São Paulo – Mais de um milhão de votos separam as eleições de 2018 e 2022 para Joice Hasselmann (PSDB). Em 2018, pelo PSL, foi eleita deputada federal com 1.078.666 votos, sendo a mulher mais votada na história para o cargo. Quatro anos depois, com apenas 13.679 votos, não se reelegeu e aponta o dedo para o clã Bolsonaro e o PSDB. Para o futuro, projeta a candidatura à Prefeitura de São Paulo em 2024.
A poucos dias do fim do seu mandato na Câmara, a deputada federal admite ter feito análises equivocadas sobre o cenário eleitoral no ano passado. Ela credita sua derrota a uma série de fatores, entre eles a atual situação do PSDB, partido ao qual se filiou em outubro de 2021 após dois anos de desgaste com o PSL.
“O PSDB saiu muito menor das urnas. Acho também que foi uma âncora na minha eleição, me puxou para baixo porque o partido está extremamente desgastado”, disse ela em entrevista ao Metrópoles.
Eleita na esteira do bolsonarismo, Joice foi a líder do governo Jair Bolsonaro (PL) no Congresso Nacional entre fevereiro e outubro de 2019. Após romper com o presidente, passou a denunciar o “gabinete do ódio”, que entrou na mira do inquérito das fake news no Superior Tribunal Federal (STF).
“Inventaram coisas absurdas e a população não tinha acesso à informação de verdade. Passei dois anos e meio, quase três, me explicando e desenhando. Isso trouxe um grande desgaste para mim, especialmente porque quando eu percebi que aquele governo era uma fraude, uma farsa, eu rompi”, afirmou.
A popularidade que conquistou em 2018, pondera, fez com que ela também perdesse muitos votos nas últimas eleições. “Essa coisa do já ganhou fez com que muita gente deixasse de votar em mim”, avaliou.
Em 2020, Joice foi a candidata do PSL à Prefeitura de São Paulo. Recebeu 98.342 votos e viu Guilherme Boulos (PSol) e Bruno Covas (PSDB) avançarem ao segundo turno. O segundo foi eleito, mas o primeiro é cotado para ser o seu adversário nas urnas novamente no próximo ano.
“Está faltando gente liberal de centro-direita que possa oferecer uma alternativa para a população”, disse.
Embora tenha celebrado nas redes a derrota de Bolsonaro para Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Joice afirmou que nunca será lulista e que será uma oposição responsável ao atual governo.
“Quero deixar claro que o voto das pessoas em mim não foi em vão. Eu vou retribuir, mesmo sem mandato, cada um dos votos que eu tive.”
Confira a entrevista de Joice ao Metrópoles:Qual o próximo passo após o fim do mandato como deputada?
Independentemente do resultado da eleição, eu já tinha planos de retomar os meus canais de comunicação. Quando eu saí pra disputa, eu abri mão da minha TV online. Eu tinha acabado de lançar a minha TV online e foi um grande lançamento, com mais de 300 convidados. Foi um programa de auditório muito bacana. Então eu já estava com essa ideia de alguma forma retomar os meus canais de comunicação, as minhas redes que acabaram ficando um pouco abandonadas na na essência do comentário, né? Elas acabaram virando mais um noticiário de notícias do dia a dia do que algo voltado para a análise política. Até porque, como líder de governo, depois líder de partido, eu ficava tolhida de fazer as análises políticas por questões óbvias, né?
“Como é que eu vou ser líder de governo, líder de partido e analisar o meu próprio partido? E eu tinha muitas críticas em relação ao governo e ao partido.”
Agora eu vou retomar com tudo, tanto a parte de noticiário quanto a parte de comentários, programas de entrevista. Disso eu não abro mão.
Joice era uma das apoiadoras mais fiéis do presidente Jair Bolsonaro em 2018Avalia voltar a trabalhar com jornalismo em uma redação tradicional?
