Depois de dois anos sem Carnaval em Salvador, aquela música que diz que ‘queria que essa fantasia fosse eterna’ nunca fez tanto sentido. Por isso, o tradicional ‘Arrastão’ da Quarta-feira de Cinzas teve um gostinho especial neste ano, afinal, quanto maior a saudade, maior a dor da despedida. Era como se o público disse ao circuito Dodô (Barra–Ondina): “Eu não vou embora!”.
A chuva até ameaçou, mas não ousou tomar o lugar do sol durante a manhã desta quarta (22). Às 10h, pontualmente, o cantor Bell Marques saudou os ‘inimigos do fim’. “Eu sabia que vocês viriam”, brincou o cantor, que, aos 70 anos, não perde o pique nem mesmo no sétimo dia seguido em cima do trio.
Além dos clássicos do Chiclete com Banana, ao lado dos filhos Rafa e Pipo Marques, Bell se despediu de mais um Carnaval com outros clássicos da folia, como ‘Chame Gente’. “Obrigado por todos esses dias. Só posso dizer: ‘Até o ano que vem, com fé em Deus'”, declarou ele.
Foto: Arisson Marinho/CORREIO |
O cantor septuagenário ainda aproveitou para parabenizar o trabalho prestado pela Secretaria da Segurança Pública (SSP-BA) durante o período festivo. “Estou muito feliz de terminar o Carnaval desse jeito: na paz e com equilíbrio entre todas as partes”, enunciou.
Sede de folia
Chicleteiro com direito a tatuagem em referência à banda, o turista paraibano Aldrin Aasafe, de 29 anos, chegou a Salvador na quinta-feira (16). “Eu vim todos os dias. Só vou embora domingo, porque a Bahia é maravilhosa”, disse ele.
O jovem confessou que estava sedento pela festa baiana. “Eu sou de João Pessoa (PB), e minha esposa é de Maceió. Todo Carnaval, ‘tamo’ aqui em Salvador”, contou Aldrin. “Não quero ir embora nunca mais”, gracejou.
Se, por um lado, havia quem tivesse ‘pulado’ durante todos os seis dias de Carnaval, por outro, havia quem se encaixasse no objetivo maior da festa, idealizada por Carlinhos Brown: após jornadas cansativas oferecendo sua mão de obra, finalmente podia aproveitar um pouco a folia.
Foi o caso da cordeira Jéssica da Silva, 32. “Trabalhei todos os dias no Carnaval. Peguei a ‘pipoca’ de Bell e vou tomar um banho de praia. Já chegou, acabou o trabalho e pronto: agora é só curtir”, comemorou ela.
Ao gosto de alguns, aliás, o dia de despedida é a melhor parte do Carnaval. “Eu amo o ‘Arrastão’. Tudo de bom tá aqui!”, exclamou a vendedora Viviane Pitta, que gosta tanto da ocasião que arrastou a amiga Jussara Barros pra comemorar seu 40º aniversário no circuito, com ela. “Aniversário da amiga eu não posso perder, né?!”, consentiu Jussara.
Outras atrações
Carlinhos Brown, que ainda puxaria seu trio, deu uma palhinha com Bell: juntos, eles cantaram ‘É Difícil’, do Chiclete. Na sequência do ‘Arrastão’, vieram Léo Santana, o próprio Brown e Danniel Vieira. O trajeto foi o mesmo que o oficial: do Farol da Barra ao monumento ‘As Meninas do Brasil’, popularmente conhecido como ‘As Gordinhas de Ondina’.
Para o que chamou de ‘Arrastão do Gigante’ Léo Santana convidou Renanzinho, vocalista da banda CBX Samba Club. Com ele, estendeu seu repertório, focado no pagode baiano, para uma pegada mais romântica, sem, no entanto, ter deixado o hit ‘Zona de Perigo’ de fora.
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Carlinhos Brown trouxe músicas suas e sucessos da Timbalada, banda da qual é fundador. O artista, porém, se queixou da inversão na ordem do ‘Arrastão’ e acusou desrespeito à tradição, já que tradicionalmente seu trio é o que abre o desfile de encerramento do Carnaval de Salvador.
“Tudo bem que Bell é meu amor, respeito, fui lá cantar com ele. Mas tradicionalmente a gente abre o Arrastão. A ordem foi invertida. Disse que o governador que pediu; o prefeito, também. Mas eles precisam respeitar a tradição. Bell não tem nada a ver com isso. O governador, que está chegando agora, e o prefeito precisam respeitar um pouquinho as questões tradicionais”, disse o Cacique, de cima do trio, à TV Bahia.
Último a ter saído, o cantor baiano do sertanejo Danniel Vieira subiu ao trio com Léo Marques, 7Kssio, Kart Love e Tati Quebra Barraco. Foi o sexto ano de Danniel no ‘Arrastão’. O cantor, que sempre chama atenção para uma das categorias envolvidas na festa, resolveu alertar e prestar reverência aos agentes de limpeza.
Para isso, vestiu uma farda de gari. “Muita gente não lembra desses profissionais, que se dedicam para deixar as ruas limpas para o folião e, por isso, a justa homenagem”, disse ele. No fim do circuito, Danniel Vieira e seus convidados desceram do trio para, em meio aos foliões, cantar ‘We Are Carnaval’.
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Vinte dias de Carnaval? Há quem apoie
Na terça-feira (21), último dia oficial do Carnaval, o cantor Xanddy Harmonia, durante sua passagem pelo circuito Osmar (Campo Grande), conseguiu animar ainda mais a ‘pipoca’ com a seguinte declaração: “Prefeito mandou dizer que, em 2024, serão 20 dias de Carnaval”, falou Xanddy, em tom de brincadeira.
Bom, apesar de Salvador ‘respirar’ festa a partir de janeiro, com ensaios de verão e fanfarras pré-reinado de Momo, há quem aprove a sugestão do ex-Harmonia do Samba. “Tomara que o prefeito atenda”, desejou o turista mineiro Diego Gonçalves, 34, que veio à capital pelo 10ª ano, para matar a saudade da folia.
“A gente curtiu bloco e camarote e descansou um pouquinho mais ontem [21], pra vir pro ‘Arrastão’. A gente vai até acabar”, garantiu o belo-horizontino, acompanhado de sua esposa, Mara Rezende, 31.
Enquanto, no que dependesse de Diego, um Projeto de Lei (PL) já estaria tramitando na Câmara de Vereadores de Salvador, para a baiana Vanessa Soares, 32, seria necessário maior cautela. “Só se parasse tudo, porque a nossa vida não para”, ponderou a foliã, de Jequié, no sudoeste do estado, ao passo que um amigo seu, Jamilton Pereira, 30, opinou: “30 dias!”.
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