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Reforma, Marco Fiscal, juros, inflação, PIB: como foi 2023 na economia

Em novembro de 2022, cerca de um mês depois da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva na eleição presidencial, uma plateia formada por banqueiros, empresários e agentes do mercado ouviu uma palestra do ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação Fernando Haddad, na sede da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

Já apontado, na época, como o principal favorito para assumir o comando do Ministério da Fazenda no governo Lula, Haddad era visto sob forte desconfiança do mercado. Apesar do ceticismo geral, a fala do futuro chefe da pasta durante o tradicional Almoço Anual de Dirigentes de Bancos deu a senha sobre qual seria o norte da equipe econômica no primeiro ano de mandato do presidente eleito.

“O presidente Lula é muito objetivo em relação aos propósitos do seu terceiro mandato. A determinação clara do presidente Lula é que nós possamos dar uma prioridade total à reforma tributária”, anunciou Haddad. “O presidente tentou por duas vezes, ao longo de seus oito anos de mandato, inclusive com o apoio dos governadores, e encaminhou uma PEC para que promovêssemos a reforma, e não obtivemos êxito.”

Treze meses depois, em um cenário completamente distinto do ambiente hostil de novembro de 2022, foi promulgada a principal pauta econômica do novo governo – a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária, discutida por várias legislaturas durante mais de 30 anos, mas que jamais havia saído do papel. Gozando de confiança muito maior por parte do mercado, Fernando Haddad entregara, enfim, o que havia prometido a Lula, aos banqueiros e a si próprio.

O Metrópoles preparou uma breve retrospectiva sobre o ano de 2023 na economia brasileira, com os resultados dos principais indicadores do país – inflação, taxa de juros, desemprego e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) –, além do balanço sobre as propostas mais importantes que a equipe econômica conseguiu aprovar no Congresso. A seguir, confira como foi o primeiro ano do governo Lula na economia.

Reforma tributária A mais importante proposta econômica apresentada pelo Executivo ao Parlamento em 2023 foi uma das últimas a ser aprovada, em definitivo, pelos parlamentares. Depois de passar, em duas votações, pela Câmara, em julho, o texto teve de ser novamente analisado pelos deputados, em dezembro, após ter sofrido algumas modificações no Senado, onde também foi aprovado em dois turnos.

O cerne da proposta, idealizada pelo atual secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, é a extinção de diversos tributos federais, estaduais e municipais que incidem sobre bens e serviços, como ICMS, IPI, ISS, PIS e Cofins. Essas taxas serão substituídas pelo Imposto sobre Valor Agregado (IVA).

Em linhas gerais, esses cinco tributos serão substituídos por apenas dois: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), no lugar de PIS, Cofins e IPI, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), em substituição a ICMS e ISS. É o que se chama de IVA dual – ou seja, dois impostos sobre o valor agregado dos bens e serviços produzidos no Brasil.

O objetivo da reforma é simplificar a cobrança, diminuindo a incidência sobre o consumo e levando à uniformidade da tributação. Atualmente, o país convive com diferentes legislações federais que incidem conjuntamente com 27 regulamentos estaduais de ICMS e inúmeras normas de ISS (imposto municipal), editadas pelos milhares de municípios brasileiros – clique aqui para saber todos os detalhes e principais pontos da reforma tributária aprovada pelo Parlamento.

Em relação ao IBS, caberá a um Comitê Gestor atribuições como uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação do novo imposto, além de arrecadar o tributo, fazer as devidas compensações, distribuir o produto entre os entes da Federação e decidir o contencioso administrativo. Estados, o Distrito Federal e municípios estarão representados na instância máxima de deliberação do comitê (que terá 27 membros), de forma paritária.

Como mostrou o Metrópoles, essa é apenas uma das questões que ainda precisam ser definidas na reforma tributária, o que acontecerá por meio de leis complementares encaminhadas pelo governo ao Congresso. Elas servirão justamente para regulamentar o modelo de tributação no país.

As leis complementares devem detalhar como funcionarão as novas cobranças de impostos, além de definir a alíquota-padrão do IVA, que o governo estima em 27,5%. O Ministério da Fazenda espera enviar pelo menos três projetos de lei aos parlamentares a partir de março do ano que vem.

