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Ucrânia quer que Brasil peça à China para Rússia parar guerra

Andrii Melnyk, embaixador ucraniano, pediu ao Itamaraty para conseguir ajudar a incluir chineses na mediação com os russos

O embaixador da Ucrânia no Brasil, Andrii Melnyk, 44 anos, pediu ao governo brasileiro que faça a intermediação de conversas com a China para ajudar a acabar com a guerra no país.

A invasão da Rússia na região leste da Ucrânia completa 2 anos neste sábado (24.fev.2024). A Rússia controla atualmente 20% do território do país.

“Penso que a China poderia desempenhar um papel crucial para persuadir ou, diria mesmo, para forçar, os russos a parar esta guerra”, disse Melnyk em entrevista gravada na 5ª feira (22.fev). Está em Brasília desde setembro de 2023.

Assista à íntegra da entrevista (49min31s):

O embaixador afirmou que apresentou a demanda ao governo brasileiro e que houve sinalização de que isso poderia ser discutido com os chineses diretamente ou em reuniões com outros países.

Melnyk disse também esperar que os brasileiros mandem ajuda à Ucrânia na forma de armamentos ou outros itens. “Os ucranianos estão me perguntando por que os brasileiros não estão nos ajudando, porque é uma causa comum pelo bem da humanidade”, declarou.

Outra expectativa de Melnyk é que o ministro das Relações Exteriores ucraniano, Dmytro Kuleba, seja convidado para ir a Brasília. O pedido já foi feito ao governo brasileiro, mas não houve resposta.

O embaixador espera recuperar a relação próxima entre Brasil e Ucrânia que havia no 2º  mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que visitou Kiev em 2009.

A seguir, leia trechos da entrevista:

Chegamos neste sábado [24.fev.2024] aos 2 anos da invasão da Ucrânia pela Rússia que levou ao atual conflito. Quais as perspectivas para a guerra?

O principal é que o povo ainda está empenhado em lutar por ter um Estado e resistir contra esta agressão militar. O que é que está em jogo para nós é a nossa própria existência. É a existência do Estado ucraniano. É a existência da cultura ucraniana e da nossa identidade, porque [Vladimir] Putin ainda deseja destruir o Estado, a cultura e a nacionalidade. Se alguém me pergunta se a Ucrânia estaria pronta para sacrificar alguns territórios que estão agora sob ocupação russa, minha resposta é que cerca de 20% do nosso solo está sob ocupação russa. Minha resposta aos amigos brasileiros é: comparado com o seu país, seria como o Estado do Amazonas e do Acre. Vocês estariam prontos a ceder? Não podemos simplesmente desistir desta parte do seu território por uma promessa vazia de paz que pode nunca acontecer. O governo está em ação há 2 anos. O Parlamento está funcionando. A economia está funcionando. No ano passado tivemos até um pequeno desempenho positivo depois de uma grande queda em 2022, o 1º ano de guerra. A situação é difícil porque a Rússia tem o 2º maior Exército do mundo. A Rússia tem um enorme complexo militar, com centenas de fábricas que constroem novas armas. Tem milhões de soldados que podem ser mobilizados e colocados na Ucrânia. Temos um inimigo muito forte. Mas, mais uma vez, a Justiça e a lei estão do nosso lado. Estamos lutando pela nossa independência e esperamos que nossos amigos brasileiros nos ajudem a alcançar esse objetivo, ou seja, libertar não apenas o território, que parece abstrato, mas as pessoas. A perda de controle do ucraniano sobre Avdviivka, uma fortaleza, faz com que grupos russos se aprofundem no território ucraniano. É claro que a Rússia tem capacidade, pessoas e armas suficientes para avançar, mas a questão é qual o preço que os soldados russos pagam. Eles têm tentado há meses, basicamente desde 2014, porque esta guerra começou há 10 anos, quando a Rússia ocupou a Crimeia. Depois se iniciou a guerra na parte oriental da Ucrânia. Avdviika era uma cidade livre perto de Donetsk e havia uma das maiores fortalezas da Ucrânia. Os russos não conseguiam tomá-la. Conseguiram. Mas pagaram. Mesmo de acordo com suas próprias estimativas, pelo menos 16.000 soldados morreram nessa batalha (só para nossos amigos aqui no Brasil compararem o que significa 16.000). Isso são dados russos, não nossos. Estimamos em pelo menos o dobro o número de pessoas que morreram pela captura da cidade. A União Soviética travou uma guerra no Afeganistão durante 10 anos e as baixas oficiais foram de 15.000 soldados. A União Soviética perdeu guerra no Afeganistão porque teve que se retirar. [Mikail] Gorbachev teve que retirar as tropas do Afeganistão no final dos anos 1980. Esse foi um dos principais fatores pelos quais a União Soviética entrou em colapso como Estado, porque não era possível falar sobre as vítimas. Agora que temos internet, todos sabem o que está acontecendo. É claro que os russos estão prontos para sacrificar dezenas de milhares e talvez centenas de milhares de soldados para prosseguir, mas a Ucrânia está pronta para defender essa linha de frente, que tem 1.300 quilômetros de extensão. Sim, eles tiveram sucessos. Mas, a vida dos soldados não importa para Putin. Ele quer alcançar resultados. Ele quer prosseguir, basicamente. Ele quer tomar conta da Ucrânia. Esperamos que mais cedo ou mais tarde a sociedade da Rússia acorde, e que as esposas e mães daqueles soldados que foram enviados sem qualquer respeito e sem qualquer treinamento para esta guerra, apenas para morrer no campo de batalha ou serem feridos, que isso tenha consequências. Ouviremos as vozes levantadas na própria sociedade russa. Eu acho que é uma vitória, mas é uma vitória de Pirro. Uma vitória como a do rei Pirro, que venceu a batalha, mas perdeu a guerra.

