A decisão da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no dia 8 de junho, definindo que as operadoras de planos de saúde passem a adotar o chamado 'rol taxativo' em vez do 'rol exemplificativo' – utilizado até então -, ou seja, que as empresas sejam liberadas de cobrir procedimentos que não constem na lista da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), é motivo de indignação, revolta e apreensão entre pais, responsáveis e instituições de saúde.
Maristela Barros Mayer Ferreira, é mãe de Clarissa Jannine, de 36 anos, que tem autismo. Ela alerta que os impactos do novo rol taxativo são desastrosos, principalmente porque se perde completamente o tratamento que já foi iniciado. “Qualquer mudança de rotina para alguém com autismo já é impactante. Agora, você romper ou restringir e, quem sabe, ter até que mudar de clínica de atendimento, sair de uma clínica particular que atende pelo plano de saúde e ir para uma fila no SUS, não é fácil, é muito triste. As famílias vão perder sobremaneira.”
Ela também é vice-presidente da Associação de Apoio a Deficiência Nossa Senhora das Graças (Agraça), que fica no Bairro Carlos Prates, em BH.
A instituição tema caráter assistencial, sem fins lucrativos, dirigida por pais e educadores de pessoas com deficiência intelectual e transtorno do espectro do autismo (TEA). “Tínhamos esperança de que os votos fossem favoráveis ao rol explicativo, que é o que se usava até agora. Mas rol taxativo vai restringir muito os atendimentos, principalmente os terapêuticos. É difícil precisar quanto tempo você vai estabelecer para ajudar o desenvolvimento de uma criança com autismo, 20, 30 sessões. Isso é inadmissível”, comenta.
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“Só quem vê a realidade de uma criança com autismo sabe que esse atendimento é contínuo, a longo prazo e, às vezes, com prazo indeterminado, porque cada desenvolvimento depende de uma técnica, de uma metodologia. O rol taxativo deixa as famílias totalmente vulneráveis. Infelizmente, entendemos que foi uma derrota, ganhou o que está no papel, lamentamos e ficamos sem perspectiva daqui para frente”.
Maristela enfatiza que é lamentável a decisão do STJ: “Tenho uma realidade pessoal em casa, minha filha tem 36 anos, ela vem da década de 1980, numa época em que não se tratava o autismo. Tudo foi particular, até quando foi possível e não darmos conta mais. Ela foi negligenciada pelo poder público por falta de políticas na época. Hoje, tem atendimento, mas no papel. A verdade é que as famílias reclamam que nos centros de saúde do SUS os serviços são restristos a 15, 30 minutos e uma vez a cada 15 dias. Com a pandemia, o atendimento ficou totalmente precarizado. Os impactos são dramáticos e não podemos mensurar o prejuízo para o futuro dessas famílias”.
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Ao pensar na Clarissa, Maristela revela que “mais uma uma vez me vejo sofrendo, porque eu e mais outros pais, quando fundamos a Agraça, era para ajudar outras famílias a não passar por aquilo que passamos no passado, por termos nossos filhos negligenciados pelo atendimento e descaso do serviço público. Como mãe da Clarrisa, só lamento. Ela não se enquadra neste atendimento, principalmente no da intervenção precoce, já que ela foi completamente subtraída. E agora a história vai se repetir com outras famílias”.
Maristela destaca que quando as famílias hoje conseguem atendimento por meio de convênios, leia-se que atendimento em convênio não necessariamente é porque as famílias são abastadas: “Muitas delas ou a maioria têm convênio com o sistema de saúde suplementar, já que o plano de saúde é muito caro”.
As consequências imediatas, aponta a vice-presidente da Agraça, são a ruptura do atendimento, crianças que vão perder o vínculo com profissionais, vão perder a rotina e retroceder naquilo que elas já avançaram. “As consequências são imensuráveis. Não sabemos como serão atendidas, como vão se desenvolver e o impacto na sociedade daqui a 10, 15 anos, quando forem adultas.”
“Não desistir, lutar”
Sem perder a esperança, ela acredita que é preciso lutar: “Estamos nos manifestando, com nossos representantes parlamentares, principalmente na esfera federal -, tanto no Senado quanto no Congresso Nacional. Muitas deles estão indignados e já externaram a defesa de rever a decisão, mas tudo dependerá agora da apresentação de um projeto para voltar a ser votado”, diz Maristela.
“Infelizmente, quando se fala em intervenção precoce, que é o atendimento da criança nos primeiros seis anos de vida, percebemos que isso não vai incluí-las. Essas crianças estão condenadas. Algumas vão sobreviver, porque vão encontrar profissionais e entidades, como a Agraça, que vai atender de maneira voluntária, por meio de apadrinhamento, como fazemos. Mas, de maneira geral, se consideramos que no Brasil temos 2 milhões de pessoas com autismo, elas estão fadadas à negligência.”
Entenda
Muitos procedimentos vão deixar de ser cobertos pelas operadoras. A decisão afetará o tratamento de milhares de pacientes que haviam garantido na Justiça o acesso a terapias, medicações e cirurgias, já que os planos não são obrigados a cobrir procedimentos, tratamentos, terapias, cirurgias que não constem no que está determinado pela ANS.
Se há alguma esperança, é que a decisão do STJ não obriga as demais instâncias a terem que seguir esse entendimento, mas o julgamento serve de orientação para a Justiça.