O tráfego intenso no Congresso Nacional em torno das pautas econômicas desviou a atenção de um dos maiores êxitos do país neste ano: o crescimento expressivo da cobertura vacinal infantil. Os índices de imunização ainda não voltaram ao patamar ideal, mas são uma reação contundente ao negacionismo bolsonarista, que estimulou, não raro com mentiras escabrosas, os movimentos antivacinas.
De janeiro a outubro, a aplicação de oito das nove vacinas indicadas para crianças de até um ano cresceu em todos os 26 estados e no Distrito Federal. Isso vale para hepatite A, poliomielite (paralisia infantil), doenças pneumocócica e meningocócica, DTP (difteria, tétano e coqueluche), as duas doses da tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) e febre amarela. Por insuficiência de doses no mercado internacional, varicela, conhecida como catapora, foi a única que não registrou aumento.
Alguns estados conseguiram, em menos de um ano, recuperar todo o tempo perdido. No Piauí, a cobertura vacinal contra pólio passou de 75,9% em 2022 para 92,8% neste ano. A de tríplice viral (1ª dose) de 82,8% para 97,8%. Em Rondônia, a tríplice quase bateu no teto, pulando de 89,2% para 99,6%. O Espírito Santo apresentou o maior salto: a cobertura da meningocócica subiu de 58,5% em 2022 para 91,6% em 2023.
Os índices de vacinação começaram a registrar quedas em 2016. Em 2019, primeiro ano do ex Jair Bolsonaro, especialistas em saúde pública recomendavam firmemente que o país iniciasse campanhas vigorosas pró-vacinas para impedir retrocessos mais graves, com riscos de reintrodução de doenças já debeladas. Nada foi feito.
Nos dois anos seguintes, era previsível que a pandemia reduzisse a ida de mães aos postos de saúde para vacinar os filhos pequenos. Mas a posição do ex, que, além de desdenhar e ironizar o imunizante contra a Covid – “se tomar vacina e virar jacaré eu não tenho nada com isso”-, associou-o ao risco de pegar HIV (Aids), ajudou a piorar os números.
Em 2022, a cobertura continuou baixíssima. Algumas capitais do país assistiram a movimentos antivacinas nas ruas, misturando cartazes contra imunizantes a palavras de ordem bolsonaristas. Um show de horrores protagonizado por pessoas que, inescrupulosamente manipuladas, se tornaram incapazes de pensar em uma criança vítima de paralisia, doença 100% evitável com apenas uma dose de vacina na infância.
O refluxo dessa barbaridade contra as crianças já valeria um governo. Com a aplicação de vacinas nas escolas de 3.992 das 5.568 cidades do país, hora extra nos postos de saúde e busca ativa, reiniciou-se um caminho virtuoso.
A ampliação da imunização também chegou aos adultos. Além de mais uma dose contra Covid, o Ministério da Saúde anunciou para fevereiro a introdução da vacina contra a dengue no SUS. O Brasil será o primeiro país do mundo a aplicá-la em grande escala – e de graça. A pretensão é fazer frente ao caráter epidêmico da dengue, que, em 2023, bateu em 1,6 milhão de casos, superando em 15,8% os registros de 2022. O número de óbitos também cresceu: chegou a 1.053 contra 999 do ano passado.
É certo que neste ano a economia nos trouxe algum alento. O desemprego e a inflação cederam, o país terá um novo sistema tributário. Mas são as boas notícias da saúde que impedem que cheguemos a esta última semana do ano com o sabor amargo provocado por um Congresso que na tarde da sexta-feira enfiou no orçamento da União quase R$ 5 bilhões para financiar o fundo eleitoral do ano que vem. Recursos 38 vezes maiores do que os R$ 151 milhões enviados aos estados e municípios para reforçar a vacinação infantil. Um assalto às contas do país que uniu petistas e bolsonaristas em nome do “custo da democracia”. Contra esse acinte, a única vacina é o voto.
Feliz Natal!
Mary Zaidan é jornalista