Quantos soldados ucranianos foram mortos na batalha de Avdviika?

A posição do nosso governo desde o 1º dia desta guerra é de não divulgar as nossas baixas, mas posso assegurar que é algo que não se compara com as baixas que a Rússia teve de suportar e nesta guerra. Os ucranianos que têm morrido e se ferido são o que há de mais terrível. Nós valorizamos isso. Queremos proteger a vida dos soldados e é por isso que foi tomada a decisão de retirar as tropas. Não lutaríamos até o último soldado. Estávamos mantendo Avdviika como uma fortaleza. Não havia cidadãos lá há muito tempo. Tiveram que abandonar a cidade. A situação militar chegou a tal ponto que não permitia que não fizesse mais sentido manter a cidade.

A Ucrânia depende de uma ajuda extra de US$ 60 bilhões por parte dos Estados Unidos, que o Congresso resiste em aprovar. Sem isso, os ucranianos conseguirão resistir?

Se tivermos que comparar a situação toda, se olharmos para os primeiros dias, semanas e até meses desta invasão russa, há 2 anos, naquela época, não tínhamos nenhuma arma ocidental. Nada. Havia armas norte-americanas, mas não eram usadas. Foram mandadas por decisão do presidente [Donald] Trump para o caso de a Rússia iniciar a invasão. Mas não tínhamos nenhum armamento moderno dos países ocidentais. Apenas a disposição do povo para resistir. Com o tempo, nossos amigos no Oeste nos deram atenção. Viram que os ucranianos não querem desistir, eles amam seu país. Durante o ano de 2022, recebemos as armas necessárias. Então, honestamente, não gostaria de especular sobre o que acontecerá se o Congresso não concordar e apoiar a Ucrânia com essa quantia. É claro que ainda espero que seja possível encontrar uma solução na Câmara dos Representantes nas próximas semanas. Mas, mesmo que algo possa mudar, nossos aliados norte-americanos têm sido, e eu gostaria de sublinhar isso, os maiores apoiadores da Ucrânia até agora em termos de armas e também em termos de assistência financeira. Os nossos amigos europeus, todos eles olham para a situação com muito cuidado e compreendem que não haverá outra forma de estarem lá. Se houver mudanças dos norte-americanos, esperamos que não aconteçam no caso da União Europeia. A minha percepção e convicção pessoal é que tentaremos aumentar a contribuição dos amigos europeus para que a Ucrânia não fique sozinha. Os nossos amigos, especialmente na Europa, entendem a Ucrânia, diante dessa Rússia agressiva. Esta não é uma boa perspectiva para eles, porque ninguém sabe que país será a próxima vítima de Putin. Os sinais têm sido fortes de que Putin não pararia com a Ucrânia. Outros países, a Moldávia, a Geórgia, mas mesmo os países da Otan, como os Estados bálticos, a Polônia, todos eles correm risco com a Rússia. É por isso que, do ponto de vista dos nossos amigos europeus, mas também do ponto de vista dos norte-americanos, não há outra maneira senão ajudar os ucranianos nesta luta.

Se Donald Trump vencer as eleições nos EUA, será pior, melhor ou igual em comparação com o que tem sido com Joe Biden?