“É preciso entender que a reforma tributária é um jogo de soma positiva. Os estudos disponíveis mostram que a aprovação da reforma tende a ser positiva para praticamente todos os setores da economia brasileira. Isso sem considerar uma parte relevante de seus efeitos positivos sobre o crescimento econômico do país… Todos tendem a ser beneficiados”, disse Bernard Appy, em entrevista ao Metrópoles, em março.

“Acho que é uma construção política para mitigar resistências de determinados setores. A forma exata como isso será feito será discutida e definida pelo Congresso. Entretanto, é importante que se tenha a compreensão, no debate político, de que, por ser uma reforma que tem um efeito positivo sobre a economia como um todo, ela certamente trará um resultado positivo também para os setores que hoje acham que serão prejudicados.”

Apesar do número de exceções incluídas na reforma, com diversos setores beneficiados por regimes de tributação diferenciados, até mesmo os analistas mais críticos do governo reconheceram os méritos de Haddad na aprovação do projeto ainda em 2023.

“A tributária é uma reforma importante. As mudanças que o Aguinaldo Ribeiro (deputado do PP da Paraíba, relator da reforma na Câmara) fez melhoraram o texto e corrigiram boa parte das exceções que foram incluídas no Senado. A reforma, que era nota 5, melhorou um pouco por causa da reversão dessas exceções”, comentou Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe da Ryo Asset e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), com passagens por BTG Pactual e RPS Capital, entrevistado pelo Metrópoles em dezembro.

“Aprovar essa reforma é muito positivo, não há como negar. Ainda vai demorar para que esses efeitos batam na economia, mas é um grande feito do governo. Temos esse problema tributário há pelo menos 30 anos. O governo conseguiu entregar alguns resultados e o grande marco positivo é a reforma tributária”, elogiou o economista.

Marco Fiscal Além da reforma tributária, Haddad e sua equipe terminam o ano com outra proposta considerada fundamental para a economia aprovada pelo Legislativo: o novo Marco Fiscal. Ele substituirá o teto de gastos, criado em 2016, no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB).

Enquanto o antigo teto indicava que o aumento das despesas para o ano seguinte não poderia superar a inflação, o Marco Fiscal inclui outras variáveis. O texto prevê crescimento real das despesas, acima da inflação, entre mínimo de 0,6% e máximo de 2,5%. O valor dependerá da receita do ano anterior e se o governo cumprir ou não as metas fiscais estabelecidas.

O formato também é diferente da Lei de Responsabilidade Fiscal, usada como a principal métrica antes do teto de gastos e cujo objetivo era a geração de qualquer superávit, sem metas específicas.

No novo marco, a principal mudança é a criação de uma meta de resultado primário (a diferença entre o que é arrecadado pelo governo e as despesas). O governo terá de buscar ficar dentro de uma banda, similar ao que ocorre nas metas de inflação.

A partir do Marco Fiscal, o governo federal terá de se esforçar, em tese, para cumprir uma ambiciosa meta de zerar o déficit primário em 2024 – ou seja, o governo terminaria o ano que vem com despesas equivalentes às receitas e sairia do vermelho. A meta foi mantida no Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2024, encaminhado ao Congresso.

O próprio Lula disse inúmeras vezes ao longo do ano que não havia problema se o Executivo não conseguisse zerar o déficit no ano que vem, o que soou como música aos ouvidos de amplos setores do PT e do próprio governo, defensores de uma flexibilização da meta de déficit zero. Haddad, por sua vez, garante que perseguirá a meta, em meio a um cenário fiscal delicado e que preocupa muito o mercado.

“Houve a expectativa de que o Marco Fiscal autorizasse o aumento de despesa de forma semelhante ao que nós vimos em governos anteriores do PT. O mercado estava receoso de que a nova regra fiscal viesse muito frouxa, mas ela veio, de fato, menos frouxa. Não é uma regra apertada, mas é menos frouxa do que se temia. Isso não a torna uma boa regra. Eu mantenho todas as críticas que fiz desde a apresentação da proposta”, diz Leal de Barros.

