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Quem foi o Jesus Cristo de carne e osso?

A acidez e as duras críticas ao cristianismo antigo deram ao filósofo Friedrich Nietzsche a alcunha de “Anticristo”. O prussiano, de família luterana, sempre disse que não tinha nada contra Jesus, mas contra o que aconteceu depois da sua morte.  “O Evangelho morreu na cruz”, escreveu. Despidos de dogmas, cabe, a nós, uma reflexão. Será que, em sendo cristãos, praticamos, de fato, tudo aquilo que Jesus pregou? Se o Salvador ressuscitasse, neste domingo de páscoa, ele estaria satisfeito com nossos atos? Para conseguir chegar próximo de uma resposta, primeiro é preciso separar esse Cristo em dois: um é o Messias santo e o outro é o histórico, de carne e osso. 

Vida e obra de Jesus oferecem duas interpretações distintas. A do homem divino e intocável do cristianismo e a do Jesus que viveu entre nós. Sobre este último, pesquisadores tentam encontrar evidências de vida e obra, não no Reino do Céu, mas aqui na Terra. Muito além de sua fisionomia, historiadores buscam, também, entender a importância social daquele jovem galileu.

Para estudiosos do Jesus histórico, o Reino de Deus era, na verdade, uma transformação social e política que o Messias queria implantar, na época, e devia perdurar até os dias atuais. Ou seja, não se tratava do céu, mas da Terra mesmo. Era sobre seu povo, que sofria com impostos, miséria, dominação romana e elitista. 

“Este Jesus histórico, do ponto de vista da fé das pessoas, interessa pouco. O que vingou durante 2 mil anos é o Cristo Deus, que tem uma dimensão muito teológica. Um Jesus para quem vale a pena um indivíduo botar o joelho no milho e pedir pra resolver seus problemas. Contudo, o Jesus histórico, o judeu, este morreu na cruz”, conta Leonardo Chevitarese, doutor e professor de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autor do livro A descoberta do Jesus Histórico. 

Segundo pesquisadores, Jesus tinha uma consciência social e política aprimorada para a época. Antes mesmo dos milagres, esse camponês já acreditava que o mundo social, político e econômico no qual ele estava inserido não era um mundo que Deus havia projetado para seus filhos. Por analogia, podemos concluir que Jesus seria, nos dias de hoje, um ativista que luta contra o desmatamento, pelos pobres ou contra os maus tratos de animais. 
   
Contudo, naquela época o problema era apenas social mesmo. Escrituras do governo de Herodes documentam que camponeses pagavam três dízimos: para os sacerdotes do templo, para latifundiários e para para Roma. Então, se o produtor colhesse cinco cachos de uva, só ficaria com dois.  

A grande epifania que fez com que Jesus lutasse por justiça social, em nome de Deus, foi graças a um homem: João Batista, seu primo. Ele fez a cabeça do Filho de Deus, literalmente, principalmente após o batismo. João Batista era adorado, temido e bem exótico para sua época. Segundo a própria Bíblia, no livro de Marcos, João “tinha um vestido de peles de camelo, uma cinta de couro em roda dos seus rins e sua comida eram gafanhotos e mel silvestre”. João, certamente, andaria pelo Rio Vermelho ou Arembepe. No Evangelho de Marcos, milhares de pessoas, de diversas cidades, já seguiam essa figura que acabou ganhando um papel de coadjuvante na Bíblia. 

No Livro Jesus: Uma Biografia Revolucionária, de John Dominic Crossan, o historiador e teórico afirma que João Batista teve uma influência muito maior do que Cristo, naquela época. Inclusive, quando a fama de Jesus de curar leprosos e ressuscitar mortos chegou no ouvido de Herodes, o rei chegou a achar que se tratava de João Batista: “Este é João a quem eu mandei degolar e que ressurgiu dos mortos” (Mateus 5:16). O final não é nenhum spoiler. A esposa de Herodes pediu a cabeça de João numa bandeja. E conseguiu.

João Batista batizou Jesus e tinha mais influência que o próprio Cristo. Porém, acabou decapitado e colocado numa bandeja, a pedido da mulher de Herodes 

Troca de messias
Sai de cena João, entra Jesus de Nazaré, que já havia alcançado seguidores e apóstolos, enquanto Batista ainda estava preso e com a cabeça no lugar. Inclusive, a Bíblia mostra algumas passagens em que o Messias mandava discípulos visitarem João na prisão. 