Novamente, eu não gostaria de especular. Não sabemos. Será a vontade do povo norte-americano. Não sabemos quem será o próximo presidente dos Estados Unidos. A nossa experiência não apenas nos últimos 2 anos, mas também antes, desde a anexação da Crimeia, é que sempre tivemos apoio bipartidário no Congresso dos EUA. O Partido Republicano e o Partido Democrata apoiaram a Ucrânia. Esse consenso na sociedade foi crucial. Resistimos e sobrevivemos até agora, acreditamos que não apenas pela empatia que os nossos amigos norte-americanos possam ter em relação a esta guerra, mas também pelos valores pelos quais temos lutado. Pela liberdade, pelos direitos democráticos, mas também para o seu próprio interesse nacional. Penso que não será uma boa decisão deixar a Ucrânia sozinha nesta luta. Todo o equilíbrio de segurança na Europa, também no mundo, pode mudar. E isso não é o que os nossos amigos desejam ter. É por isso que estamos confiantes. Independentemente do próximo presidente, o apoio dos Estados Unidos continuará. Temos a mesma causa.

Qual a sua avaliação sobre as ações do governo brasileiro ou a falta de ações em relação ao conflito?

Ainda esperamos que nossos parceiros brasileiros entendam que, embora esta guerra pareça estar tão distante, a 12.000 km de Brasília, embora o sentimento de insegurança aqui seja diferente em comparação com os nossos vizinhos na Europa, esta guerra pode e terá repercussões também para o Brasil se Putin conseguir destruir as regras que foram criadas após a 2ª Guerra Mundial. Noções de direito internacional, a Carta de Viena, são os fundamentos para a prosperidade. O Brasil está agora tentando construir um mundo mais justo onde as vozes do Sul Global sejam ouvidas. Então achamos que isso deve ser mantido em mente ao tomar a posição nesta guerra. Por enquanto o governo brasileiro assumiu atitude neutra. Agradecemos, é claro, o apoio da Assembleia Geral da ONU e no Conselho de Segurança. O Brasil se juntou ao círculo de outros Estados que condenam a agressão russa. Estamos muito gratos porque não é algo óbvio. Temos muitos outros países, países democráticos, que têm outras posições, que se abstiveram. Gostaríamos de dizer que esperamos que essa posição permaneça inalterada. Mas, ao mesmo tempo, se você for a Kiev, e perguntar às pessoas o que elas pensam sobre o Brasil, as pessoas não saberão o que dizer. Dirão: olhe nossos amigos na Alemanha, na Polônia, mesmo em países como o Japão ou a Coreia do Sul e muitos outros. Eles têm nos apoiado não apenas com palavras, que é importante, mas também com algumas ações, enviando armas, ajudando-nos a defender as cidades ucranianas. O que significa enviar sistemas de defesa aérea, como a Alemanha fez? Significa que os mísseis que voam todos os dias sobre as cidades e aldeias da Ucrânia não trarão devastação. Isso é o que conta, porque os civis têm sido o principal alvo da guerra de Putin. Civis, escolas, museus, hospitais. Os ucranianos estão me perguntando por que os brasileiros não estão nos ajudando. É uma causa comum pelo bem da humanidade. Isso seria algo que o Brasil poderia fazer, porque o Brasil é uma das economias mais fortes do mundo, entre as 10 maiores economias. Será a 8ª maior economia e talvez até mesmo a 6ª em algumas décadas. Portanto, uma das economias mais fortes, o que pode permitir ajudar aqueles que vocês considera amigos. Por isso gostaria de repetir este apelo à sociedade brasileira, à comunidade brasileira, a todas as pessoas de boa vontade aqui. Por favor, repensem esse discurso, porque isso será lembrado pelos ucranianos. Porque isso é o que ficará para a história. Se o Brasil assumir a posição que tem, historicamente falando, poderemos ter plena compreensão. Mas poderia ajudar humanamente. Não há água corrente porque os russos estão destruindo infraestruturas críticas. Eles odeiam nossas fábricas. Fazem tudo para tornar a vida impossível na Ucrânia.

