InícioEditorialEsportesEsperança do Brasil no skate é malabarista e quase virou russo

Esperança do Brasil no skate é malabarista e quase virou russo

Vice-campeão do Mundial de Park em fevereiro e vencedor da primeira etapa da temporada 2023 do STU, o circuito nacional de Skate, no último final de semana, Augusto Akio colocou-se como nome forte na corrida para representar o Brasil na Olimpíada de Paris. A campanha da medalha de prata é considerada pelo paranaense de 22 anos, mais conhecido como Japinha, a melhor de sua história, mas subir em pódios não é uma obsessão para ele.

Dedicado a uma jornada de autoconhecimento, o skatista tenta estabelecer uma relação saudável com as competições, enquanto se mantém aberto a novas experiências. Inquieto, aventura-se como malabarista, concilia a carreira com a faculdade de Educação Física e quase foi seduzido por uma proposta para se naturalizar russo.

Japinha anda de skate desde os 7 anos e viu sua paixão mudar a percepção que o pai tinha sobre o esporte. “Meu primo, que é mais velho, apareceu com um skate em casa uma vez e ele falou que era coisa de vagabundo. Não lembro se jogou fora ou doou o skate”, afirmou ao Estadão.

Quando Augusto começou a praticar, o pai percebeu o quanto aquilo ajudava o garoto, então introvertido e com dificuldade de fazer amigos, a se socializar. Por isso, decidiu levar o filho para as pistas. “O verdadeiro motivo de ele me incentivar a fazer o que eu gosto é porque ele percebeu que aquilo fez bem pra mim. Graças ao skate, minha socialização melhorou bastante”, relembra o vice-campeão.

Desde cedo, Japinha aprendeu com o skate. No convívio com outros skatistas nas pistas de Curitiba e mais tarde rodando pelo mundo, ainda muito jovem, adquiriu um forte senso de coletividade. Nunca parou de aprender e tirou lições até de episódios dos quais não se orgulha.

Em 2019, participou do Mundial de Park, em São Paulo, na corrida olímpica, e foi eliminado no qualificatório, após ter um comportamento que considera incompatível com os valores propagados dentro do universo do skate.

“Vendo como me comportei no aquecimento, nos treinos e nos intervalos entre as voltas, foram atitudes que repudio. Dropei entre todos os intervalos. Devo ter andado mais do que os outros, e ninguém deve andar mais do que ninguém. Eu não estava respeitando os outros, estava olhando só para mim mesmo, não foi à toa que foi uma das minhas piores campanhas. Tive de enxergar meu erro, perceber que estava fazendo algo contra os meus valores, contra a minha concepção de esporte”, disse.

A reflexão fez Japinha evoluir como skatista. As manobras que ele acertou nos Emirados para ser vice-campeão mundial já estavam em seu repertório em 2019, a diferença de lá até aqui foi sua postura. “Eu já sabia que amava skate naquela época, mas só depois me encontrei, vi a forma que posso retribuir para o coletivo. Nesse ciclo começando agora, acredito que eu estou muito mais ciente de qual é minha participação no skate”.

Malabares e seleção russa
Augusto tira ensinamentos de outras atividades. Depois do skate, a principal é o malabares, arte praticada por ele desde 2020. “Vi muita semelhança com o skate. No sentido de que todo mundo está em pé de igualdade, apesar de alguns terem uma habilidade maior, todo mundo tem conhecimento de vida que pode agregar e somar na vida do outro. Tanto no skate quanto no malabares, acontece o lance da empatia, do respeito e da coletividade”.

O respeito demonstrado por Japinha nos lugares onde chega é retribuído. Quando não tinha nem 20 anos, o paranaense conheceu alguns skatistas russos no campeonato Vert Attack, em Malmo, na Suécia, manteve contato com eles e foi convidado para ser treinador da seleção de skate vertical da Rússia. Mandou até currículo, mas desistiu da ideia, pois, para assumir o cargo, teria de passar por um longo processo para se naturalizar russo

“Foi bem maneiro, porque eu nunca tinha montado um currículo. Mandei contando sobre minha história nos skate. O lance foi que acharam muito da hora, mas a intenção principal não era só que eu treinasse, mas que eu competisse pela Rússia também. Acabei descartando porque um dos pré-requisitos é que eu morasse lá. Agora não lembro, mas acho que nos três primeiros anos, eu moraria lá e não poderia competir em campeonato homologado, porque eu ainda seria brasileiro. Eu teria de ficar um tempo afastado do esporte e depois reingressar”, explica.