Na região do mar da Galileia, Jesus já era notório, mas também provocava a elite da época, principalmente nos seus sermões na cidade de Cafarnaum e nas provocações contra os fariseus, um grupo elitista de judeus constantemente chamados de hipócritas pelo próprio Cristo. 

Em um dos sermões, também descrito no Livro de Marcos, Cristo deixa bem claro quem merece estar no Reino de Deus. “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça: porque eles serão fartos”. Jesus ainda emenda incluindo os pobres, mendigos, os que choram, além de misericordiosos e pacíficos. Isso tudo num período em que Roma dominava o território através do poderio militar. Não podia acabar bem. “Ele não se referia a quem subiria aos céus, mas a quem faria parte do Reino de Deus que seria implantado no agora, aqui na Terra. Com o sermão sobre este reino, ele finca quatro pilares: reino da justiça, da comensalidade, da paz, além dos homens e mulheres trabalhando juntos na construção deste reino”, lembra Chevitarese.

Em Jerusalém, Jesus expulsou comerciantes do templo sagrado. Naquele momento, o Messias se tornou uma ameaça clara aos romanos

Influencer
Imagine, agora, toda essa fama se espalhando pela região da Galileia até Jerusalém. Aos quatro ventos, comentavam sobre um homem afirmando ser filho de Deus, pregando a responsabilidade social, desafiando Roma e fazendo milagres. Isso, com dezenas de seguidores num tempo que nem tinha Instagram. Foi, justamente, nesse cenário que Jesus decidiu entrar em Jerusalém em plena Páscoa judaica. 

A Páscoa era a data mais festiva na cidade sagrada. Todos os judeus, da Europa à África, se encontravam no local que ficava abarrotado de gente, como Salvador em época de Carnaval. Nos evangelhos, os últimos dias do Messias são de muita agitação, incluindo o episódio onde ele quebra as barracas de venda que ficavam comercializando produtos no templo. Para Jesus, uma heresia contra Deus. Para os romanos, Jesus era um vândalo quebrando tudo. Esse comportamento o levou para cruz. 

Mas, imagine Jerusalém lotada de judeus em plena Páscoa e os romanos tentando manter a ordem. Promover a via crucis de um homem, com tal fama, carregando uma cruz pela cidade, sendo exposto ao seu próprio povo, não seria perigoso demais? Só que, apesar da fama, Jesus era uma pessoa comum para os romanos, que não faziam julgamentos dos supostos criminosos, pois não dava tempo. Era pegar e crucificar direto. Por isso, aquele ato em que Jesus quebra tudo no templo é considerado como motivo suficiente para a morte do Jesus histórico, misturado também com conspirações dos Fariseus. Mesmo assim, ninguém queria confusão. Nem o pequeno grupo de  judeus  traidores: “Não convém que isso se faça no dia da festa, por não suceder que no povo se excite algum motim” (Marcos 14:2). 

“Seria, por parte romana, chamar aquela sociedade para um conflito aberto. Tão surreal quanto imaginar um grupo de forasteiros batendo e humilhando baianos em pleno Carnaval de Salvador. Roma não teria nem soldado suficiente para segurar aquela multidão”, compara Chevitarese. “A ideia, então, foi capturar Jesus na madrugada, levar para fora da cidade e crucificar. Não há relatos de  romanos julgando os crucificados”, acrescenta. 

É, justamente, depois da crucificação que se vira a chave. O Jesus de carne e osso morre e surge o Salvador ressuscitado, que fazia milagres, morreu para nos salvar e um dia voltará. Um santo específico foi responsável pela mudança: São Paulo. De caçador de cristãos a fundador do cristianismo, foi ele quem ‘remodelou’ as ideias de Jesus, unificou o cristianismo primitivo e dominou o ocidente, começando por Roma, antes inimiga de Cristo. Também precisou esquecer aquele Messias histórico na cruz, deixando o aspecto de responsabilidade social para um segundo retorno à Terra, que até hoje não aconteceu.
 
