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O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB) 21 de outubro de 2023 | 11:22
Um dos nomes cotados para disputar o Palácio do Planalto em 2026, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), disse que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega ao final do primeiro ano com uma fórmula de desenvolvimento “antiga” e “defasada” e demonstra “dificuldades de modernizar”. O tucano elogia a capacidade de diálogo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mas observa que, do ponto de vista econômico, “a lógica, que é a lógica do PT, tem menos cuidado com o gasto público”.
“Eles fazem um programa habitacional, construção civil aqui, fabricação de veículos ali, mas estruturalmente não dão colaboração numa nova lógica de desenvolvimento econômico sustentável para o País”, afirma. “Vamos caminhando no final deste primeiro ano de governo com uma fórmula de desenvolvimento antiga, parece que tem dificuldades de modernizar”.
Durante uma hora de conversa com o jornal O Estado de São Paulo na última quinta-feira, 19, em que tomou um café preto coado e água sem gás numa cafeteria de São Paulo, Leite admitiu que é legítimo almejar o Planalto. Ele citou, porém, Tancredo Neves — presidente eleito pelo Colégio Eleitoral, em 1985, e que não conseguiu tomar posse —, para dizer que “Presidência é destino”. “Tantos se prepararam para ser presidente e não foram e tem os que não se prepararam e foram”.
O tucano revelou também que não pretende seguir no comando do PSDB. Alega que recebeu o voto dos gaúchos para governar o Estado e que ambas as funções são praticamente incompatíveis.
Com palavras moderadas, criticou o Supremo Tribunal Federal (STF) por querer, segundo ele, legislar na questão da política de drogas, uma discussão que, em seu entender, deve ser do Congresso Nacional. “Acho que esse debate é na seara política”. E concordou que é pertinente a discussão de um mandato para os juízes do Supremo, como querem lideranças do Congresso. “É razoável haver cuidado por que os precedentes que se abrem numa Corte que envolve um número reduzido de pessoas (são 11 ministros) pode gerar instabilidade política também no País.”
Ao falar do PSDB disse que seu trabalho à frente do partido foi o de resgatar o DNA tucano: “Como o PSDB sempre polarizou com o PT, quando ele perdeu essa polarização, e ela passou a ser exercida pelo bolsonarismo, isso gerou uma certa esquizofrenia no partido, uma certa confusão”.
Leia a íntegra da entrevista
O senhor quer ser reeleito para presidir o PSDB?
Quando aceitei ser presidente do partido, falei: olha, não é meu propósito, eu acabei de ser reconduzido ao governo do Estado (Rio Grande do Sul). Mas houve um apelo de lideranças — por que a política se move muito por expectativas de futuro e ,nesse momento, nas circunstâncias do partido eu cumpriria esse papel. Falei, tudo bem, me proponho a fazer uma recuperação do PSDB, fizemos os Diálogos Tucanos, percorremos o país, abrimos espaços para contribuições, montei uma equipe para fazer uma leitura de todos os materiais do partido para poder registrar o que é o DNA do partido, qual a nossa profissão de fé, o que a gente acredita, defende. Por que, na verdade, como o PSDB sempre polarizou com o PT, quando ele perdeu essa polarização, e passou a ser exercida pelo bolsonarismo, isso gerou uma certa esquizofrenia no partido, uma certa confusão.
Por quê?
O partido não soube muito bem lidar com essa situação. Os que são mais de centro-esquerda tomaram um caminho vinculados à origem do partido, e aqueles que mais vivenciaram a polarização e o antagonismo com o PT tomaram outro. Isso gerou uma certa confusão. É importante que revisitemos a origem do partido, o que a gente defende, quais são os nossos temas. Por que não é nos posicionarmos sobre Lula ou Bolsonaro. É nos posicionarmos sobre o que nós somos, o que defendemos, qual é nossa posição sobre a máquina pública, qual é nossa postura sobre a economia, as políticas públicas mais importantes. A gente tem que saber como se posicionar sem ser na régua estreita de Lula e Bolsonaro.
Quais foram os passivos que vocês identificaram?
Teve elementos, num momento em que a política foi especialmente questionada e em um partido que teve muitos quadros, muitos governadores, deputados, que alguns foram alvos de denúncias que geraram uma percepção negativa do partido. De certa forma, quando houve a Operação Lava Jato, que atingiu fortemente o PT, o PSDB também teve membros que ali foram denunciados…
O senhor se refere ao deputado Aécio Neves (PSDB-MG)?
