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Exclusivo: mensagens em celular de advogado morto apontam troca de favores na Justiça goiana

A quebra do sigilo telefônico dos aparelhos celulares dos advogados Marcus Aprígio Chaves e Frank Carvalhães, ambos assassinados dentro do escritório em que trabalhavam, em Goiânia, em 28 de outubro de 2020, revelou um suposto esquema de tráfico de influência e troca de favores dentro do Poder Judiciário de Goiás.

Em conversas obtidas com exclusividade pelo Metrópoles, juízes, desembargadores e advogados aparecem ou são citados pedindo “ajuda” a Marcus Chaves em promoções de carreira, resoluções de processos ou solicitando cargos específicos para parentes (entenda abaixo).

Apesar de a trama se passar, especialmente, dentro do Tribunal de Justiça do Goiás (TJGO), integrantes dos tribunais do DF e de Minas Gerais, bem como dos Tribunais Regionais Federais (TRFs), também são citados no suposto esquema.

Os dados foram extraídos pela Polícia Civil durante o inquérito que apurou a morte de Marcus e Frank, em 2020, e estão à disposição da Justiça desde 2021. Apesar disso, não foram investigados pelas autoridades.

Sobre os homicídios de Marcus e Frank, durante as investigações, a polícia desconfiou que o crime teria sido encomendado e passou a ouvir pessoas envolvidas nas vidas dos advogados. Apesar de no início ter sido levantada a hipótese de que um agiota poderia estar por trás do homicídio, o fazendeiro Nei Castelli foi detido como o mandante. O crime teria sido motivado após o fazendeiro perder um milionário processo para um cliente representado por Marcus, segundo a processo.

Em 31 de maio, Castelli e Cosme Lompas – responsável por contratar os executores do crime e intermediar a negociação dos valores pagos – foram condenados a 21 anos, 10 meses e 15 dias de reclusão, cada um.

Como funcionava o suposto esquema: Segundo as mensagens obtidas pela reportagem, a empreitada funcionava da seguinte forma: Marcus, que era filho do ex-presidente do TJGO – o desembargador Leobino Valente Chaves – e sobrinho do ex-desembargador Arivaldo Chaves, era procurado por outros advogados e pelo alto escalão do Judiciário para interceder diante de causas que os familiares dele poderiam resolver.

Ao realizar promessas de que faria os pedidos, Marcus era beneficiado em seus processos e indicado para assumir casos milionários. Influente, logo passou a se envolver com grandes empresários, que também o ajudavam na troca de favores.

Em uma das conversas, por exemplo, o advogado negocia com o gestor financeiro do Instituto Reger, Joe Luiz Ferreira, um cargo para a sobrinha da desembargadora Amélia Martins de Araújo. Segundo ele, a magistrada teria pedido e especificado que a carga horária deveria ser de 20h, com salário de R$ 5 mil, uma vez que a jovem estaria “estudando para seguir os passos da tia”.

O Instituto Reger é uma organização social sem fins lucrativos, com atuação na área da educação e que mantém parceria publico-privada com o governo de Goiás. Por receber repasses públicos, a instituição deve adotar processos seletivos para contratação de pessoal, com edital publicado e divulgado na imprensa oficial.

Confira a conversa:

A pessoa com quem Marcus conversa envia um áudio com a seguinte transcrição: “A gente tem condição de fazer o que der pra fazer, o que você quiser que eu faça. Não é comum 20h, mas eu posso fazer. O povo já começa a perguntar, entendeu? Mas a gente pode ver”.

Ouça:

Ao mesmo tempo, Marcus também pede o emprego a um empresário identificado como Ebert Rodrigues, dono da Master Placas, que teria acesso a cargos dentro do Poder Executivo do Goiás. Após solicitar mais informações sobre a vaga, Rodrigues diz que o secretário de ordem do governador Ronaldo Caiado, à época, conseguiria o emprego para a sobrinha da desembargadora.

O empresário, então, manda um áudio com a seguinte mensagem: “Já passei para o ajudante de ordem do governador […]. Inclusive, tem mais dois empregos que eu já pedi. Está tudo certo. Mandaram documentos, currículos e só estão esperando votar isso ai. Vai dar certo”.

