No Brasil, a baiana Astrud Gilberto nunca foi popular como suas conterrâneas Gal Costa (1945-2022), Maria Bethânia ou Ivete Sangalo. Mas ela ganhou uma fama internacional que as outras não tem graças à gravação de The Girl From Ipanema, em 1964, uma das músicas mais executadas no mundo e a canção brasileira mais gravada no planeta. A cantora nascida em Salvador em 1940 morreu aos 83 anos na noite de segunda-feira, depois de um problema no coração, segundo a família.
Astrud estava na Filadélfia, nos EUA, em casa. Adriana Magalhães, nora de Astrud, contou que ela morreu em casa. “Morreu na casa que ela amava, onde pintava seus quadros. É uma casa cheia das obras de arte dela, mil pinturas. Faleceu como ela preferia. Nesse ponto, foi embora em paz. Astrud foi um grande exemplo artístico para suas netas e filhos. Foi uma artista múltipla, que cantava, compunha e pintava. E influencia a Sofia, que segue a avó, pintando, compondo e cantando”, disse Adriana.
Filha de uma brasileira e um alemão, mudou-se da Bahia para o Rio de Janeiro aos oito anos. Seu pai, um professor de literatura, batizou as três filhas com o nome de deusas da mitologia nórdica: Astrud (uma variação de Astrid), Eda e Iduna. No Rio, Astrud se aproximou do universo musical depois de se tornar amiga de Nara Leão (1942-1989), que lhe apresentou artistas emergentes, incluindo João Gilberto (1931-2019), com quem Astrud seria casada de 1959 a 1964.
O primeiro álbum solo, de 1965 |
Depois de se casarem, João e Astrud aos EUA, já que o cantor vislumbrava uma carreira internaciional e surgiram convites para que ele se apresentasse em território americano, como ocorreu em novembro de 1962, em Nova York, num famoso show que reuniu ainda os brasileiros Tom Jobim (1927-1994) e Sérgio Mendes, além de estrelas da música americana: o guitarrista Charlie Byrd (1925-1999) e o saxofonista Stan Getz (1927-1991).
O casal permaneceu em Nova York e em 1963 João gravou com Getz o histórico álbum Getz/Gilberto, produzido por Creed Taylor. Havia o desejo de inlcuir a canção Garota de Ipanema (Tom Jobim e Vinicius de Moraes), mas com letra em inglês, em versão de Norman Gimbel.
A gravação
Como o inglês de João não era lá dos melhores, ficou para Astrud a missão de gravar o clássico da bossa em idioma estrangeiro. O detalhe mais impressionante: a baiana, prestes a completar 23 anos, jamais havia realizado uma gravação profissional. Mas é aí que surge uma pequena intriga: o produtor Creed Taylor assegura que foi Astrud que se ofereceu para cantar, enquanto a cantora garante que o convite partiu dele. Há ainda quem diga que João não queria que ela gravasse.
Getz chegou a dizer, em 1964, que antes da gravação Astrud era apenas uma dona de casa e que ela havia dado sorte de estar no álbum. A cantora reagiu e quase 40 anos depois, numa entrevista publicada no site dela, disse: “Aos que conhecem essa versão, quero dizer que eu já tinha experiência como cantora em encontros com diversos artistas. E, claro, havia tido lições com o ‘mestre’, sim, ele mesmo, João Gilberto”.
Pela gravação, Astrud recebeu US$ 120, conforme determinava a tabela do sindicato. Em valores atuais, seriam US$ 1,2 mil. Mas, polêmicas à parte, o fato é que a música logo ficou entre as cinco mais tocadas dos EUA e as 30 primeiras do Reino Unido. The Girl From Ipanema, na voz de Astrud, recebeu o Grammy de Gravação do Ano. Era a primeira vez que a categoria premiava uma canção na voz feminina.
João e Astrud tiveram um filho, Marcelo. O casal se separou em 1964 e depois ela teve Gregory, com outro marido. Em 1965, ela gravou seu primeiro disco solo, Astrud Gilberto Album. A artista gravou 19 álbuns, que nunca repetiram o sucesso de The Girl From Ipanema, mas ela teve uma carreira internacional bastante sólida e era muito conhecida fora do país. Gravou nos anos 1970 um dueto com Chet Baker, um dos grandes trompetistas da história.
Com a estrela pop George Michael, gravou uma versão de Desafinado, em 1996. A americana Billie Eilish, 21 anos, um dos nomes mais populares da nova geração, declarou em 2021 que tinham muitas inspirações para seu novo álbum, mas The Girl from Ipanema “é uma das minhas favoritas de todos os tempos e tem que levar a maior parte do crédito”. No Instagram, a estrela americana postou um vídeo de Astrud cantando o clássico.