O fato de o Brasil ser um país fundador do Brics é um obstáculo para o país ter outra posição na guerra?

Honestamente, estou tentando entender toda a filosofia da elite política brasileira. Por que ter a Rússia, um Estado agressivo travando guerras que quebram todas as regras? Por que isso é tão importante? Por que se mantém isso nessa aliança? Recebo respostas diferentes, mas nenhuma delas, pelo menos para mim, parece realmente persuasiva. Fico me perguntando. O que esta Rússia pode contribuir? Há outros países como a Índia e a África do Sul. Espero que haja também alguma reavaliação crítica dessa parceria, do fato de que os brasileiros estejam orgulhosos de terem uma parceria estratégica com a Rússia. Isso é algo que ouço quase todos os dias nas reuniões de diplomatas e conversando com os membros do Parlamento: os brasileiros têm orgulho dessa parceria. Eu respondo: OK. O país é soberano. Ninguém vai questionar isso. Mas, ao mesmo tempo, pode haver algumas consequências. Quero dizer que a Rússia ainda está a travar uma guerra agressiva enquanto falamos aqui e não vai parar. Temos agora o Irã, que foi convidado para o Brics. Da nossa perspectiva, esse país é um dos poucos que está ativamente ajudando a Rússia, e não apenas com os drones mortais que têm atingido cidades ucranianas. Pode acreditar em mim. Morei em Kiev no meio desta guerra. Consigo distinguir sons de diferentes tipos de drones voando sobre minha casa, que foram detectados pelos sistemas de defesa aérea da Alemanha e de outros amigos que nos ajudaram. Mas agora temos provas de que o Irã também tem enviado centenas de mísseis balísticos, que têm sido usados ​​pela Rússia para matar civis. Quero dizer que não conseguimos entender o que esse país pode ter em comum com o Brasil, uma das maiores nações democráticas e um país que se esforça para ser um líder não apenas no Sul Global, mas no cenário global, para ser um verdadeiro líder. Como ter parceiros como a Rússia ou o Irã travando guerras de agressão?

O país mais forte do grupo Brics não é o Brasil, nem a Rússia. É a China. Qual a sua avaliação sobre a posição chinesa neste conflito?

