira. Há uns seis anos, ela teve de reaprender a cantar algumas músicas para fazer uma turnê no Mato Grosso. “O pessoal lá consumia as músicas que eu já nem lembrava”, diz.

A cantora levantou cerca de 70 faixas da época que fazia o batidão, sucessos inacessíveis para quem quer ouvir. Quer lançar essas músicas no streaming, mas teme que elas vão se perder na lógica dos algoritmos.

De qualquer forma, seu show está pronto para chegar em qualquer praça do país. Nos últimos anos, Viviane aumentou o cachê e passou a investir em estrutura de palco, coreografias e na criação de um espetáculo cênico em que não fica devendo nada para as divas pop do sudeste.

Mas o segredo para aproveitar esse momento de visibilidade da cultura paraense, próximo da COP30, ela diz, é não chegar sozinha. Se mais artistas da região estiverem fazendo sucesso fora, fica mais fácil para quem chega.

Mais do que alavancar um nome, o importante é reconhecer toda uma cultura, com suas idiossincrasias e modos particulares de existir.

“O topo não derruba a base. Mas a base derruba o topo. Se tu chegar sozinha lá, e te derrubarem, a base cai e o topo cai. Agora, se tu chegar lá em cima e levar um movimento junto, mesmo se tu cair, não derruba a base.”O jornalista viajou a convite do festival Psica

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