Já tenho algumas conversas em andamento, recebi sondagens de alguns veículos. Não descarto essa possibilidade, mas estou lidando com muita parcimônia porque não posso entrar num veículo que esteja viciado politicamente. Todos os lugares pelos quais eu passei eu tinha liberdade pra falar, ainda que o veículo tivesse um viés político de um lado ou de outro, mais para a esquerda ou mais para a direita. Isso era uma questão contratual para mim, não posso estar num veículo para ser boneco de ventríloquo de ninguém, tenho que falar aquilo em que eu realmente acredito. Também preciso deixar muito claro que, para voltar, tem que ser naquilo que eu sei fazer, que é ancorar e comentar. Outra coisa não me interessa fazer. Também vou retomar a minha agenda de palestras, porque isso era uma coisa que eu fazia muito antes e sempre gostei muito. Atividade é que não vai faltar, já está faltando agenda para o começo do ano.
Como ficará a sua atuação política e partidária em 2023?
A primeira coisa que eu preciso decidir é se eu fico ou não no PSDB. Isso é o primeiro passo, é o fator fundamental. Eu ainda não tomei uma decisão. Já pensei em deixar o partido, já pensei em ficar. O PSDB saiu muito menor das urnas, acho também que foi uma âncora na minha eleição, me puxou pra baixo porque o partido está extremamente desgastado. Eu sempre preguei que o PSDB devia ser renovado. Devia ser refundado, ser um novo PSDB. Devia deixar aquilo que traz ranço para o partido, aquelas ideias velhas, antigas, démodé, aquelas ideias que estão longe do que o povo realmente quer. Devia deixar essas ideias de lado. O partido deveria realmente ser refundado com gente nova e jovem no comando, mas não foi o que aconteceu. O partido continua a mesma coisa, você troca um cacique ali pelo outro e acabou, dá na mesma.
“Quando eu fui para o PSDB, eu conversei com o presidente do partido na época [Bruno Araújo], com o então governador João Doria, sobre essa ideia, essa possibilidade de refundar o partido, e ambos tinham uma ideia semelhante. Mas morreu no mundo das ideias. Não se fez nada.”
O PSDB continua um partido que é um partido velho, velho em essência, não de idade. Ele é velho, não evoluiu como deveria ter evoluído. Isso significou para muitos que saíram candidatos pelo PSDB uma âncora, como foi para para mim e outros tantos. Veja que nomes também importantes, históricos do partido, não se elegeram, como o José Serra [que se candidatou a deputado federal em 2022]. A minha atuação política depende de onde eu estarei, mas certamente eu sou um ser político, não tenho como deixar de ser um ser político.
Joice durante evento de filiação ao PSDBPretende se candidatar novamente à Prefeitura em 2024?
É muito provável que eu me candidate na próxima eleição a prefeita de São Paulo. O cenário político é muito ruim, deve ter o atual prefeito buscando a reeleição, que infelizmente é muito limitado na sua ação. Ele é muito grande na inação, é um prefeito que realmente não tem o estafe de prefeito. Acho que a mosca azul o mordeu, então ele quer ficar, mas é um prefeito que não fez nada. Não estou nem aqui [em São Paulo], não é nenhuma crítica, são fatos. Ele não fez nada pela cidade, está empurrando com a barriga, a cidade está do mesmo jeito, com problemas históricos que não são enfrentados. Do outro lado, você deve ter um Boulos da vida. É o nome da esquerda mais extrema, apesar de vestir essa roupinha Boulos paz e amor. A gente sabe que não é isso. Está faltando gente liberal de centro-direita que possa oferecer uma alternativa para a população.
O que acha que aconteceu para não ter conseguido se reeleger?
Vários fatores aconteceram para eu não ter sido reeleita, para eu perder um volume grande de votos. Um dos fatos foi a grande campanha de ataque que foi feita pelo gabinete do ódio, pelo próprio Bolsonaro, especialmente pelos filhos, durante praticamente todo santo dia durante dois anos e meio. Era eu sozinha me defendendo da máquina de ataque, da máquina de destruição de reputações que eles criaram e implantaram no Brasil. Por mais forte que eu seja – e eu sou, eu sou mais forte que todos aqueles aqueles filhos do Bolsonaro, eles não têm um dedinho mindinho da minha coragem –, eu estava enfrentando uma máquina realmente gigantesca, com gente absolutamente preparada para o ataque com fake news todo santo dia envolvendo o meu nome.