A China pode desempenhar um papel ativo, talvez até crucial, para terminar esta guerra. Infelizmente até agora a China não esteve realmente envolvida em nenhum processo para ajudar a persuadir a pôr termo a esta guerra. O que gostaríamos de ter, nós, ucranianos, nossos parceiros ocidentais e, esperançosamente, o Brasil também? Queremos persuadir Putin a parar com esta loucura. Agora isso só é possível no campo de batalha porque não há disposição para quaisquer negociações, nenhuma conversação por parte de Moscou. É por isso que agora só pode existir uma solução militar, o que é bastante difícil porque o preço também é enorme para nós. A nossa esperança é envolver a China neste processo, porque a China tem mais poder para influenciar Putin para parar esta guerra. E esta é a nossa esperança: os brasileiros têm excelentes relações com Pequim e temos falado também sobre esse assunto aqui em Brasília para que nossos amigos aqui possam tentar persuadir os chineses a se engajarem verdadeiramente neste processo. Penso que a China poderá desempenhar um papel crucial para persuadir ou, diria mesmo, para forçar, os russos a parar esta guerra. No final das contas, isso também contradiz os interesses da China a longo prazo. A China lucrou com as normas jurídicas internacionais existentes e com esta ordem para construir a prosperidade, para construir uma das maiores economias do mundo com sucesso, que agora alcança também os países latino-americanos. É, para muitos países em todo o mundo, um exemplo de desenvolvimento econômico bem-sucedido. O mundo inteiro está agora em alerta por causa de rebeldes Houthis que estão bombardeando navios. Como pode a China se beneficiar deste tipo de ação, do efeito dominó que virá caso a Rússia queira destruir ainda mais? Nossa esperança, uma esperança racional, é que os chineses possam desempenhar um papel mais construtivo neste processo. Essa é a demanda que fizemos ao governo brasileiro, para que eles possam ajudar nos ajudar nas conversas com Pequim.

Qual foi a resposta dada ao governo brasileiro?

Quero dizer que as negociações estão, pelo que entendi, em andamento, porque há muitos foruns em que essas discussões acontecem, não apenas dentro da comunidade Brics, mas também em escala bilateral. Então, esperamos que os brasileiros também possam desempenhar um papel aqui. Tem sido dito que o Brasil gostaria de criar um grupo de amigos da paz para iniciar algum processo com esse objetivo. Putin começou esta guerra sem ser provocado, e é por isso que poderá interrompê-la a qualquer momento. Então é só uma questão de poder de persuasão e os brasileiros junto com os parceiros chineses poderiam atingir esse objetivo. Gostaríamos de ver uma iniciativa genuína de Brasília com alguns outros países para nos ajudar a acabar com essa barbárie.

O presidente Lula disse em abril de 2023 que a Ucrânia era tão culpada pela guerra quanto a Rússia. Qual foi o efeito dessa frase em nossa avaliação?

Não faz sentido comentar essa afirmação. O que conta para nós por enquanto é o que a reunião dos 2 presidentes em Nova York, em setembro passado. Eu fiquei muito feliz como embaixador por termos conseguido isso em apenas 3 semanas. Eu estava aqui em Brasília e pudemos finalmente marcar esse encontro. Não foi fácil, porque foi durante a Assembleia Geral. A conversa foi boa, embora não tenha sido uma conversa fácil. Acho que ambos os lados estavam atrás disso, ficaram satisfeitos com o resultado e pelo menos tivemos a sensação de que podemos seguir em frente. É possível pensar que agora haverá realmente um novo começo de nossas relações bilaterais, porque o que não houve visitas do Brasil por muitos anos, mas especialmente desde o início desta grande guerra que a Rússia iniciou contra a Ucrânia. Nem um único político brasileiro ou membro do governo esteve em Kiev. Esperamos que isso possa mudar. Esperamos que o presidente Lula possa visitar Kiev. A última vez em que ele esteve em nossa capital foi há quase 15 anos. Foi outra época. Só estando lá, vendo com os seus olhos o que está acontecendo, falando com o governo, mas também com as pessoas da sociedade, então você pode ter outra sensação do que pode ser feito. Meio ano se passou e não houve muito progresso. Infelizmente. Esperamos poder organizar uma série de visitas sobre a qual os 2 presidentes concordaram. Ainda estamos aguardando luz verde de Brasília para que meu ministro das Relações Exteriores venha e se encontre com o ministro Mauro Vieira e comece a discutir questões que estão sobre a mesa sobre como acabar com esta guerra, qual pode ser a contribuição brasileira e, claro, para renovar os laços econômicos. Por causa da guerra, nosso comércio agora, principalmente nossas exportações para o Brasil, são inexistentes, porque o Mar Negro foi bloqueado pela Marinha Russa. Gostaríamos de reiniciar o nosso diálogo. Gostaríamos de ser vistos, independentemente desta terrível guerra, como parceiros iguais.