Sim. Mas que foram absolvidos.
Por que o PT conseguiu se reerguer a ponto de eleger o presidente da República e o PSDB não?
Talvez porque o PT tenha uma base sindical, de movimentos sociais, talvez o PSDB demorou menos para chegar ao governo federal… O PT levou mais de 20 anos, o PSDB levou seis anos depois de formado. Na década de 90, isso levou a um inchaço do partido, que cresceu muito antes de se fortalecer. Talvez por que sejamos mais críticos conosco mesmo do que os outros. Os outros protegem os seus, atacam os adversários. Nós temos uma característica de cobrarmos dos outros e dos nossos também. A gente entende que a forma de governar, a sobriedade, a serenidade, o apreço por gestão, podem e devem ser recuperados pelo partido.
Mas o senhor vai continuar na presidência do PSDB?
Eu entendo que é melhor para o partido ter alguém que possa ter mais tempo para se dedicar. Têm eleições municipais, têm questões vinculadas às candidaturas… são questões para as quais eu não tenho essa disponibilidade. Eu recebi a confiança de milhões de gaúchos para governar o Estado. Não posso e não deixarei o Estado desatendido para a questão partidária. Embora ela seja importante.
Quem terá seu apoio para a sucessão no partido?
Temos Tasso Jereissati, o ex-governador Reinaldo Azambuja do Mato Grosso do Sul (MS), é um case porque ele foi governador duas vezes. Conseguiu eleger seu sucessor, que é um grande quadro, Eduardo Riedel, mais da metade das prefeituras do Estado são administradas pelo PSDB. São Paulo elegeu três deputados federais. MS também elegeu três. Nós elegemos dois pelo RS. A proporção é bem mais.
Alguns governadores estão muito críticos em relação ao Supremo, principalmente, com a questão da maconha. Como vai liberar a compra se a venda é proibida? Qual a sua posição?
A política de enfrentamento às drogas precisa ser debatida, mas entendo que a instância seja o Congresso e não a Suprema Corte porque isso acaba avançando em questões legislativas. Acho que esse debate é na seara política. De fato, a forma como a gente tem hoje definido a criminalização, o porte de drogas, ela se demonstra insuficiente, até falida. É um debate que tem que ser feito do ponto de vista técnico e político com o governo e o Congresso. A resolução deste tema via Supremo, talvez, não seja o melhor caminho para termos uma nova política de combate às drogas no País.
O Congresso reagiu à discussão no Supremo propondo impor mandatos aos ministros ou revisar decisões não unânimes. O STF precisa de um freio de arrumação, como defendem lideranças políticas?
O STF tem dado grandes colaborações, no próprio episódio do processo eleitoral que tivemos com ameaças à nossa democracia. No entanto, é razoável haver cuidado, pois os precedentes que se abrem numa Corte que envolve um número reduzido de pessoas (são 11 ministros) podem gerar instabilidade política também. E isso tudo gera essa possibilidade de críticas que os ministros estão recebendo, o que é ruim para o País.
O senhor acha que tem que ter mandato fixo?
É um debate pertinente. A Alemanha tem mandatos definidos e é uma democracia consistente e consolidada, que é um bom exemplo e que tem outros itens, o próprio sistema distrital misto que é um bom exemplo para o Brasil.
E a revisão de decisões não unânimes?
Não tenho muita clareza sobre isso. Mas gera um pouco de receio essa revisão no âmbito do Congresso. Isso poderia gerar até mais instabilidade do ponto de vista jurídico e insegurança jurídica no País.
O senhor indicaria seu advogado para uma vaga no Supremo?
Acho que ao abrir a possibilidade de indicação do seu advogado, mesmo que tenha as credenciais, acaba gerando a possibilidade de questionamento.
O senhor acha questionável?
Do ponto de vista técnico e jurídico, não… do ponto de vista político, sim. Abre uma margem para um questionamento da sociedade.
O senhor não indicaria?
Não seria o caminho que eu adotaria. Já houve outros políticos ou ex-políticos sendo nomeados, Paulo Brossard, Nelson Jobim. As características essenciais eram que tinham conhecimento jurídico bastante evidente, e, acima de tudo, sobriedade é fundamental. Um ex-político fortemente engajado, ativista de determinadas causas, isso gera um desequilíbrio. O STF tem que ser uma instituição para a qual se olha com tranquilidade e serenidade as decisões que serão encaminhadas.