“Eu rompi com o governo quando o Bolsonaro estava no auge da popularidade. Muita gente não tinha noção que aquela criatura monstruosa estava tentando trazer uma ditadura para o Brasil, paguei um preço muito alto por isso.”
Obviamente outras coisas foram acontecendo na sequência. Eu não sou da esquerda e eu não sou bolsonarista, virei oposição ao Bolsonaro e tenho um histórico de enfrentamento da esquerda. Eu e o Lula já nos processamos mutuamente algumas vezes. Não sou e nunca serei de uma esquerda, nunca serei lulista, então fiquei naquele limbo, que foi o limbo que se formou durante o processo eleitoral por conta dessa polarização extrema.
E o PSDB?
Soma-se a isso o fato de o PSDB, como eu disse para você, ser uma âncora. Um partido que me deu a estrutura, é verdade, mas como partido puxou todos os seus candidatos para baixo, ele não é um partido que ajuda muito. Pelo contrário, ele atrapalhou. E tem os erros que eu mesma cometi, erros de análise no processo. Erros de posicionamento nas minhas próprias redes. Acabei deixando de usar as minhas redes para me posicionar porque eu estava muito ocupada me defendendo dos ataques. Não foi proposital, mas eu deixei meu público de lado para me defender dos ataques e isso me custou muito caro.
Tem receio de que os bolsonaristas repitam atos como os de 8 de janeiro?
Se a Justiça não ficar atenta, não ficar alerta, se o STF não mantiver a mão firme de ferro, com toda certeza esses golpistas radicais são capazes de voltar a cometer atos de depredação, de destruição, de tentativas de dar o golpe. Agora eles foram, de uma certa forma, desarticulados. Mas se as forças de segurança do próprio governo, junto do STF, piscarem o olho… Com certeza eles são capazes de fazer aquilo de novo ou coisa até pior. Não dá para baixar a guarda para essa gente.
Qual o maior desafio que a direita e a centro-direita que não se identificam com o bolsonarismo vão enfrentar?
O maior desafio da centro-direita é ter nome, ter representação. Eu coloco o meu nome como uma representante do centro-direita. Preciso fazer toda uma construção para isso, porque eu sou de centro-direita, mas, como eu disse, passei boa parte dos meus últimos três anos me defendendo. A centro-direita está com carência de lideranças, está muito perdida, anestesiada. É uma linha que apanhou muito e está lambendo as feridas, mas tem mar de sal aí que precisa ser vencido. Acho que esse é o grande desafio para 2023 e, obviamente, para a próxima eleição.
O que espera de um novo governo Lula?
Temos que dar o prazo de 100 dias para o governo, é uma coisa meio que de praxe. Vamos aguardar 100 dias e olhar o que está acontecendo.
“É claro que eu não vou torcer contra o governo, ainda que eu seja absolutamente uma oposição responsável ao Lula.”
Serei essa oposição responsável, vou fiscalizar muito cada vírgula, cada decreto, cada ação, cada projeto, cada decisão. E aquilo que for correto eu vou aplaudir. O que não for correto eu vou criticar, mostrar para a população o que está acontecendo, para que nós não tenhamos a população enganada mais uma vez, como aconteceu com os bolsonaristas. Também não dá para fechar os olhos para o processo de corrupção, ele [Lula] não foi inocentado. É muito importante que as pessoas entendam isso. Ele não foi inocentado. Os processos foram anulados porque a Justiça entendeu que o Sergio Moro errou no processo. Agora, em nenhum momento foi decidido ou se descobriu que não existia o Petrolão, que não existiu todo o processo de corrupção que a gente acompanhou. São coisas diferentes. É importante que a história não se apague, que alguém esteja ali para relembrar o tempo, toda a história. E eu serei essa pessoa.