O Brasil poderia desempenhar algum papel como mediador da paz?

Acho que essa tem sido minha mensagem desde o 1º dia de meu trabalho aqui no Brasil como embaixador. E a esperança ainda existe porque o que Brasil tem é um enorme soft power de toda a comunidade internacional. A sua diplomacia é uma das melhores do mundo. Há embaixadores, negociadores capazes, que podem estar prontos e, esperançosamente, dispostos a levar esta tarefa a sério e realmente iniciar a negociação, mas o que é necessário nesse sentido é um verdadeiro envolvimento. Para ser um intermediário ou mediador ou desempenhar qualquer outro papel ativo para impedir esta guerra, o Brasil tem que estar mais engajado. E, para isso, é preciso conversar, viajar, é preciso convidar os ucranianos para cá e talvez o mesmo com os russos, mas isso é outra história. Somente nesse caso, você pode entender os 2 lados e procurar caminhos. É preciso entender, combinar, tudo ainda é possível. Não houve muito avanço nesse sentido até agora, mas o Brasil é capaz de ajudar e esperamos que esteja disposto a realmente se envolver mais do que tem sido o caso até agora.

Quando será a visita do ministro das Relações Exteriores?

Estamos aguardando esse convite. Os 2 ministros conversaram há algumas semanas ao telefone. Perguntei ao meu ministro sobre isso, se o ministro Viera propôs uma data. A resposta foi que não. Esperamos que essa visita possa ocorrer nos próximos meses porque da última vez intercâmbio nesse nível foi há mais de 10 anos. Temos que começar a conversar. Vocês brasileiros deveriam tentar nos entender melhor, porque, sem esse entendimento básico, não se pode sonhar com esse especial papel de mediador. É preciso ter engajamento. Eu estive na Alemanha como embaixador. A Alemanha e a França foram 2 mediadores no chamado formato da Normandia após a anexação da Crimeia entre 2014 e 2022. Sim, talvez não tenha sido um sucesso que imaginamos, porque a guerra não pôde ser evitada. Isso é uma tragédia, mas isso é outra história. Ao mesmo tempo houve quase 1.000 rodadas de negociações com os russos, em Berlim, em Paris, em Minsk. Rodadas constantes de grupos de especialistas. Isso foi algo valioso porque agora os alemães têm outro entendimento sobre a situação. Esse é o meu desejo, meu desejo pessoal, que o Brasil com suas ambições globais se envolva mais para entender melhor. Isso pode acontecer, pode ser realizado e pode nos ajudar a terminar esta guerra.

Brasil e Ucrânia tiveram uma cooperação razoável num determinado momento. Houve até uma joint venture para satélites. O que aconteceu?

Esse foi um dos projetos mais importantes que a Ucrânia teve no exterior, não só com o Brasil, mas com todos os países, há cerca de 15 anos. Esse projeto não pôde ser realizado e isso é uma pena porque a joint venture que foi criada foi um projeto acordado entre os dois governos. O presidente Lula esteve em Kiev pela última vez em dezembro de 2009. Alcântara, era esse o nome do projeto, que foi a pedra angular da nossa parceria acordada nessa altura. E gostaria também de lembrar ao público brasileiro que foram o presidente Lula e o presidente ucraniano Viktor Yushchenko que assinaram uma declaração sobre parceria estratégica. Um dos fundamentos dessa parceria deveria ter sido esse projeto que infelizmente não pôde se dar. É uma pena, mas para nós não é motivo para parar de trabalhar. Então estamos procurando possibilidades semelhantes na esfera do espaço novamente. Construir aviões juntos também é algo que pode ser discutido porque o Brasil é uma das maiores nações e atores nesse sentido. A Ucrânia sempre foi um ator chave com os aviões Antonov. É uma fábrica ainda está lá desenvolvendo agora novos tipos de aviões.