Ouça:

Em seguida, Ebert Rodrigues finaliza:

“Resolvo qualquer coisa no TRF 1” Em outra situação, um advogado identificado como João Augusto Chaves manda áudio para Marcus à procura de uma ponte para contatar o sobrinho de um desembargador de Brasília. O objetivo, segundo consta na mensagem, seria resolver pendências de uma mulher no Tribunal Regional Federal 1 (TRF), no DF.

Ouça:

“Marquim, deixa eu te falar: esse é o nome de um desembargador do TRF 1, e esse é um advogado que é sobrinho dele [do magistrado]. O que acontece: estou com uma amiga que trabalha com o governo, com investimentos fora do país e ela é sócia de uma empresa de importação e exportação, em Manaus. Eles [a empresa] estão com um processo no TRF 1 na mão desse desembargador”, começou João Augusto.

“Eles exportaram um produto que está embargado na Receita Federal e está dando um prejuízo de R$ 20 milhões. […] Eles estão precisando de alguém que tenha contatos no TRF 1 ou que tenha uma ponte com esse advogado que é sobrinho do desembargador. Você tem o contato de alguém que possa nos ajudar? ”, indaga o defensor.

Marcus, então, responde o áudio com a seguinte mensagem:

“Resolvo qualquer coisa no TRF 1” Entre as mensagens extraídas pela Polícia Civil, há, ainda, contatos de clientes que procuraram o advogado após saberem da “influência dele no TJGO”. Em uma conversa, inclusive, uma pessoa interessada no trabalho de Marcus afirma que se ele “interferir em um caso”, ela o contratará. Veja:

“Serei eternamente grato” Além de empresários, advogados e clientes, Marcus mantinha contato frequente com juízes do Tribunal de Justiça de Goiás. Um dos magistrados é Ronnie Paes Sandre.

Segundo consta nas trocas de mensagens, Sandre queria que a promoção de carreira dele fosse acelerada dentro do TJ e, para isso, pedia que Marcus intercedesse por ele diante de Leobino, à época presidente do órgão. A intenção do juiz, na data em que as mensagens foram trocadas, era o segundo grau de jurisdição.

Para demostrar apoio ao magistrado, o advogado fazia promessas e dizia que usaria até mesmo a influência de um bispo para convencer o pai a ajudar Ronnie.

Confira:

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Enquanto estava vivo e atuava como advogado, vários processos de Marcus foram julgados por Ronnie. Em conversas com clientes, o advogado celebrava vitórias e citava o nome do juiz.

Dentre os diversos casos, no entanto, o de número 5684125-71.2019.8.09.0000 foi o que mais chamou atenção. Depois de uma sentença favorável, assinada pelo magistrado, o escritório de advocacia de Marcus recebeu meio milhão de reais.

Segundo consta nas conversas, logo após a publicação da decisão proferida por Ronnie, o advogado manda uma mensagem com o PDF da sentença para um cliente e comemora a conquista. Quase que imediatamente, esse cliente, que era parte no processo – identificado como Jandir Tiecher – transfere R$ 500 mil ao escritório Chaves Advogados Associados SS (veja o comprovante abaixo). tempos após a morte de Marcus, porém, o tribunal cancelou os efeitos da decisão proferida.

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Marcus relembra Jandir sobre pagamento dos honorários advocatícios momentos antes de decisão ser publicada

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O cliente, então, envia os dados para emissão da nota fiscal

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Marcus informa que o processo foi “concluso”

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Cliente lembra que o combinado era de que processo fosse revogado e negado pelos juízes, na primeira e segunda instâncias

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Marcus afirma que “tratou de tudo” e que ele e Jandir ganharam o processo

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Em seguida, envia a decisão do juiz Ronnie Paes Sandre

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Marcus responde que todos os pedidos de Jandir no processo foram atendidos

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O advogado pede ao cliente para não encaminhar as peças do processo, pois assinou os documentos digitalmente — com dados pessoais

A última conversa entre o advogado e o juiz ocorreu meses antes dos assassinatos. Na declaração, a Marcus lamentou uma situação vivida por Ronnie. Isso porque, na ocasião, o magistrado foi alvo de busca e apreensão durante uma investigação que apurou corrupção e tráfico de influência em um processo de recuperação judicial da indústria Centroalcool , em 2020.

A quebra de sigilo telefônico no aparelho celular de Frank Carvalhães, o outro advogado assassinado, também apontou indícios de ilegalidade na conduta de Ronnie. Em áudio, um homem afirma que o magistrado teria tentado “vender sentença” a alguém identificado como Henrique.