“O Marco Fiscal continua não sendo sólido nem crível. Ele só fica de pé em um cenário de arrecadação benevolente, totalmente positivo – seja porque o governo conseguiu receitas extraordinárias, que é o que está acontecendo, seja porque o PIB surpreendeu. Você precisa ter essas surpresas recorrentes. Tem de ter surpresa todo ano para o Marco Fiscal ficar de pé. Se e quando você tiver um cenário menos positivo de crescimento, a fragilidade do Marco Fiscal fica muito evidente”, alerta o economista.

Inflação Uma das maiores preocupações dos economistas no início deste ano, a inflação no Brasil arrefeceu em 2023, o que abriu espaço para a queda da taxa básica de juros, como veremos adiante. Em novembro, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial do país, ficou em 0,28%, de acordo com dados divulgados em dezembro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O resultado de novembro mostra que a inflação acelerou em relação a outubro, quando foi de 0,24%.

No acumulado de 12 meses, até novembro, a inflação oficial do país foi de 4,68%. No ano, a inflação acumulada é de 4,04%. Segundo o Conselho Monetário Nacional (CMN), a meta de inflação para este ano é 3,25%. Como há intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo, a meta será cumprida se ficar entre 1,75% e 4,75%.

No início de 2023, a maioria dos analistas do mercado estimava que o Brasil terminasse o ano com uma inflação ao redor de 5,5%, acima da meta e do patamar atual.

De acordo com a última edição do Relatório Focus, do Banco Central (BC), divulgada na terça-feira (26/12), o mercado projeta que a inflação termine 2023 em 4,46%, abaixo do teto da meta definida pelo CMN.

Taxa de juros A desaceleração da inflação brasileira permitiu ao Banco Central (BC) iniciar o ciclo de cortes da taxa básica de juros, a Selic, que começou 2023 em 13,75% ao ano – o que despertou a ira de Lula e de importantes lideranças do PT e do governo contra o presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, atacado publicamente inúmeras vezes e chamado de “esse cidadão” pelo chefe do Executivo. Haddad, no entanto, sempre manteve uma relação cordial com Campos Neto.

A taxa básica de juros é o principal instrumento do BC para controlar a inflação. A Selic é utilizada nas negociações de títulos públicos emitidos pelo Tesouro Nacional no Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic) e serve de referência para as demais taxas da economia.

Quando o Copom aumenta os juros, o objetivo é conter a demanda aquecida, o que se reflete nos preços, porque os juros mais altos encarecem o crédito e estimulam a poupança. Assim, taxas mais altas também podem conter a atividade econômica.

Ao reduzir a Selic, a tendência é a de que o crédito fique mais barato, com incentivo à produção e ao consumo, reduzindo o controle da inflação e estimulando a atividade econômica.

A partir de agosto, o Comitê de Política Monetária (Copom) começou a baixar os juros básicos no país. Foram quatro cortes consecutivos de 0,5 ponto percentual até a última reunião do ano, em dezembro, que reduziram a Selic para 11,75% ao ano.

O novo patamar da Selic é o menor desde a reunião do Copom de março de 2022, quando os juros estavam em 11,75% ao ano. Antes de os juros chegarem a 13,75% ao ano, o Copom havia elevado a Selic 12 vezes seguidas, em um ciclo que teve início em março de 2021, em meio à alta nos preços de alimentos, energia e combustíveis.

Campos Neto já indicou que o ritmo de cortes deve ser mantido pelo menos nas próximas duas reuniões do Copom, marcadas para janeiro e março de 2024, o que levará os juros a 10,75% ao ano no fim do primeiro trimestre do ano que vem. Antes bombardeado pelo PT, o presidente do BC terminou 2023 sendo convidado para o churrasco de fim de ano organizado por Lula, na Granja do Torto. Sintomático.

Segundo o Relatório Focus, a expectativa é a de que a taxa básica de juros encerre 2024 no patamar de 9% ao ano.

