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Rui Barbosa para apressados

O texto mais famoso do político e jurista baiano Rui Barbosa, então homenageado no centenário de sua morte, é Oração aos Moços, um discurso para formandos na Faculdade de Direito de São Paulo em plena ocasião de formatura.  “Entre vós ainda brilha em toda a sua rutilância o clarão da lâmpada sagrada, a que se aquece a essência d’alma…” Esses moços já passaram e são tataravôs espalhados pelo Brasil, mas as recomendações ficaram. Chega a nós a curiosidade: o que Rui retiraria dos fios de seu bigode hoje para falar aos mais jovens, aos formandos nessa vida?

Envelheçam. Mas isto não foi dito por Rui Barbosa, e sim por um dramaturgo polêmico tempos mais tarde. No entanto, a história do jurista pode repetir a máxima, pois a velhice é mesmo seu tino, sua virtude. Ou alguém consegue imaginar este nosso baiano senão como um senhor de cabelos brancos e calvície acentuada? É como se ele jamais tivesse passado pela puberdade e já surgisse feito! Há uma razão: o jurista viveu quatro décadas sem se tornar ou mesmo saber que se tornaria o Rui Barbosa que a História conheceria.

Rui Barbosa receberá homenagens em 2023, nos 100 anos de sua morte (Foto: Divulgação)

Não foi por falta de pressão. O pai, João Barbosa, mal viu o filho correr, obrigou-o a decorar versos e a estudar com um grande professor de português em Salvador à época, Gentil Ibirapitanga, que sobre Rui escreveu em nota de jornal: “Este menino de cinco anos de idade é o maior talento que eu já vi. Em quinze dias aprendeu análise gramatical, a distinguir orações e a conjugar todos os verbos regulares”. Aos doze anos já era acordado às cinco horas da manhã para estudar, hábito que manteve por toda a vida, e era orador no púlpito do Ginásio Baiano, um colégio mais liberal idealizado por Abílio César Borges, onde também era matriculado Castro Alves. 

Rui foi para Recife estudar Direito aos dezesseis anos, com a insígnia de prodígio. Uma grande briga com um professor, a partir de uma aula sobre jusnaturalismo, mudou sua rota, e ele foi completar a outra metade do curso em São Paulo, nos agitados anos de 1868. Lá ficou aferrado aos movimentos estudantis da época, escreveu contra o golpe do poder moderador, discursou contra a condução da Guerra do Paraguai, entrou na causa abolicionista, ficou amigo de Luiz Gama e escreveu com o advogado também baiano o jornal O Radical Paulistano… E por fim sofreu duas quedas, uma metafórica e outra literal: seu pai, enfim galgando posições políticas, foi cassado juntamente com outros liberais, e ele próprio, subindo as escadas da república, sentiu vertigens e desabou sobre os degraus.

Aos vinte anos Rui Barbosa sofreu aquilo que foi diagnosticado à época como “congestão cerebral”: tonturas sem cessar. Precisou voltar a Bahia, e o seu diploma foi enviado depois por navio. Estava acamado, com seu pai indo à bancarrota, perdendo a casa na Freguesia da Sé e indo morar em uma olaria fora da cidade. Só conseguiu recuperar as forças dois anos depois, quando por fim um antigo amigo de João Barbosa, o sexto médico a examiná-lo, olhou bem em seus olhos e sentenciou: Meu jovem, isto é fome. Coma até a alma se sentir saciada.  

Foi o que tentou fazer, entre as redações de jornal, as traduções, as tribunas e audiências, um caleidoscópio de atividades que mal fez diferença no abatimento das dívidas que por fim herdou do pai. Para os antigos companheiros de Recife e de São Paulo havia desaparecido, uns que já se tornavam deputados, conselheiros, outros entravam para a glória como poetas eternos. Entre as ruas do Centro, ele era um homem baixo e tímido que, como tantos outros, casava-se, tinha seus filhos e podia encontrar também alguma felicidade sossegada. Dos vinte aos quarenta anos, o Rui que iríamos conhecer se alimentou em retirada e ampliou sua fome. 

Ele ainda viveria o Senado, a conspiração para a proclamação da República, um ministério controverso, o exílio político na Inglaterra, o retorno à justiça, as disputadas candidaturas à presidência, os bombardeios de J. J. Seabra… Contudo, ora, ora, moços, muito tempo depois do que se esperaria, quando nem se imagina normalmente uma idade para as aventuras, quando nem se atina as surpresas vindas.

O dramaturgo polêmico Nelson Rodrigues aconselhou aos jovens: “Envelheçam, depressa”. E é nesta última parte que a oração de Rui Barbosa destoa: não, depressa não, “desde que o tempo começou, lento lento…” Para moços e moças imbuídos da pressa que a aceleração dos tempos nos deu, para a busca do sucesso que se tornou sinônimo de sentido maior, eis um pouco de espera e maturação.

 *Saulo Dourado é professor e escritor. Publicou o romance histórico “O Borbulhar do Gênio” (Caramurê, 2018) sobre a relação de juventude entre Rui Barbosa e Castro Alves.

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