Qual é a chance de um cidadão que gasta muito mais do que ganha ser bem-sucedido para o resto da vida? Nenhuma. Mas estão tentando você acreditar que sim. O cidadão, no caso, é o governo brasileiro. A PEC da Transição, aprovada no Senado, foi ampliada para 205 bilhões de reais. Agora, a coisa vai para votação na Câmara, onde tudo vai depender do julgamento no STF da legalidade do orçamento secreto.
O que o Senado aprovou foi um bundalelê: não bastasse ter aumentado a bufunfa da PEC para 205 bilhões, 75 bilhões desse total poderão ser direcionados para programas federais por parlamentares. Não vai faltar pauta para jornalista investigativo. Esse arame para deputado e senador é quase quatro vezes maior do que o orçamento secreto, que será substituído pelo orçamento fosco, como cantado aqui, não importa a decisão do STF.
Os 205 bilhões de reais não existem. Para conseguir a erva que vai salvar o Brasil (é assim que a PEC está sendo vendida a jornalistas ingênuos), o governo terá de endividar-se e aumentar impostos. Resultado: mais inflação. Ou seja, quem vai pagar pela gastança do cidadão é você, como se você fosse o pai rico dele.
Ontem, ao anunciar a manutenção da taxa de juros em 13,75% ao ano, o Banco Central avisou que não hesitará em subi-la ainda mais, se a inflação sair de controle. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que tem mandato até 2024, se não o derrubarem antes disso ou ele resolver cair fora, tem o pior emprego do Brasil neste momento. Segurar inflação com governo perdulário é como tentar conter onda de maremoto com muro de areia.
A autonomia do Banco Central foi uma conquista para o Brasil, por impedir que a política monetária seja instrumento de manipulação de interesses políticos. Mas um Banco Central autônomo não faz verão, se as excelências continuam irresponsáveis na sua ganância e populismo, como mostram os autores do livro Por que as Nações Fracassam, os economistas Daron Acemoglu e James A. Robinson. Eles citam como exemplo a Argentina e a Colômbia, que tornaram os seus respectivos bancos centrais independentes na década de 1990. “Já que em nenhum desses países a política mudou, as elites políticas puderam usar outras formas de comprar votos, manter os seus interesses e recompensar eles próprios e os seus partidários. Como não podiam mais fazer isso imprimindo dinheiro, tiveram de usar outro caminho. Em ambos os países, a introdução do banco central independente coincidiu com uma grande expansão nos gastos governamentais, financiados largamente por empréstimos”, escrevem Acemoglu e Robinson.
Roberto Campos, avô de Roberto Campos Neto, tem uma frase no livro de memórias Lanterna na Popa, leitura magnífica, que resume a nossa vã filosofia:
“Há países naturalmente pobres, mas vocacionalmente ricos. Há outros que têm riquezas naturais, porém parecem ter vocação de pobreza. Às vezes fico pensando, com melancolia, que talvez estejamos neste último caso. Não nos faltam recursos naturais. Mas sua mobilização exige abandonarmos nossa grave e renitente tradição inflacionária, e um grau maior de abertura internacional. Nossa pobreza não pode ser vista como uma imposição da fatalidade. Parece antes uma pobreza consentida, resultante de mau gerenciamento e negligência na formação do capital humano.”
Temos agora outro bundalelê vocacional na popa. Coitado do Roberto Campos Neto. Coitados de nós.
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