“Esse Jesus histórico, com características revolucionárias, para se tornar o superstar que conhecemos, precisou ser domesticado. O elemento revolucionário de sua vida foi esvaziado e o que sobrou foi uma mensagem religiosa, através de um discurso salvífico de uma sociedade”, completa Chevitarese. Mesmo assim, há quem creia que aquele Jesus de carne e osso está entre nós e ainda podemos reaprender com ele. “A mensagem de Jesus é de solidariedade e aceitação incondicional, motivada pelo amor. Ele deixou esta semente. Porém, nos dias de hoje, podemos ver que as pessoas estão se desassociando deste sentimento de solidariedade, deste sentimento de caridade. Se Jesus voltasse? Ele lamentaria…”, disse o espírita José Medrado.

Segundo teólogos, Jesus teria sofrido abuso sexual antes da crucificação. Outros acreditam em agressão sexual no sentido do nu exposto

E se o Jesus histórico estivesse vivo, com quem andaria, nos dias de hoje? Pastor da igreja Batista e escritor, Henrique Vieira tem uma resposta: “Jesus está na criança que vai dormir com fome, na mulher violentada em casa, na trans apedrejada na rua. Eu me permito dizer que Jesus está aqui hoje, sim, se atualizando nesses corpos oprimidos”. Então, se Jesus frequentasse Salvador, hoje, dificilmente estaria nos bairros nobres. “Com quem Jesus se identificaria? Conforme suas próprias palavras, seria com os pobres, famintos, desempregados, doentes, presos, marginalizados, refugiados…. Ou seja, “os companheiros de Jesus, hoje, certamente seriam os abandonados e excluídos da sociedade”, como prega o reitor da Basílica do Senhor do Bonfim, padre Edson Menezes que defende, com muita fé, o principal ensinamento do Cristo de carne e osso: amor ao próximo.

Na última quinta-feira, o religioso promoveu, junto com a igreja, um almoço com os moradores de rua. O nome do evento? “Vamos almoçar com os Cristos de hoje”. Alguém duvida que Jesus esteve por lá?

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As faces de Jesus

Cabelo curto e sem barba

As primeiras figuras que retratam Jesus são do século 3 D.c. Na época, o cabelo longo em homem era reprovável e a figura do Messias lembrava esculturas romanas e gregas, com o cabelo curto e sem pelos. 

Cristo Pantocrator  

Sob influência bizantina, este retrato de Jesus era imponente, mas já trazia a barba e os cabelos longos. Porém, o olhar era sempre sério, mostrando poder divino. Nada de sorriso na pintura. 

Jesus nórdico

Este é o Cristo que perdurou durante anos. Cabelos lisos e longos, às vezes até aloirados e um olho azul em destaque. Este Jesus foi construído no renascimento, pois os pintores da época tinham como modelo os homens do norte da Itália, justamente com estes traços europeus característicos.

Jesus da ciência

Nem loiro, tampouco alto. Baseado em ossadas do século 1, arqueólogos descobriram que os homens no período de Jesus mal passavam dos 1.60 metros de altura. Com a tecnologia 3D, pesquisadores chegaram num possível rosto de Cristo: cabelos curtos, barba e pele morena, lembrando muito um cidadão comum no Oriente Médio.

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Mistérios do messias

Madalena  
Pouco se fala dela na Bíblia, que junta os evangelhos organizados pela igreja. Isso não significa que não tenham outros, conhecidos como apócrifos. Em um deles, há relatos de que Madalena era bem próxima de Cristo, inclusive sendo apóstola. Sobre a possível relação afetiva, nada de concreto.

Judas injustiçado
Outra polêmica. No Evangelho de Judas, também apócrifo, Iscariotes na verdade seria o braço direito de Jesus e não teria se matado. Segundo historiadores, a Bíblia acabou utilizando a figura de Judas como traidor para diminuir a culpa de Roma pela morte Jesus

Nascimento
Nem 25 de dezembro, tampouco Belém. A Bíblia não fala sobre a data do nascimento de Jesus.  A ideia dele nascer em Belém é para aproximá-lo do Rei Davi, que nasceu lá também. Porém, acredita-se que ele nasceu mesmo em Nazaré. Fugir para o Egito seria para colocar Jesus próximo de outro profeta: Moisés.

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