“Só se lembram de Santa Bárbara quando troveja”. A frase não condiz com os diversos baianos que saíram de suas casas com o céu limpo e foram à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, no Largo do Pelourinho, para reverenciar Santa Bárbara no tradicional 4 de dezembro. Salvador amanheceu sem chuva, diferente dos outros dias que teve até raios e trovões na capital baiana – mostrando o poder da santa que é protetora até das tempestades.
A quantidade de devotos estava bem menor neste domingo (4) devido a alta da covid-19 na capital baiana. No entanto, a fé foi tão grande que os soteropolitanos chegaram cedo ao Centro Histórico, por volta das 5h, ainda na alvorada, para agradecer pelas graças alcançadas, principalmente em tempos de pandemia, onde várias pessoas perderam entes queridos ou sofreram com o vírus. Logo após os repiques de sinos, às 6h, os fiéis ficaram esperando a Missa campal começar e dar início aos agradecimentos.
A dona de casa Agna Santos, de 47 anos, chegou no início da missa com uma cesta cheia de santinhos e flores vermelhas para entregar aos outros fiéis que ali estavam para agradecer, assim como ela. Devota desde pequena, Agna decidiu entregar um saquinho com fitinha e santinho em gratidão por ter se recuperado de um problema grave de saúde.
“Somos todos sobreviventes por conta de tudo o que aconteceu nos últimos dois anos. Eu consegui minha vida de volta. Tive trombose, embolia pulmonar, não tenho os dois tendões dos pés e, além disso, consegui formar minha filha. Tudo na base da fé, no meio da pandemia e da minha devoção por Santa Bárbara”, conta a dona de casa Agna Santos.
(Foto: Brenda Viana / CORREIO) |
O artista plástico Dilson Guedes, conhecido por sempre aparecer em festas populares de Salvador com alguma peça emblemática, este ano fez referência à covid-19. Com uma coroa que seria a de Santa Bárbara e detalhes em plástico atrás como se fosse o vírus, ele relembrou que muitos devotos estão internados com a doença e que a missa seria o momento ideal para pedir pela saúde dos irmãos.
“Temos que fortalecer a fé. Com certeza a gente não vai voltar à normalidade tão cedo, então é necessário que os devotos usem máscara, álcool em gel, para que ano que vem a festa seja a maior de todas”, pediu o artista plástico Dilson Guedes.
(Foto: Brenda Viana / CORREIO) |
E falando em festa, passando pela primeira vez por Salvador, a suíça Michelle Wanzenried, 27, conheceu de perto as histórias que a mãe contava em tempos de neve. A europeia, que está descobrindo as riquezas do Brasil, revelou que não acreditava nas fotos que via sobre roupas e danças do Candomblé, mesmo a mãe sendo candomblecista longe das raízes baianas. Ao desembarcar em Salvador, compreendeu como a fé funcionava.
“Agora eu entendo que minha mãe não é tão doida assim e que esse é o jeito da Bahia. Aprendi português com as histórias que minha mãe contava, a cultura dela e entendi que a fé é muito poderosa na Bahia. Eu observava o altar com vários santos, mas não entendia essa devoção, como não entendo como estão realizando uma missa em um palco de show e não dentro da igreja [risos]”, brinca.
Iansã e Santa Bárbara: iguais ou diferentes?
Mas há quem diga que Santa Bárbara e Iansã são completamente iguais em seus destinos. O sincretismo religioso, forte na Bahia, compara bastante a santa da igreja católica com a orixá das religiões de matrizes africanas. No entanto, para Bárbara Oliveira, 75 anos, aposentada e devota de Santa Bárbara, é necessário separar as religiões, mesmo tendo a mesma fé.
“Eu já consegui várias graças pela santa, mas é bom o povo entender que uma não é a outra. As duas são guerreiras e dignas de serem seguidas e adoradas, mas uma foi morta pelo pai, virgem, completamente pura e se tornou santa. Já a outra é uma mãe feroz, capaz de enfrentar o mundo para cuidar das crias. Ambas lutaram pelo respeito, mas essa mistura aconteceu por causa do preconceito contra as religiões de matrizes africanas no passado e hoje, ninguém mais aceita essa intolerância religiosa, ainda mais em tempos de covid-19, onde precisamos de amor e união”, opinou.
(Foto: Paula Froes / CORREIO) |
No ofertório deste ano, pessoas entregando moedas de R$ 1 e cédulas de R$ 2 ou R$ 5. A crise econômica que assola o Brasil, foi visível na missa. “Tive covid esse ano, fiquei entre a vida e a morte. Gastei muito dinheiro com remédio e o pouco que eu trouxe foi em forma de agradecimento”, diz Ana Paula, 22, estudante de administração.
Expectativa x realidade
Para o capelão Lázaro Muniz, que celebrou a missa deste domingo (4), a expectativa era que houvesse mais fiéis na celebração para agradecer pelos pedidos alcançados. No entanto, com 72% da ocupação de leitos em UTIs da capital baiana – dados da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) – o sacerdote acredita que os soteropolitanos estavam com medo da aglomeração, além das informações falsas que espalharam pelas redes sociais.
(Foto: Paula Froes / CORREIO) |
“Houve muita fake news dizendo que a festa foi cancelada, que não iria ter nada e, claro, também por conta do aumento da covid. É compreensível que as pessoas não venham para não correr risco, porque depois ficam se culpando caso sejam infectadas.. Esperamos que ano que vem não tenha mais ninguém com covid”, comenta.
A doença ainda fez com que o Corpo de Bombeiros Militar da Bahia (Cbmba) suspendesse a tradicional missa no quartel, que fica na Baixa dos Sapateiros. As quentinhas, que são distribuídas no QG, foram entregues em pontos estratégicos da capital baiana para evitar aglomerações. Para o capelão, este domingo foi para aprender a amar o próximo: “Espero que não tenhamos outras doenças e que ano que vem todos venham com o coração puro e limpo para celebrar”.