A vendedora Flaviana Soares, 43, acompanhada do filho Wendel William, 16, bate ponto quase todos os fins de semana em shoppings, centros comerciais ou mercados de Salvador. Foi assim que eu, repórter que escrevo a matéria, a conheci. Mas ao contrário da maioria das pessoas, que vão a esses lugares para comprar ou passear, Flaviana, ou Fafá, como gosta de ser chamada, está ali tentar realizar o sonho dos seus filhos. Wendel e Iago Vitor, que tem 15 anos, estão prestes a disputar seus primeiros campeonatos brasileiros de jiu-jitsu e hoje correm atrás do dinheiro para pagar as passagens para São Paulo e estadia em território paulista.
“A gente tá se preparando aos poucos, acho que o melhor preparo vem dos treinos. Antes, eu e meu irmão brincávamos muito mais, mas hoje já levamos a sério, a gente leva de forma mais profissional quando vamos treinar”, afirmou Iago ao comentar sobre a ansiedade de disputar o nacional. O mais novo já tem o dinheiro para a inscrição, mas não garantiu a passagem de avião.
Já Wendel e Fafá têm passagens compradas, mas resta a inscrição do jovem na categoria juvenil. O dinheiro levantado até agora, além das doações feitas por PIX enquanto mãe e filho paravam as pessoas para pedir a contribuição, veio do duro trabalho de Flaviana durante o Carnaval, quando conseguiu a licença para trabalhar de ambulante.
“Foram seis dias ali na Barra. Eu e eles. Dormimos todos os dias ali na rua, levei colchas para ficarmos lá. Vendia água, cerveja e refrigerante”, revelou.
A competição será disputada entre 29 de abril e 7 de maio no Ginásio Poliesportivo José Corrêa, que fica em Barueri, região metropolitana de São Paulo. As inscrições serão feitas no dia 21 de abril, mas até o dia 6 é necessários que os atletas estejam cadastrados junto às suas academias e à Confederação Brasileira de Jiu-Jitsu (CBJJ).
Para ajudar Fafá, Wendel e Iago faça sua doação através do PIX: (71) 988935615 – Flaviana da Silva Soares
Mãe solteira de outras quatro meninas, Flaviana conta que o jiu-jitsu entrou na família já há algum tempo, quando a dupla tinha menos de dez anos. Quem abriu as portas para Wendel e Iago no esporte foi o projeto Boa Luta, organizado pela academia da equipe Nordeste Jiu-Jitsu, que existe desde 1998 no bairro da Boca do Rio. O mesmo bairro onde a família cresceu.
“Enquanto eu trabalhava, as minhas meninas descobriram esse projeto. Elas foram praticar, mas era o jiu-jitsu de brincadeira. Então os meninos começaram a ir, vizinhos incentivaram e eles começaram a ir sem mim. Confesso que eu nem sabia o que era, falava ‘tudo bem, vocês podem fazer, problema de vocês, eu só não tenho dinheiro, viu?'”, relembra rindo.
A trajetória dos irmãos, considerando que são adolescentes que disputam as categorias infanto-juvenil (até 15 anos) e juvenil (16 e 17 anos) é promissora. Wendel conta que ele e o irmão têm quase 30 títulos de etapas do campeonato estadual cada um. Nessas categorias, são disputadas etapas mensais de Campeonato Baiano que formam o ranking anual de lutadores. Wendel ainda soma dois vice-campeonatos sul-americanos na categoria infantil, que vai até os 11 anos.
Desta vez, o foco é a disputa do primeiro Campeonato Brasileiro da vida dos dois garotos. Como são adolescentes, a participação nessas competições ainda é feita mediante o pagamento da inscrição, sem restrições de ranking técnico. Os valores vão de R$137 a R$257 por atleta a depender da data que Fafá consiga inscrever a dupla.
Wendel lembra que concretizar o sonho de disputar um nacional é dar mais um espaço na sua curta carreira nas lutas – até aqui. E muito além do foco e disciplina que o jiu-jitsu trouxe para a sua vida, existe um outro objetivo que é muito mais valioso para ele: o orgulho de mãe.
“Quando competi pela primeira vez, vi que minha mãe ficava muito orgulhosa de mim. Ela sempre foi muito batalhadora, nunca deixou faltar nada pra mim. E aí decidi que o que o eu mais quero é lutar o Mundial e ser campeão. Poder fazer minha carreira fora do país para dar o melhor a ela e mostrar que valeu a pena correr atrás desse sonho”, ressaltou Wendel.
Atuação do projeto ‘Boa Luta’
Apesar do destaque de Wendel e Iago, o projeto Boa Luta, hoje já consolidado no cenário baiano do jiu-jitsu, é responsável pela transformação e evolução de diversos jovens de Salvador. Fundado no final da década de 1990 pelo mestre e professor Yuri Carlton, que também é CEO do Nordeste Jiu-Jitsu, o Boa Luta recebe em seu espaço desde crianças com cinco anos até adultos que focam na preparação para competições.
Renê Jardan, 30, é sobrinho de Yuri e foi formado em outra academia da cidade. Há seis anos passou a integrar o corpo de professores do Boa Luta e acompanhou de perto a evolução dos irmãos nos últimos anos. “Eu entrei na parte de competição para direcionar eles [os alunos]. E quando Wendel e Iago começaram a competir foi normal, perdiam algumas lutas, começaram a evoluir e aí é que começa a ganhar. Já tiveram a oportunidade de disputar o Sul-Americano e, de uns cinco anos para cá, Wendel – que é o mais velho – já vem treinando muito bem. Os dois sempre treinaram bastante, mas agora fazem isso como competidores”, avaliou Renê.
Mas o papel dele como professor ou de outros mestres da academia vai muito além da preparação técnica e mental para as competições Brasil a fora. O Boa Luta surgiu com o intuito de dar um suporte social à comunidade da Boca do Rio, tirar os jovens da rua e dar mais tempo a eles dentro das escolas e praticando diferentes esportes. Seja ele o jiu-jitsu ou não.
E Fafá completa: “O projeto é muito importante para a comunidade. Eu inclusive me doei e hoje me considero ‘mãe do projeto’. Chega fico emocionada falando isso. Chamo os meninos, converso, levo para o projeto, falo de todos para os meus filhos e tem vários que eu arrastei para lá que estavam quase perdidos na vida. Hoje estão lá disputando para serem um dos melhores no esporte”.
Para ajudar Fafá, Wendel e Iago faça sua doação através do PIX: (71) 988935615 – Flaviana da Silva Soares