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Respeite os cabelos brancos: discriminar por idade no trabalho é coisa do passado

A população brasileira envelheceu e, ainda assim, algumas organizações resistem em criar uma cultura organizacional diversa

Aos 54 anos, a Analista de Serviços Iêda Moresco atua há muito tempo numa mesma empresa e, vez em quando, escuta uma piadinha pelo tempo de casa e por sua idade. Apesar da sua experiência e disposição em se manter atualizada, alguns colegas insistem em praticar o etarismo, discriminação à partir da idade.

“Eu acredito na crença limitante e não no fator limitante, porque isso varia de pessoa para pessoa, de profissional para profissional. Claro que existem os desafios e, com eles, as adaptações. Mas o que mais te limita é a mente, e não a idade”, defende a analista.

Iêda Moresco defende que a idade não limita, mas a crença sim. Ela afirma que as empresas perdem muito quando não investem em diversidade (Foto: Divulgação)

Numa sociedade marcada pelo culto à juventude, o mercado de trabalho precisa rever os critérios usados para classificar os chamados 50+. Afinal, dados do Ministério da Saúde mostram que o Brasil terá mais pessoas acima dos 65 anos do que crianças entre zero e 14 anos, em 2030 e, apesar do evidente envelhecimento da população, as empresas continuam excluindo profissionais mais velhos.

Dados da Pesquisa de Diversidade, feita pela HRtech Pulses em parceria com a startup Nohs Somos, mostrou que colaboradores que têm idade entre 46 e 55 são apenas 11% da força de trabalho, enquanto os Baby Boomers, aqueles com mais de 55 anos, só têm 2% de profissionais ativos.

Respeito e propósito

Co-founder e especialista em People Science da Pulses, Beth Navas destaca o resultado de estudo que mostram que as gerações valorizam e querem as mesmas coisas, como confiança, respeito e propósito. A grande diferença é que as prioridades, expectativas e comportamentos variam de forma visível, dependendo do contexto de quando e como foram criadas. 

Beth Navas defende que, independente da faixa etária, os trabalhadores desejam coisas parecidas, a exemplo de confiança, respeito e propósito (Foto: Divulgação)

“As pessoas têm muitas concepções e sentimentos a respeito de cada uma dessas gerações. No entanto, somos muito mais parecidos do que diferentes. As pessoas querem um trabalho, flexibilidade, apoio, reconhecimento. E nada disso está relacionado a apenas uma geração”, afirma.

A especialista lembra que no caso do etarismo, existem três aspectos importantes que devem ser considerados: atitudes preconceituosas, práticas discriminatórias contra os idosos e práticas e políticas institucionais que perpetuam crenças estereotipadas sobre os idosos, deteriorando sua dignidade pessoal. 

“São atitudes e crenças que estão relacionadas e se reforçam mutuamente, muito por conta da sociedade em que vivemos, onde os jovens são muito mais valorizados do que os idosos. É uma questão até cultural. Ninguém quer envelhecer ou parecer velho”, completa. 

CEO da The Soul Factor, empresa de Executive Search e advisory de carreira, sediada nos EUA com atuação internacional, especializada em encontrar talentos para organizações multinacionais, digitais ou em transformação digital, Erica Castelo defende que se o Brasil souber usar a oportunidade e manter essas pessoas, as mais velhas, ativas, movimentará muito mais a economia.

Erica Castelo reforça que o etarismo é resultado de preconceitos arraigados e descolados dos novos tempos, onde a expectativa de vida é maior (Foto: Divulgação)

“Hoje em dia, 65 anos ou mais, essas pessoas estão cheias de energia. A população anda tendo filhos mais velha e precisa de recursos. Então, eu acho que se o Brasil abrir mais o mercado de trabalho, a economia só tem a ganhar”, afirma.

Passado persistente

Erica acredita que o etarismo é resultado de uma mentalidade antiquada que não se atualizou. “Os homens se aposentavam cedo, com 50 anos, meu avô mesmo aposentou com 50 anos. Eu acho que é o puro preconceito. Homens com 60 anos ou mais ainda têm filhos dentro de casa e precisam ajudar os filhos. Esses trabalhadores 50 + são pessoas cheias de energia e estão totalmente aptas a participar da força de trabalho”, garante.  

Uma vez que não há como parar o relógio invisível da vida, o jeito é vencer a mentalidade e seguir. No caso de Iêda, a alternativa foi criar empatia pelo novo e perceber que no ambiente laborativo, a diversidade é um valor que acrescenta mais do que dificulta. “Continuem buscando conhecimento em diversas áreas, não apenas naquelas que você está atuando. Descubra novos interesses, cuide da saúde (corpo e mente), cuide da parte espiritual, compartilhe e aprenda com os profissionais menos experientes”, aponta. 

Beth Navas afirma que, com a necessidade de contar com uma mão de obra mais envelhecida, as empresas deverão repensar como melhorar as habilidades destes profissionais de forma contínua e não tradicional, para navegar em ambientes formais e informais de aprendizagem. 

Para fundamentar sua argumentação, ela cita um estudo recente, em Singapura, que aponta para a necessidade de uma revisão nos métodos pedagógicos tradicionais, com maior foco para modelos mais contextualizados de geragogia, ou educação de idosos, com instrutores mais empáticos, métodos de ensino mais versáteis com ênfase nas aplicações da vida real, currículos mais flexíveis e ambientes de aprendizagem mais inclusivos. “Mas o grande desafio continua sendo lidar com o preconceito etário e promover a confiança e autoestima dos alunos para que consigam desenvolver o seu melhor potencial”, acredita.

Beth salienta que outra consequência decorrente da “escassez de jovens talentos” nas organizações será a necessidade de uma revisão nas políticas e práticas de Diversidade Etária. A prática de contratar pessoas jovens para cargos de não liderança terá que ser revista, bem como as normas de idade vigentes para cada nível hierárquico da organização.

“Na outra ponta, a política de aposentadoria compulsória, bastante comum em muitas organizações, deve ter seus parâmetros e objetivos revisados, já que não será de interesse da empresa nem do funcionário antecipar esta saída”, conclui. 

Para investir em diversidade etária:

– criação de um ambiente de segurança psicológica, estruturado a partir de uma liderança inclusiva, que promove a diversidade e inclusão em seus times, tratando todos de forma justa, buscando perspectivas diferentes da sua e encorajando as pessoas a serem elas mesmas;

– incluir metas de diversidade, equidade e inclusão no planejamento estratégico a partir da definição de métricas e indicadores que favoreçam o acompanhamento das práticas estabelecidas pela empresa, demonstrando o compromisso da organização com o tema;

– criação de grupos de afinidade para estudo e discussão de temas relacionados à diversidade e inclusão de diferentes grupos minoritários. A adesão deve ser espontânea e seria importante ter representantes de várias áreas e gerações;

– adoção de práticas que visem favorecer a convivência entre as diferentes gerações presentes nos ambientes de trabalho, incluindo o desenvolvimento de habilidades tecnológicas para profissionais com 50+ e programas de mentoria e mentoria reversa. Esses são passos importantes que podem ser dados pela área de Recursos Humanos para incentivar o processo, bem como a criação de indicadores envolvendo aspectos relacionados à interseccionalidade;

– ampliar a representatividade de mulheres e negros 50+ em cargos de liderança também são pontos a serem considerados, bem como a implantação de um código de ética e conduta. Além disso, é importante ter um canal de denúncias com objetivo de coibir comportamentos excludentes. 

 

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