Ouça:

“Esse Ronnie Paes é de Uruaçu? Ernandes tá dizendo que é amigão dele. Ernandes disse que ele está vendendo sentença para o Henrique”, diz a pessoa no áudio.

Sem demonstrar surpresa, Frank responde:

“Não é difícil, não. kkk” Confira a conversa na íntegra entre Marcus Chaves e o juiz Ronnie Paes Sandre por meio deste link.

Outro juiz do Tribunal de Justiça do Goiás que mantinha contato frequente com Marcus era Átila Naves Amaral. Assim como Ronnie, o magistrado também pedia para que o advogado o ajudasse convencendo Leobino a apoiá-lo em promoções de carreira.

Durante uma conversa entre o advogado e Átila, o magistrado chega a indicar o nome de quais juízes deveriam receber a ajuda de Marcus para serem promovidos dentro do TJGO.

Em determinado momento, Átila manda uma foto do juiz Fabiano Abel de Aragão Fernandes, um gif de um personagem segurando uma arma de fogo e uma mensagem com o seguinte texto: “Ferrar com esse fela! não faz nada pra ninguém! [Sic]”.

Em seguida, Átila discute com Marcus sobre os juízes que buscavam a promoção de carreira e dos planos para manipular os resultados.

Confira a conversa na íntegra entre Marcus Chaves e o juiz Átila Naves Amaral por meio deste link.

O que dizem as autoridades Indagada sobre o motivo pelo qual as mensagens não foram investigadas antes, a Polícia Civil de Goiás informou que “todas as informações extraídas durante a fase de investigação foram encaminhadas à Justiça”.

O Metrópoles procurou o promotor Geibson Cândido Martins Rezende, que acompanhou o caso durante toda a fase de inquérito, e, em nota, ele declarou que o Ministério Público não teve acesso ao conteúdo dos dados extraídos dos celulares das vítimas.

Segundo o promotor, “por haver no bojo do inquérito policial provas suficientes da materialidade e da autoria do duplo homicídio”, ele “se ateve aos elementos de informação acostados aos autos para subsidiar a peça acusatória”. Os quais, conforme relatou, “não tinham nenhum conteúdo relacionado a qualquer pessoa que não esteve diretamente ligada ao esclarecimento da autoria dos delitos”.

“Esclareço, ainda, que os aparelhos celulares das vítimas foram objeto de perícia e, em razão da extensão do arquivo, o resultado foi gravado em mídias, sendo estas encaminhadas à escrivaninha da 1ª Vara de Crimes Dolosos contra a Vida e colocadas à disposição das partes”, pontuou Rezende.

Defesa Em nota, a desembargadora Amélia Martins de Araújo negou ter pedido a ajuda de Marcus para a sobrinha. “Sobre o teor da alegação de que através de um diálogo divulgado haveria uma citação a meu nome, informo que jamais pedi a qualquer pessoa que solicitasse emprego para qualquer parente meu”, escreveu a magistrada.

“Não tenho noção das circunstâncias que levaram a citação do meu nome, já que não tinha qualquer relacionamento pessoal com o falecido advogado Marcus Aprígio Chaves, não me recordando sequer de tê-lo recebido em meu Gabinete”, pontuou. “Não solicitei nenhuma vantagem ao citado advogado, que tragicamente teve sua vida ceifada, tendo tranquilidade dos meus atos e da minha história”, declarou Araújo.

Em sua defesa, o juiz Átila Naves Amaral disse que “jamais precisou de ajuda” durante sua caminhada profissional: “Em atenção as indagações que me foram trazidas, esclareço que: jamais procurei qualquer ajuda do Dr. Marcus Chaves em minha carreira. Tenho três décadas de magistratura e jamais precisei de ajuda em meu caminho”.

“Conhecia o Dr. Marcus desde os seus 18 anos, tendo com ele uma relação de respeito e cordialidade. Como se sabe, a promoção de magistrados obedece regras objetivas, não havendo como pessoas alheias ao processo interfiram. Não fui ajudado e a prova disso é que não fui promovido a desembargador do TJGO até hoje. Informo, ainda, que nunca julguei processos do Dr. Marcus”, escreveu Amaral.

Quanto as mensagens sobre o caso a ser resolvido no TRF 1, à época, o advogado João Augusto Chaves declarou que a conversa “não passou de uma mera consulta” e que “não houve contratação nem da parte dele e nem da de Marcus para atuar na causa”.

