O atual secretário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, afirmou em um livro que o segundo governo Lula abandonou a reforma tributária, e que a proposta nunca foi priorizada por aquela gestão. O relato consta do e-book “A arte da política econômica”, que será lançado na próxima terça-feira (28/2).
A reforma tributária é a principal aposta do governo Lula para a economia no início do terceiro mandato do petista. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defende que o pacote seja aprovado ainda no primeiro semestre deste ano.
No livro, Appy reclamou da atitude do governo Lula em 2008 e se disse sozinho no esforço para fazer a reforma avançar no Congresso. Naquela época, o economista era secretário do Ministério da Fazenda havia cinco anos. Disse Appy:
“O maior problema, no entanto, é que a reforma tributária nunca foi uma prioridade do governo. Esse é o ponto fundamental. O governo dizia que a reforma tributária era importante, mas, claramente, quem a estava conduzindo era eu. […] Para o ministro [possivelmente Guido Mantega, então ministro da Fazenda], e acho que para o próprio presidente [Lula], aquele nunca foi um tema prioritário. E se não é um tema realmente importante para o presidente, fica difícil avançar”.
Appy continuou:
“A verdade então é que a reforma de 2008 não avançou pelo próprio fato de o governo abandonar a ideia. […] Quando notei que não tinha o apoio necessário, achei que não valia a pena avançar, porque precisaria fazer concessões que tornariam o texto muito distante do desejável”. O secretário relatou também que pediu demissão nesse período. A saída só aconteceria um ano depois, em 2009, quando a crise financeira arrefeceu. “Durante uma crise é impossível sair do governo”, disse Appy.
Este e os outros depoimentos do e-book “A arte da política econômica”, a ser publicado na terça-feira (28/2), foram colhidos em 2021 pelo podcast “A arte da política econômica”, do Instituto de Estudos de Política Econômica — Casa das Garças. Os relatos foram editados para a obra.
Editado pela Intrínseca e organizado por José C. Augusto Fernandes, o livro traz textos de 30 personalidades centrais para a economia brasileira das últimas décadas. A coletânea inclui ex-ministros da Fazenda, ex-presidentes do Banco Central (BC) e de estatais.
“É difícil dizer não, mas tem que ocorrer”, diz ex-chefe do BCPresidente do BC de 2016 a 2019 e atual presidente do Banco Interamericano para o Desenvolvimento (BID), Ilan Goldfajn abordou um tema que vem causando embates no governo: a autonomia do Banco Central.
Lula tem reclamado da alta da taxa básica de juros. No último dia 16, Lula disse que reavaliará o status do BC no fim do mandato do atual presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, no fim de 2024.
Disse Goldfajn, citando o Comitê de Política Monetária (Copom), órgão do BC que faz reuniões para definir a Selic, a taxa básica de juros:
“Quantas vezes fui chamado para reuniões ministeriais às quais não era adequado ir? […] Quando o presidente da República chamar para conversar, por coincidência, na véspera do Copom, peça desculpas e espere passar o Copom. É a lei do silêncio. Ela se aplica ao trato com a imprensa, com o mercado, e se aplica também ao governo. E a disciplina tem de ser respeitada. É difícil dizer ‘não’, mas isso tem que ocorrer, porque com essas mudanças no dia a dia você ganha autonomia de facto“.
Presidente do BB a pai do Plano Real: “É lei, mas não vou cumprir”Em outro capítulo, Persio Arida, um dos pais do Plano Real, contou um episódio que ilustra a influência da política na economia. Arida foi secretário do Ministério do Planejamento e diretor do BC em 1985 e 1986, durante a gestão Sarney. No governo FHC, comandou o BC e o BNDES.
Arida mencionou uma conversa telefônica que teve com o presidente do Banco do Brasil no governo Sarney
— possivelmente Camillo Calazans, que liderou o BB de 1985 a 1988.
Naquele período, o Banco Central tinha poder para bloquear repasses financeiros a estados cujos bancos públicos tivessem dívidas. Como o Banco do Maranhão estava inadimplente, Arida telefonou para o presidente do Banco do Brasil, que ainda administrava as contas do Tesouro Nacional. Quando Arida citou a lei e ordenou o bloqueio da verba, foi contrariado. O motivo alegado: o então presidente, José Sarney, era maranhense.
“Liguei para o presidente do Banco do Brasil e dei a ordem de bloqueio por lei. O presidente do BB me disse que não ia cumprir, que não podia cumprir porque o presidente da República era do Maranhão e não havia a menor hipótese de ele cumprir aquela ordem. E eu disse: ‘Como não vai cumprir? É lei’. E ele: ‘Eu sei, mas eu não vou cumprir”, afirmou Arida, concluindo: “De novo: quem tem a caneta manda”.