Se o senhor for presidente da República, quais serão os critérios…
Tancredo Neves (1910-1985) dizia que a Presidência era destino. Aliás, tantos se prepararam para ser presidente e não foram, e têm os que não se prepararam e foram. As circunstâncias são mais definidoras do que a aspiração pessoal ou capacidade individual.
O senhor cogita disputar a Presidência da República?
Perguntar isso a alguém que foi prefeito e governador é o mesmo que perguntar para o jornalista do interior, do pequeno jornal semanal se ele não quer trabalhar no Estadão. Claro que ele quer! É legítimo que queira. Mas não depende só da gente. Presidência da República é circunstância. O que eu mais desejo é que o País possa sair dessa polarização, de ir para uma eleição votando em um para evitar o outro. Foi o que eu mais percebi na última eleição. Seja a decisão por Lula ou por Bolsonaro, votaram muito mais para tirar alguém ou para evitar que alguém retornasse.
Como o senhor se define politicamente?
Me defino como centro, que não é Centrão. Um amigo me perguntou e eu devolvi a pergunta: ‘O que é direita pra você?’ ‘Direita é mais sobre privatização, enxugamento do Estado.’ ‘E esquerda?’ ‘É mais preocupada com transferência de renda e programas sociais, políticas de cultura.’ E eu quis saber qual era a incompatibilidade entre as duas coisas. Eu acredito num governo que é menor, mais enxuto, que privatiza, reforma, repensa a máquina pública, que dá força para iniciativa privada fazer tudo que quiser fazer, e tirar o governo disso, mas também num governo com papel na transferência de renda, políticas de cultura, programas sociais de inclusão de reparação de desigualdades e de promoção da igualdade. Não vejo incompatibilidade nas duas coisas.
O senhor acha que haverá muitos candidatos em 2026 se opondo ao PT ou vai ter uma frente?
E cedo para dizer. A eleição para presidente da República é especialmente determinada pela sensação de bem-estar econômico, poder de compra, empregabilidade, confiança da pessoa de que poderá melhorar sua condição de vida. É muito prematuro dizer, num mundo cheio de incertezas como o que a gente vive, o que vai acontecer. Se o PT vir com Lula e do outro lado não tiver um candidato bolsonarista forte, eu entendo que muitos que optaram por Lula, se não houver risco do bolsonarismo, eles poderão olhar para o restante do cardápio. Se você tiver uma eleição que parta polarizada novamente, aí dependendo das condições econômicas, você terá chances de manter o atual governo.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, seria um candidato bolsonarista?
Não é um bolsonarista clássico porque ele tem um componente técnico, de abertura para outras questões que o bolsonarismo se revela mais fechado.
Qual a sua avaliação do governo Lula?
Acho que do ponto de vista institucional há uma disposição maior ao diálogo. O simples fato de não haver ataques aos entes subnacionais como observávamos no governo anterior é algo saudável. Do ponto de vista econômico, como governador falando, destaco a atuação do ministro Haddad (ministro da Fazenda, Fernando Haddad) com um bom diálogo.
E além do bom diálogo?
Do ponto de vista econômico, a lógica, que é a lógica do PT, tem menos cuidado com o gasto público. É uma agenda antiga, defasada, que não muda estruturalmente o País. Eles fazem um programa habitacional, construção civil aqui, fabricação de veículos ali, mas estruturalmente não dão colaboração numa nova lógica de desenvolvimento econômico sustentável para o País. Vamos caminhando no final deste primeiro ano de governo com uma fórmula de desenvolvimento antiga, parece que tem dificuldades de modernizar.
Em uma entrevista ao Estadão, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, defendeu a contraposição de estados do Sudeste, reunidos no Cosud (Conselho de Desenvolvimento do Sul e Sudeste) aos do Nordeste.
O Cosud jamais teria meu apoio para uma frente de estados contra outra frente de estados. A frente Sul e Sudeste acontece inspirada no que é a mobilização dos estados do Nordeste que souberam se organizar, superaram suas diferenças, o Nordeste não é uma coisa só. Cada estado tem sua característica, sabe superar suas diferenças para construir. Queremos fazer o mesmo em nossas regiões.
O governo Lula demorou a chamar o Hamas de grupo terrorista. Qual é a sua definição?
Precisam ser repudiadas com veemência as ações do Hamas. Não quer dizer que o povo palestino seja terrorista, mas a prática do Hamas é muito chocante. E as ações terroristas fazem do grupo passível de ser classificado como terrorista.
Monica Gugliano/Andreza Matais/Roseann Kennedy/Folhapress