O senhor está lidando com isso?

Estamos tentando sentir onde podemos corresponder aos nossos interesses e acho que isso também seria uma aliança natural. Se não apenas com a Embraer, mas outros atores que nesse campo pudessem ver as chances que a Ucrânia pode trazer e para ver o que pode ser feito, porque, não apenas para a aviação civil, mas também em termos militares. O Brasil é um dos maiores produtores do mundo. A Ucrânia agora, especialmente por causa desta guerra, ganhamos uma experiência única em termos de modernização do nosso exército, modernização do nosso sistema de defesa aérea, novos tipos de armas, como os drones, e vimos que esta é uma guerra de drones, porque os drones podem até desempenhar um papel decisivo e a Ucrânia tem uma experiência única nesse sentido. É claro que o Brasil tem outros problemas de segurança. Mas quero dizer que esta experiência muito dolorosa não pode ser ignorada pelos nossos amigos brasileiros. Gostaríamos de estender a mão e propor a continuação de um diálogo de defesa que foi iniciado há 3 anos antes da guerra. Agora estamos a tentar reanimá-lo porque significa que o Brasil precisaria ter acesso à experiência, o que é muito triste por causa desta guerra, mas a Ucrânia está agora, infelizmente, na vanguarda de muitos novos desenvolvimentos.

Olhando em perspectiva, antes da guerra houve algum erro cometido pelos ucranianos que tenha deixado o país mais vulnerável à Rússia?

É difícil dizer, especialmente enquanto esta guerra continuar. Claro, haverá todas as avaliações do porquê desta guerra. Não poderia ter sido evitada e, claro, agora, se olharmos para trás, os ucranianos são uma nação pacífica. Não estávamos nos preparando melhor para uma possível guerra dos vizinhos russos. Mas o que eu gostaria de dizer aqui é que há muitas histórias que você pode ouvir, que os ucranianos são apenas marionetes de alguns ocidentais e esta guerra é travada não entre a Ucrânia e a Rússia que invadiu, mas entre o Ocidente e a Rússia e somos apenas um parque de diversões e um campo de batalha. Todas essas histórias não têm substância. Infelizmente a Rússia ainda quer destruir a Ucrânia e eu acho que a tarefa comum também com nossos amigos brasileiros será sinalizar que não permitiremos à Rússia ter sucesso na Ucrânia, porque isso seria uma mensagem terrível não só para a Europa, nem apenas para os nossos vizinhos, mas para todo o mundo. E é isso que conta. Cometem-se erros, claro. Somos humanos, todos cometem erros. O que acontece é que esses erros você analisa e entende esses erros para admiti-los no futuro. E essa é a nossa abordagem.

Qual é a sua avaliação da declaração do presidente Lula de que a guerra em Gaza é equivalente ao Holocausto em alguns aspectos?

Não pretendo interferir nessa discussão tão difícil entre Brasil e Israel porque os 2  países são nossos amigos. A única coisa que posso dizer é que, para os ucranianos, o Holocausto é algo que faz parte da nossa história e do nosso DNA, porque todos os judeus que morreram, que foram mortos durante o Holocausto, viveram na Ucrânia, em solo ucraniano, de modo que isso faz parte da nossa história e é por isso que para nós. É uma coisa sagrada. É o maior crime da história contra a população judaica. É por isso que eu ficaria calado e não gostaria de comentar essa questão.

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