Desemprego Outro dado relevante da economia brasileira, especialmente caro ao PT, é o índice de desemprego, que também trouxe notícias positivas em 2023. Segundo dados do IBGE divulgados no fim de novembro, a desocupação no Brasil ficou em 7,6% no trimestre móvel encerrado em outubro, o menor patamar desde fevereiro de 2015.

Até outubro deste ano, eram 8,3 milhões de brasileiros desempregados, o menor contingente (em números absolutos) desde abril de 2015. Em relação ao trimestre anterior, foram 261 mil pessoas a menos entre os desempregados. Na comparação com outubro de 2022, 763 mil a menos.

Ainda de acordo com o IBGE, houve uma alta de 0,9% na população ocupada em outubro, alcançando o recorde de 100,2 milhões de pessoas (maior número da série histórica iniciada em 2012). No ano, o crescimento foi de 0,5% (mais 545 mil pessoas). Com isso, o percentual de ocupação na população brasileira em idade de trabalhar chegou a 57,2%, uma alta de 0,4 ponto percentual no trimestre.

“A população ocupada segue tendência de aumento que já havia sido observada no trimestre anterior. Tanto empregados como trabalhadores por conta própria contribuíram para a expansão da ocupação no trimestre”, afirma Adriana Beringuy, coordenadora de Pesquisas por Amostra de Domicílios do IBGE. “A leitura que podemos fazer é que há um ganho quantitativo, com um aumento da população ocupada, e qualitativo, com o aumento do rendimento médio.”

PIB Se há um indicador que, apesar de ter surpreendido positivamente em 2023, desperta preocupação para 2024, é o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. A economia brasileira terminará este ano crescendo por volta de 3%, bem acima das projeções traçadas pelos especialistas em janeiro, que oscilavam entre 0,5% e 1%. Entretanto, após um excelente desempenho no primeiro trimestre, o país começou a desacelerar.

No terceiro trimestre deste ano, o PIB do Brasil oscilou positivamente 0,1% em relação aos três meses anteriores. Em relação ao mesmo período do ano passado, a alta foi de 2%.

No acumulado dos quatro trimestres terminados em setembro, o PIB cresceu 3,1%. E, no acumulado do ano até setembro, a alta é de 3,2% em relação ao mesmo período do ano passado. Em valores correntes, o PIB no terceiro trimestre somou R$ 2,741 trilhões.

O resultado confirma um cenário de desaceleração econômica do país, que acende o sinal de alerta para o próximo ano. No primeiro trimestre de 2023, o PIB do Brasil subiu 1,4%, alavancado pelo desempenho excepcional do agronegócio, que avançou mais de 21% no período. No segundo trimestre, a alta do PIB foi de 1%.

De acordo com o Relatório Focus, do BC, a economia brasileira deve registrar uma expansão de 1,52% no ano que vem. Em 2025, o crescimento deve ser de 2%.

“A questão do investimento, sem dúvida, é o nosso calcanhar de Aquiles. Sem investimento, não tem produto. O investimento hoje é o produto de amanhã. Uma economia sem investimento não vai muito longe”, alertou o economista Claudio Considera, coordenador de Contas Nacionais do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e um dos responsáveis pelo Monitor do PIB da FGV, em entrevista ao Metrópoles, em dezembro.

“Hoje, nós temos uma capacidade produtiva estagnada, uma taxa muito fraca de investimento. O investimento é o produto futuro. Sem uma maior capacidade produtiva, não haverá expansão da economia. É necessário, de alguma maneira, estimular esse investimento. O capital estrangeiro está aí. É fundamental que o governo continue nesse embate para aprovar as reformas que vão reduzir o custo Brasil e, desta forma, aumentar a capacidade produtiva do país. O investimento é a chave”, explicou Considera.

Apesar das preocupações com a perda de fôlego do PIB brasileiro, o Fundo Monetário Internacional (FMI) recolocou o país no grupo das 10 maiores economias do planeta em 2023, em 9º lugar, ultrapassando o Canadá em valores nominais. Especialistas ouvidos pelo Metrópoles em reportagem publicada em novembro, no entanto, afirmam que o ranking do PIB nominal diz pouco a respeito das condições de vida de um país e não é o melhor indicador para medir o grau de desenvolvimento ou o crescimento de uma economia.

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