Essência
As relações construídas no esporte estão em primeiro lugar entre as coisas que mais importam para Augusto, por isso ele celebra, tanto quanto as medalhas, feitos fora do circuito de competições, como lançar um longa-metragem com seus amigos. Após mais de três anos de produção, a Low Pressure, sua ‘crew’, como são chamados os coletivos formados em torno da cultura do skate, finalizou o filme “LowMovie”, que já teve festa de lançamento e em breve estará disponível no site especializado “Black Media Skate”.

O grupo é composto por skatistas, videomakers, designer, fotógrafos, músicos e artistas, e o filme mostra um pouco do estilo de vida levado por eles, em meio a manobras em pistas e nas ruas, inclusive em locais desafiadores.

“É a realização de um sonho. O coração de tudo isso foi o Rafão, o videomaker da crew. Cada manobra, cada imagem que está no vídeo, algumas vieram rápido, outras demoram, mas cada uma teve sua própria batalha, interna e externa. Às vezes, até conflitos externos de pessoas de fora que não compactuam com a prática em determinados locais e querem censurar o esporte”, explica Japinha.

Apegado a esse lado mais cru do esporte, o curitibano teme que o crescimento do skate pós-Olimpíada transforme a prática em algo apenas voltado para a competição e resultados, ainda mais com atual absorção da modalidade pela World Skate, federação antes apenas dedicada a esportes sobre patins. Há divergências entre os skatistas e a instituição.

Em um exercício de imaginação, Japinha compara o futuro do skate, caso a essência não seja mantida, com um futuro distópico apresentado em filmes de ficção científica.

“Já viu aqueles filmes que mostram um futuro distante e o esporte que existe lota arenas, tem carros com pessoas ou alienígenas se batendo? É brutalidade pura, as pessoas estão se matando. Você vê que tem uma premiação, mas a pessoa que vence não está feliz, porque ela sabe que vai ter que matar mais pessoas ou vai acabar morrendo”.

Desempenho
Ponderações à parte, o jovem paranaense dá o máximo nas competições, mantém o sonho olímpico vivo e vislumbra a possibilidade de estar em Paris, em 2024, com bastante otimismo, até porque ocupa o segundo lugar do ranking de park da World Skate.

Durante o ano passado, foi o quinto colocado do ranking do STU, antes de alçar seu nome ainda mais alto no início deste ano, com a conquista da prata do Mundial disputado nos Emirados Árabes, onde dividiu o pódio com o americano e campeão Jagger Eaton e com o compatriota medalhista olímpico Pedro Barros, que ficou com o bronze.

No último domingo, em Criciúma, na primeira etapa deste ano do STU, mais uma vez dividiu o pódio com Barros. Foi o primeiro colocado, novamente à frente do vice-campeão dos Jogos de Tóquio Pedro Carvalho completou o pódio.

Akio também é medalhista de mundiais de vert, categoria do skate em que se executa manobras em uma pista em formato de “U” e que não faz parte do programa olímpico. Além disso, já foi sexto colocado do X-Games, considerado a Olimpíada dos esportes radicais. Enquanto tenta atingir seus objetivos competitivos, Japinha busca manter o equilíbrio com suas outras aspirações.

“Eu sou uma pessoa com bastante contraste. Ao mesmo tempo que eu expresso bastante tranquilidade, eu sou bastante preocupado. Ao mesmo tempo que eu tenho um semblante leve, eu tenho sentimentos pesados que eu carrego comigo”, diz. “O lance é que é uma sensação muito boa ter esse reconhecimento pelo meu skate”, conclui.

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