À reportagem o juiz Ronnie Paes Sandre negou as acusações. Confira a nota do magistrado enviada antes do julgamento que ocorreu no dia 30 de maio deste ano.

“Inicialmente, permita-me revelar a minha mais absoluta surpresa e indignação com essa ardilosa acusação às vésperas do julgamento de Nei Castelli, pelo Tribunal do Júri da Capital do Estado de Goiás, que foi, enfim, recentemente designado para ocorrer no próximo dia 30/05/2023.

Não posso deixar também de anotar a ilegalidade de se pinçar e transcrever trechos de hipotéticas conversas pessoais travadas em aplicativo de celular, supostamente extraídas dos aparelhos móveis das vítimas do bárbaro homicídio mencionado em parágrafos pretéritos, sem se dignar a apresentar a integralidade desses referidos diálogos para eventual cotejo ou para verificação da cronologia exata dos mesmos; sem exibir a autorização expressa dos terceiros havidos como interlocutores no caso concreto e, principalmente, sem mostrar a indispensável “cadeia de custódia” da referida prova digital.

Sobre os fatos, repudio veementemente as alegações, que não tem qualquer consistência fática. Pelo que pude interpretar da leitura dos “prints” das supostas conversas de “Whatsapp” mencionadas, os quais, repito, não tenho como confirmar a autenticidade ou mesmo a sua efetiva existência, se tratava ali, ao que tudo indica, de tentativa do advogado Marcus Aprígio Chaves em obter uma reconciliação entre mim e o seu pai, o Desembargador Leobino Valente Chaves, bem como de um esforço filial do primeiro em busca de apoio a uma presumida candidatura deste último a cargo diretivo junto ao Tribunal Regional Eleitoral de Goiás, algo que não ocorreu.

No que diz respeito à criminosa acusação de favorecimento profissional ao advogado Marcus Aprígio Chaves, é preciso pontificar que o citado causídico sequer possuía procuração outorgada por qualquer das partes então litigantes para poder representá-las nos dois processos mencionados nesse ponto.

Em todos os julgamentos e decisões que proferi nessas três décadas de atividade profissional, sempre busquei aplicar a lei de forma justa e imparcial, sem me deixar jamais influenciar por pressões externas ou por interesses pessoais.

Com muito orgulho, posso afirmar que nunca respondi a uma Sindicância sequer e que até o presente instante não possuo qualquer espécie de reprimenda anotada em meu dossiê funcional, o que creio evidenciar minha conduta profissional ilibada e meu compromisso com a ética e a legalidade”

O Metrópoles tentou contatar a defesa das demais pessoas citadas. Porém, até a última atualização desta reportagem não obteve retorno. O espaço segue aberto.

Relembre o caso Em outubro de 2020, na capital goiana, Marcus e Frank foram assassinados dentro do escritório em que trabalhavam. Dias após o crime, os investigadores chegaram a dois suspeitos: Pedro Henrique Martins Soares, preso em 30 de outubro, e Jaberson Gomes, morto na mesma data durante uma perseguição policial.

Conforme mencionado no processo, a dupla criminosa teria se passado por clientes e marcado uma reunião para cometer os assassinatos. Eles teriam exigido dinheiro dos advogados e atirado contra os dois logo após terem roubado R$ 2 mil.

Durante as investigações, a polícia desconfiou que o crime teria sido encomendado e passou a ouvir pessoas envolvidas nas vidas dos advogados. Apesar de no início ter sido levantada a hipótese de que um agiota poderia estar por trás do homicídio, o fazendeiro Nei Castelli foi detido como o mandante.

Conforme consta no inquérito policial, o fazendeiro teria encomendado as mortes após perder uma ação que o obrigava a pagar Marcus e Frank, a título de honorários sucumbenciais, o valor de R$ 4,6 milhões.

Em 2022, Pedro, o assassino confesso, foi condenado a 45 anos, 6 meses e 10 dias de prisão pelo Tribunal do Júri.

No fim de maio deste ano, outros três envolvidos também foram julgados. Castelli e Cosme Lompas – responsável por contratar os executores do crime e intermediar a negociação dos valores pagos – foram condenados a 21 anos, 10 meses e 15 dias de reclusão, cada um.

Hélica Ribeiro Gomes, namorada do atirador Pedro Henrique Martins Soares, foi a única absolvida de todas as acusações.

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