Filmes e séries sobre as descobertas da adolescência são muitos. Não à toa esse tipo de obra se transformou num gênero, o coming-of-age, narrativa que acompanha o crescimento e a transição dessa galera. Ainda que haja imensa variedade, os clichês padronizam quase todas as produções. Duas exceções que fogem ao universo hetenormativo precisam ser destacadas (ainda que tenham muitos clichês): as séries Heartstopper (Netflix) e Love, Victor (Star+), que nos ensinam de forma bem acessível a respeitar as escolhas do outros e a liberdade de se construírem aos poucos na vida.
Adaptação fiel dos quadrinhos de Alice Oseman, Heartstopper é um delicinha pop que virou unanimidade entre público e crítica, com 100% de avaliações positivas no Rotten Tomatoes. Oseman, que assina o roteiro da série protagonizada por Kit Connor e Joe Locke, levou para a telinha as sacadas inteligentes do texto original, incrementando os personagens com mais humanidade. A trama acompanha Charlie (Locke), um garoto gay que se apaixona por Nick (Connor), jogador de rúgbi da escola – ele se descobre bissexual. Apesar de seguir o esqueleto base do coming-of-age LGBTQIA+, Heartstopper consegue superar isso de forma brilhante.
Novela mais tradicional – e nem por isso menos interessante, Love, Victor traz um retrato do tímido Victor Salazar (Michael Cimino), que enfrenta os pilares católicos da família de imigrantes colombianos ao revelar que é gay. Ao contrário de Heartstopper, cuja família quase não se impõe na trama, em Love, Victor ela interfere diretamente nas escolhas do protagonista e mostra que sem a rede de apoio que vem de casa não dá pra segurar a onda. Sobretudo se os preconceitos são perpetuados por instituições religiosas que rotulam pessoas LGBTQIA+ como pecadores.
Listamos a seguir dez motivos pelos quais você e sua família precisam assistir Heartstopper e Love, Victor. Confira e acrescente os seus.
1 – O elenco jovem é sensacional. Muito afinados e totalmente imersos na trama de Alice Oseman, as versões de Joe Locke e Kit Connor (Charlie e Nick, respectivamente) em Heartstopper são tão carismáticas que é impossível conter a alegria ao vê-los representar a inocência de seus personagens. Igualmente bacana é a atuação de Michael Cimino ao traduzir o misto de angústia e deslumbramento que vai tomando conta de Victor na série que funciona como spin-off do filme Love, Simon (Greg Berlanti/2018).
2 – O texto leve e direto, e os recursos gráficos que migram de forma divertida das HQs, transformam Heartstopper numa série muito agradável de se assistir.
3 – O drama familiar é o foco, mas Love, Victor não carrega no melodrama. Nem mesmo quando a mãe do personagem título o rejeita por imposição do modelo religioso no qual foi criada. Ao longo das duas temporadas (dia 15 de junho a terceira e última chega ao Star+), a personagem de Ana Ortiz percebe que o amor pelo filho e a fé em Deus não são excludentes.
4 – A delicadeza e a naturalidade com que as pautas LGBTQIA+ são tratadas em Heartstopper provocam empatia genuína no público. Focada numa história de amor, a série mostra que falar sobre relacionamentos homoafetivos não precisa ser necessariamente uma coisa traumática ou cheia de gatilhos.
5 – Os poucos e bons amigos de Charlie funcionam não só como rede de apoio perfeita, mas também como exemplo de representatividade. Elle (Yasmin Finney) é uma garota trans que sofreu durante a transição de gênero. Ao longo dos episódios, vemos o interesse dela por Tao (William Gao), o hétero diferentão do grupo. A turma se completa com Isaac (Tobie Donavan), o “amigo quieto” que pode ser assexual. Além deles, tem o casal interracial formado por Darcy (Kizzy Edgell) e Tara (Corinna Brown), meninas que resolvem deixar de esconder seu namoro.
6 – A questão racial fica muito clara em Love, Victor, cujo texto mostra didaticamente que as coisas podem ser muito mais difíceis para pessoas não brancas. Mesmo para aquelas que conquistaram uma certa estabilidade no bate-estaca do american way of life.
7 – Ter a premiadíssima Olivia Colman fazendo uma ponta em Heartstopper é um luxo à parte. Ela interpreta a mãe de Nick, que faz questão de apoiar o filho de forma incondicional.
8 – A trilha sonora de Heartstopper é muito bacana e reflete perfeitamente o perfil de público-alvo, com nomes da música alternativa como Baby Queen, beabadoobee, Rina Sawayama, CHVRCHES, Dayglow e Chloe Moriondo.
9 – As questões da saúde mental são muito importantes nas duas séries. Porém, ganha mais cores em Love, Victor, que mostra a dificuldade que Felix (Anthony Tupel), melhor amigo de Victor, tem ao lidar com a mãe que sofre de depressão e transtorno obsessivo compulsivo. Mais do que isso, retata a real dificuldade que o garoto tem de admitir que precisa de ajuda para cuidar dela. Mas, quando ele assume isso, o peso que tira dos ombros é imenso.
10 – O bullying agressivo sofrido na escola pelos personagens das duas séries machuca bastante ao espectador mas pe bastante ilustrativo para que a famílias e membros da comunidade escolar prestem muita atenção ao seu redor. E, sobretudo, tomem uma atitude efetiva (e afetiva) para que esses abusos sejam interrompidos.
EXTRA – Uma dica pra ler e duas pra assistir
Arlindo é um garoto fofo, cheio de sonhos e vontade de encontrar seu lugar no mundo. Tudo o que ele quer é seguir sua vida de adolescente na cidadezinha onde mora, no interior do Rio Grande do Norte, sem precisar se incomodar com o incômodo dos outros. Ele aluga filmes na locadora com as amigas todo sábado, sente o coração bater mais forte pelas primeiras paqueras, canta muito Sandy & Júnior no chuveiro, e ainda ajuda a mãe a fazer doces para vender. Por mais que ele se esforce, muita gente na cidade não aceita Arlindo e seu jeitinho de ser. É que ele gosta de garotos. Aos poucos, porém, ele vai perceber que vale a pena lutar para ser quem é, ainda mais quando tem tanta gente com quem contar. O livro de Ilustralu é uma delícia: o texto cheio de nuances, a arte muito fofa e a mensagem vale uma sessão de terapia. Editora Seguinte, R$ 63, 200 páginas
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Veja os trailers de Heartstopper e Love, Victor: